segunda-feira, 7 de julho de 2014

Memórias de Algumas Copas que Vivi

Bom dia, Buteco! Triste com o futebol apresentado pela Seleção Brasileira nessa Copa do Mundo cheia de emoções e com várias equipes praticando futebol ofensivo, não tive como deixar de me lembrar das duas primeiras Copas do Mundo que acompanhei - 1978 e 1982 (minha primeira memória do futebol é a Polônia vencendo o Brasil por 1x0 em 1974 e o meu pai reclamando do gol do Lato). O bacana daquela época é que os melhores jogadores brasileiros atuavam em clubes nacionais. Então, imaginem os melhores jogadores brasileiros disputando os campeonatos estaduais e brasileiro. Guardadas as devidas proporções (o objetivo não é comparar os jogadores), seria como se Rivaldo, Adriano Imperador, Juan, Aldair, David Luiz, Tiago Silva, Romário, Bebeto, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Neymar e Kaká, por exemplo (sem a pretensão de ser exaustivo), nunca tivessem se transferido para o exterior e tivessem jogado por vários anos em seus clubes de origem. Na Copa do Mundo de 1978, por exemplo, simplesmente nenhum jogador brasileiro convocado atuava no exterior; na Copa do Mundo de 1982, apenas Paulo Roberto Falcão (Roma) e Dirceu (Atlético de Madrid). Logo, quando se fala que os campeonatos disputados aqui no Brasil, naquela época, tinham maior qualidade (nada obstante eventual crítica que se possa fazer ao formato), não se trata exatamente de um exagero.

Posso estar totalmente equivocado, até porque essa percepção vem de memórias da minha infância, mas acho que a relação da torcida com a Seleção Brasileira, naquela época, era diferente. É difícil explicar com palavras, até porque a Seleção Brasileira é até hoje muito querida pelo povo brasileiro, mas era como se fosse "mais nossa" do que atualmente é; era como se a relação fosse mais genuína e mais íntima com os jogadores. Tenho saudades da qualidade do futebol que se jogava por aqui naquele tempo.

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Da Copa do Mundo de 1978, acho que as duas lembranças mais marcantes da primeira fase foram o gol de cabeça de Zico, contra a Suécia, não validado porque o árbitro apitou o fim de o jogo com a bola no ar, após batido o escanteio (o lance foi disputado normalmente, mas a partida terminou 1x1) e o gol salvo pelo zagueiro Amaral (Corinthians) em cima da linha na partida contra a Espanha, que terminou 0x0. Naquele tempo, era bem mais comum a disputa de "peladas" na rua e eu me lembro muito bem que, quando alguém salvava um gol perto da linha, sem ser o goleiro, todos gritavam "Amaral!". A emoção a ele inerente, assim como a narração entusiasmada de Luciano do Valle tornaram o lance imortal. No lance do Zico, foi a primeira vez que senti muita raiva de um árbitro.

Lembro-me também da inesquecível "Batalha de Rosário" na segunda fase, o 0x0 mais nervoso da história de Brasil x Argentina, da contusão de Zico logo que entrou em campo contra a Polônia e a controversa goleada de 6x0 da Argentina sobre o Peru. Os anos que se seguiram, porém, foram de muitos títulos e glórias para o Galinho de Quintino e o Flamengo.

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1982 doeu muito. Já tinha experimentado algumas frustrações bem fortes com o Flamengo e o futebol, como a eliminação do fantástico time de 1979 no Campeonato Brasileiro para o Palmeiras de Telê Santana por 1x4 (goleada devolvida nos 6x2 do ano seguinte) em pleno Maracanã a perda do tetracampeonato carioca em 1980 com uma derrota para o Serrano (gol de Anapolina). Mas aquela derrota para a Itália... Foi a única vez que chorei por causa de futebol. Não sei como definir o que senti com palavras. A surpresa impactante de um resultado que eu simplesmente não tinha imaginado que poderia acontecer causou uma dor na alma que foi difícil superar. A Seleção Brasileira nunca mais foi a mesma para mim depois daquele dia. 

A decepção se completou com a eliminação da fantástica França de Platini (não entendo como alguém possa colocar Zidane no mesmo patamar que ele), Giresse, Rocheteau e Tigana para a Alemanha, a fortíssima Alemanha de excepcionais jogadores como Schumacher, Magath, Stieleke, Allofs, Hansi Müller, Littbasrki, Briegel e dos craques Breitner e Karl-Heinze Rummenigge. Mas é que a França jogava um futebol mágico, muito parecido com o da Seleção Brasileira. Digo apenas que, em nível técnico e individual, era uma Alemanha ainda mais forte do que a atual, que é superior, ao meu ver, em nível tático.

O futebol da Seleção Brasileira era algo tão empolgante que, a cada vitória, as pessoas iam para as ruas dançar e festejar. Vejam que é diferente de se reunir em um bar e comemorar; ruas eram fechadas, como se fosse Carnaval ou a comemoração de um título. Não são poucas as pessoas que conheço e de que ouvi falar que deixaram de acompanhar futebol após a tragédia do Sarriá. Muito comum, até hoje, quando pergunto a um (a) amigo (a) se seu pai gosta de futebol, ouvir a mesma resposta: parou de acompanhar após 1982.

Aquela seleção tinha três jogadores do Flamengo: Leandro, Júnior e Zico. Poderiam ter sido quatro, se Tita não fosse tão imaturo na época.

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O objetivo do texto de hoje é explicar aos amigos que não se trata de ser saudosista, pois, após tanto tempo, já assimilei que aquela Copa marcou o início do fim do "futebol-arte" (hoje extinto) e iniciou um longo processo que parece estar finalmente começando a trazer algo de bom: a coexistência, dentro do futebol, da preparação física e tática do mais alto nível de competitividade com a qualidade técnica. O que causa enorme espanto, todavia, é constatar que países inexpressivos no mundo futebolístico, hoje, estão mais atualizados e preocupados com tática, ofensividade e a qualidade do futebol do que o futebol brasileiro. Sim, quando a camisa amarela entrar em campo contra a Alemanha, torcerei por ela, mas certamente não me encantarei e nem muito menos terei momentos de empolgação, como, por exemplo, algumas jogadas e alguns atletas das seleções de 1998 e 2002 me permitiram.

O Brasil está sempre atrasado na assimilação das novidades, seja em que campo for: pode ser usina nuclear, como também no campo da defesa dos direitos humanos ou mesmo do futebol. Normalmente importa o que se descarta do exterior por desuso ou inutilidade. Resta saber quanto tempo levará para o nosso futebol voltar a ter um mínimo de autenticidade.

SRN a tod@s.