segunda-feira, 20 de julho de 2020

Escolhas

Mister, no modo reflexivo
Salve, Buteco! Lembram-se de como nos referíamos ao "Ano Mágico" de maneira irônica, como a ilusão de uma Diretoria que tinha muitas ideias e pouco conhecimento de como funciona o mundo do futebol? Pois é, acho que ninguém negará que, com a saída de Jorge Jesus, encerrou-se o nosso Ano Mágico, que para mim não foi 2019, mas os doze meses em que o treinador português esteve no comando do Mais Querido do Brasil. Ontem, durante os comentários, o Rocco se referiu à passagem do Mister como "o alinhamento de Alfa, Omega e um buraco negro qualquer". Acho que é bem por aí. Alguns amigos ponderam, com razão, que dificilmente haveria tanta liga com outro treinador, mesmo que de primeira linha, ainda que também fosse europeu. Jorge Jesus, além de ser um profundo conhecedor do futebol brasileiro, hoje é um homem na plenitude do autoconhecimento. Dizem que contratou até um "coach" para se aconselhar e evitar rompantes de temperamento em suas passagens por Benfica e Sporting Lisboa.

Jorge Jesus nos deixa um parâmetro possivelmente inigualável, a ser perseguido por décadas as fio. No Flamengo, JJ foi sábio, sagaz, preciso e sereno até nos momentos em que precisou ser incisivo. Será difícil encontrar um exemplo de trabalho com alinhamento tão perfeito de fatores como postura, trabalho tático moderno e de ponta, liderança sobre o elenco, sinergia com o clube e a torcida e, claro, resultados, porque ganhar o Campeonato Brasileiro e a Libertadores da América no mesmo ano é um feito inédito e histórico, e aqui não me venham com Santos de Pelé, pois vocês sabem o que penso a respeito dos torneios da época

Desse Ano Mágico, o final de semana de 23 e 24 de novembro de 2019 foi o momento mais transcendental, eternizado na História.


Capa do meu celular

A vida é feita de escolhas, como a que Jorge Jesus precisou fazer ao decidir retornar a Portugal. Acredito que o homem que acabei de descrever como sábio, sagaz e preciso, e que está no auge do amadurecimento, sabe muito bem o que deixou para trás no Brasil e o que encontrará em Portugal. As escolhas que fazemos no curso de nossas vidas nem sempre são as de nossa preferência, mas as que consideramos necessárias para aqueles que amamos.

Que o Mister seja feliz no novo caminho que escolheu, desde que sem os nossos jogadores... (senão é VTNC, Mister!)

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A saída de Jorge Jesus é o despertar de um sonho, que nos leva a lidar com a realidade e importantes decisões que a Diretoria precisará tomar. A primeira é a escolha do sucessor, que faz renascer um velho tema, com o qual a torcida do Flamengo está mais do que acostumada. Entre as pesquisas que fiz durante a pandemia, deparei-me com antigos posts que escrevi falando sobre escolhas de treinador, treinadores estrangeiros e trabalho tático. São muitos, mas dois foram de certa maneira "proféticos".

O primeiro deles foi postado no dia 7 de julho de 2014 e, naquela oportunidade, escrevi que "causa enorme espanto (...) constatar que países inexpressivos no mundo futebolístico, hoje, estão mais atualizados e preocupados com tática, ofensividade e a qualidade do futebol do que o futebol brasileiro." No dia seguinte, o Brasil tomou de 1x7 da Alemanha no Mineirão, pela semifinal da Copa do Mundo de 2014. O segundo deles foi postado no dia 15 de maio de 2017 e nele novamente escrevi sobre o atraso tático do futebol brasileiro. Ao final, desejei sorte a Zé Ricardo nas decisões que precisaria tomar na quarta-feira, noite do desastre do "Nuevo Gasómetro".

Não me estenderei no assunto. Acho que é desnecessário. Gostaria apenas de pontuar que escolher a via dos treinadores estrangeiros não significa que o Flamengo navegará em um mar de rosas; muito pelo contrário, é apenas escolher qual tipo de problema deseja ter. Há quem prefira a ilusória segurança dos treinadores brasileiros e seus contratos de longa duração, multas milionárias, atraso tático e pouco comprometimento com a evolução do jogo em nível mundial. No meu caso, se fosse da Diretoria do clube, optaria, sem a menor hesitação, por problemas como salários muito altos, grande possibilidade de troca de treinador (top) a cada doze meses, multas rescisórias com valores menores a partir desse período (um ano), saídas às vésperas de jogos importantes ou decisivos, em razão da ausência de sincronia entre os calendários brasileiro e europeu, e a relação de câmbio nem sempre favorável.

Prefiro que o clube desenvolva mecanismos para lidar com o segundo tipo de cenário do que retroceda ao atraso do primeiro.

E vocês?

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Até mesmo se vier a ter um treinador brasileiro de primeiro nível, o que, hoje, é uma contradição em termos, o clube terá que se preparar para a realidade do risco de troca a cada doze meses, já que esse tipo de treinador sempre mira dois tipos de mercado: o europeu ou o de seleções que podem se classificar para as copas do mundo. O melhor exemplo é o de Joel Santana, que nunca chegou a ser um treinador de ponta no futebol brasileiro, mas, para os padrões da época, certamente fez um trabalho de ponta no Flamengo entre 2007 e 2008, quando subitamente abandonou o clube para dirigir a seleção da África do Sul no meio de uma Libertadores que o Mais Querido tinha chances reais de conquistar. Considero aquele time o terceiro melhor que tivemos neste século, atrás apenas do atual e do campeão brasileiro de 2009, que, por sinal, tinha muitos de seus integrantes. 

Joel foi o predecessor de Rueda e Jorge Jesus, que saíram por propostas estrangeiras. Se alguém surpreendeu mesmo o clube, acredito que tenha sido Joel, já que abandonou uma competição importantíssima na reta final. Além disso, acredito que a Diretoria de 2017 já havia escolhido Carpegiani antes de Rueda sair, assim como acho mais provável que o Flamengo já estivesse monitorando outros treinadores antes do Mister comunicar sua saída do que tenha mesmo sido surpreendido. Quem firma contrato com multa rescisória baixa não pode alegar surpresa, o que vale tanto para o cenário Rueda, como para o atual.

De qualquer modo, independentemente da opinião que cada um tenha sobre os três episódios, é inegável que existe um padrão entre eles, que tende a se repetir sempre que o Flamengo tiver um treinador de ponta realizando um trabalho de qualidade e vencedor. O ponto, aqui, não é julgar A, B ou C, mas aprender a lidar com um cenário que tende a ser comum no patamar em que o Flamengo está e do qual não queremos que saia nunca mais.


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Considerando a soma de fatores como a pandemia, a relação atual de câmbio do real frente a moedas mais fortes (dólar, euro e libra esterlina) e a força do mercado europeu, não será fácil para o Flamengo contratar um treinador do primeiro mundo do futebol. Se conseguir, provavelmente não será de imediato, pois a tendência é que acompanhemos uma novela como foi a da contratação do nosso (excelente) lateral esquerdo Filipe Luís, que tentou de todas as maneiras permanecer no mercado europeu antes de retornar ao Brasil. Até o fechamento da janela europeia, neste período do ano sempre mais longa do que a nossa, o Campeonato Brasileiro já terá se reiniciado e a Libertadores da América estará prestes a ser retomada.

Especulando sobre alternativas e probabilidades, se a passagem de um novo treinador vindo da Europa não terá a mesma sinergia, escolher um treinador sul-americano ou um europeu que trabalhe na América do Sul significará um passo atrás em relação ao que o Flamengo tinha com Jorge Jesus, porém representará um cenário muito melhor do que a contratação de um treinador brasileiro.

Até quando o clube pode esperar é o xis da questão.


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A palavra está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.