segunda-feira, 30 de agosto de 2021

(This is) The Rhythm of Renight

 


Salve, Buteco! Como não poderia deixar de ser, o assunto de hoje inevitavelmente envolverá o avassalador trabalho de Renato Gaúcho como treinador do Flamengo. Contudo, precisarei da paciência de vocês para um breve introito. Na minha família, a gente faz piada quando uma pessoa tenta explicar tudo, desde a origem, e no clima de zoação alguém sempre solta o famoso "primeiro vieram os dinossauros...". É uma forma bem-humorada de se proteger do regressus ad infinitum em qualquer assunto, trivial ou não. Afinal de contas, ninguém é obrigado a ouvir (ou ler...) palestra. Então, feita essa breve introdução, peço a vocês um minutinho para darem uma espiada em dois links: o primeiro, dos campeões da Copa Intercontinental, antigo nome do Mundial de Clubes, quando era uma competição oficial promovida pela Conmebol e pela Uefa. O segundo é o link de campeões do Mundial de Clubes FIFA. Viram como a América do Sul levava ligeira vantagem sobre a Europa na época da Copa Intercontinental?

Amigos, a rigor, eu não preciso tocar nesse assunto para falar sobre o trabalho do Renato no Flamengo, mas acho importante ir aos dinossauros e mostrar o contexto em que a balança passou a pender fortemente em favor do futebol europeu. Na minha opinião, isso aconteceu a partir da Lei Bosman, aqui no Brasil conhecida como a "Lei do Passe", introduzida em nossa legislação por via do artigo 28, § 2º da Lei 9615/98, a famosa “Lei Pelé”. O artigo 28, § 2º extinguiu o instituto do passe, porém só entrou em vigor três anos depois da publicação da lei, precisamente aos 26 de março de 2001, por determinação do artigo 92. É fácil perceber como o fim da "Lei do Passe" coincide com o início da hegemonia do futebol europeu, que dura até hoje, salvo episódicos títulos sul-americanos, que no todo apenas confirmam a regra.

O histórico não só da Copa Intercontinental, como das Copas do Mundo disputadas até então demonstram, juntos, que não se podia falar, até então, em superioridade do futebol europeu sobre o Sul-Americano. Aliás, o último título sul-americano em Copas do Mundo foi 2002 e, até então, o placar era 9x8 para a América do Sul. A partir de 2006, tivemos quatro títulos europeus.

Não há respaldo histórico para se afirmar que exista uma maneira de se jogar que coloque o futebol europeu acima do Sul-Americano. O que aconteceu a partir do início do Século XXI é que, para além da disparidade financeira, que já existia e se aprofundou, a Europa passou a recrutar os nossos talentos na fonte e moldá-los a partir da filosofia tática europeia. São vários os exemplos, que passam por Messi, Rafinha e Thiago Alcântara, Jorginho (Itália) e até Andreas Pereira.

Até o início desse século, o treinador brasileiro era especialista em formar grandes individualidades e adaptar o conjunto para que brilhassem e decidissem. Conquistamos cinco Copas do Mundo e cinco Mundiais de Clubes (até então) dessa forma. Não é pouca coisa, concordam? O problema passou a ser que, sem (ou com muito menos) matéria prima, que migrou para o tático futebol europeu, o qual sempre teve menos talento, a balança se desequilibrou e, para piorar, a entidade que "cuida" (?) do nosso futebol jamais se preocupou em aprimorar o processo de formação para tentar diminuir o prejuízo e ao menos nivelar conhecimento com o futebol europeu.

O jeito de se jogar futebol no Brasil não é inferior ao europeu, mas precisa de uma reciclagem, de uma modernizada, digamos assim. Não é abandonar antigos conceitos, mas incorporar novas ideias. O treinador brasileiro não é incapaz, longe disso. É uma questão de formação e de atualização, especialmente no campo tático. 

***

O trabalho do Renato que mais gostei como treinador foi no Fluminense, tendo seu auge na final da Copa Libertadores da América de 2008. Pode-se até dizer que o time do Grêmio de 2017 "jogava mais bonito", mas a campanha da Libertadores/2008 me impressiona mais, pelos adversários e como conseguiu fazer funcionar bem o técnico meio campo com Dário Conca e Thiago Neves. Além disso, ainda em janeiro/2018 eu discorria, neste post, sobre as minhas desconfianças de que o Renato havia herdado uma estrutura no Grêmio, uma filosofia de jogo, e, claro, soube aprimorá-la durante pelo menos um ano e meio com muita competência. E neste recente post deixei claro quem desconfio ser o responsável pela parte tática em sua comissão técnica.

Aproveito o ensejo para também deixar claro que concordo com o André Nunes Rocha (@anunesrocha) neste tuite, quando afirma que quando Jorge Jesus chegou ao Flamengo em 2019 tudo "era mato". Mato tático, se é que podemos utilizar essa expressão. Do tipo Arrascaeta no banco em jogo de Libertadores no Maracanã... Faço essa referência porque realmente não acho que Renato ou qualquer treinador brasileiro teria promovido aquela metamorfose, mesmo com as posteriores chegadas de Rafinha, Filipe Luís, Gérson e Pablo Marí. Ainda não vi, até hoje, um trabalho do Renato que possa ser chamado de "autoral".

Percebam, porém, que (ao menos na minha opinião) isso não é demérito para o Renato, a começar porque não faz sentido cobrar dele o que nenhum treinador brasileiro teve em nível de formação. Além disso, se amontoar estrelas em um time fosse fórmula de sucesso, e se aproveitar trabalho anterior fosse fácil, Domènec Torrent ou Rogério Ceni ainda dirigiriam o Flamengo e qualquer treinador do Real Madrid seria tão bem sucedido como foi Zinedine Zidane em passagens anteriores à mais recente pelo clube madrilenho. Gestão de vestiário em clubes gigantes não é exatamente uma tarefa simples e que se aprenda em bancos de cursos técnicos ou universitários. Trata-se de uma expertise invariavelmente detida por poucos profissionais do competitivo mercado de treinadores.

E não é só. Resgatar em parte um trabalho anterior de alto padrão e ainda acrescentar elementos positivos é, na verdade, indicativo de competência do treinador. Renato deu mais liberdade para os jogadores do meio e do ataque se movimentarem e tornou o contra-ataque do Flamengo tão ou mais mortal do que era em 2019. Especialmente comparando-o com os dois treinadores anteriores, sucessores de Jorge Jesus, os seus números são simplesmente avassaladores, em 13 jogos, com 11 vitórias, 1 empate e 1 derrota, 44 gols a favor e 10 contra, e ainda por cima com as seguintes goleadas:


Falta mais efetividade quando o time não está com vantagem no placar? Sim, mas tambem não há nada de anormal em ter dificuldades nos primeiros 45 minutos de jogos disputados na Arena do Grêmio ou na Vila Belmiro. É bom lembrar que a Série A do Campeonato Brasileiro não é o Campeonato Carioca. Há espaço para crescimento, mas também é preciso tomar cuidado para não cair em narrativas vazias e criar expectativas irreais. 

Por exemplo, nunca escondi que considero o Diego Ribas mais útil como opção no banco, mas não sei dizer se Thiago Maia já está pronto para começar jogando, dada a gravidade de sua contusão e o logo tempo de afastamento. Por isso mesmo, tampouco me sinto em condições de afirmar categoricamente que, hoje, essa atraente alternativa já se apresenta como a melhor. Vale lembrar que, até aqui, gestão de elenco e de vestiário vem sendo uma das qualidades mais positivas do trabalho do Renato.

Outro ponto que não deve ser esquecido é que nunca, na História do futebol desse país, um clube venceu o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil e a Copa Libertadores da América na mesma temporada. Essa tríplice coroa é simplesmente inédita e o Flamengo tem, em Palmeiras e Atlético/MG, rivais de respeito e do mesmo patamar. Tampouco se pode dizer que Barcelona de Guayaquil e Santos ou Athletico/PR sejam faturas liquidadas por antecipação.

Tenho gostado muito da postura do Renato no trato com a imprensa e em suas declarações. Desde que chegou, tem sido extremamente cauteloso e cuidadoso. Como ex-atleta de ponta e ídolo do clube como jogador, Renato conhece a torcida, o seu nível de exigência e sua cultura de não abrir mão do oba-oba e da fanfarronice, qualidades que, na maioria das vezes, é positiva e faz parte do traço da Nação que tanto incomoda as torcidas rivais. 

Renato quer conquistar grandes títulos e tem plena consciência da cobrança que existe para que atinja esses objetivos.

This is The Rhythm of Renight (Oh, Yeah!!): intenso, implacável, ofensivo e surpreendentemente sóbrio.

Que continue assim.

***

A palavra está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.