segunda-feira, 25 de maio de 2020

Olho no Passado, Mirando o Futuro (2)

Foto de Pedro Vale
Salve, Buteco! Semana passada destaquei o Ranking Folha do futebol brasileiro e a primeira colocação ocupada, já com alguma folga (que tende a aumentar), pelo Mais Querido do Brasil. Destaquei também como ficaria uma classificação por títulos conquistados em competições organizadas por CBF, CONMEBOL e FIFA. Após essas reflexões, ressaltei a importância da continuidade de Jorge Jesus no Flamengo. Pois bem, hoje percorrerei outro caminho para chegar ao mesmo lugar. Esse outro caminho começa, conforme prometido nos debates, com uma breve incursão na polêmica decisão do então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, de “unificar” os títulos brasileiros, carimbando as edições da Taça Brasil e, a partir de 1967, do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, quando deixou de ser apenas o Rio-São Paulo e passou a ser também disputado por clubes de outros estados.

Desde logo afirmo que não sou refratário a uma revisão histórica, desde que respeite o que chamo de “essência” de cada torneio. Para resumir: a Taça Brasil, cujo título dava direito a vaga na Libertadores da América (a partir da criação deste torneio) e sempre teve formato exclusivamente eliminatório, equivale à Copa do Brasil; já o “Robertão” deveria ser o único torneio a ter o status de campeonato brasileiro.

Paulo Vinícius Coelho traz uma importante abordagem sobre a unificação, posicionando-se contrariamente, porém foi Mauro Betting que, a meu ver, melhor explicou a diferença entre a Taça Brasil e o Robertão, bem como suas correspondências, respectivamente, à Copa do Brasil e ao Campeonato Brasileiro. O argumento mais persuasivo é a comparação com a FA Cup da Inglaterra. Tal como no país bretão, a Taça Brasil, primeira competição de caráter nacional organizada pela então CBD, teve caráter exclusivamente eliminatório, sem que isso representasse qualquer desprestígio ao campeonato nacional, posteriormente criado.

Quanto ao Robertão, apesar das cabíveis ponderações quanto à restritividade de participação de maior número de clubes grandes em suas primeiras edições, vejo essa questão como um problema histórico que veio a ser corrigido, especialmente a partir de 1970 (Taça de Prata, vencida pelo Fluminense). Para mim, respeitando as opiniões em sentido contrário, foi campeonato brasileiro e assim deve ser considerado.

A maioria esmagadora das federações dos países nos quais se joga futebol separa as principais competições que promove entre o campeonato nacional de pontos corridos e a copa nacional (exclusivamente eliminatória). Muitas promovem ainda uma copa da liga, também em sistema exclusivamente eliminatório, e/ou uma supercopa disputada entre os vencedores das duas primeiras, sempre as principais.

Fazendo essa devida separação, os títulos ficariam assim distribuídos:

Campeonato Brasileiro (incluindo Roberto Gomes Pedrosa): 53 (4 + 49) edições

1) Palmeiras – 8 títulos (1967, 1969, 1972, 1973, 1993, 1994, 2016 e 2018); 2) Flamengo (1980, 1982, 1983, 1987, 1992, 2009 e 2019) e Corinthians – 7 títulos (1990, 1998, 1999, 2005, 2011, 2015 e 2017); 4) São Paulo – 6 títulos (1977, 1986, 1991, 2006, 2007 e 2008); 5) Fluminense (1970, 1984, 2010 e 2012) e Vasco da Gama – 4 títulos (1974, 1989, 1997 e 2000); 7) Santos (1968, 2002 e 2004), Internacional – 3 títulos (1975, 1976 e 1977) e Cruzeiro – 3 títulos (2003, 2013 e 2014); 10) Grêmio – 2 títulos (1981 e 1996); 11) Atlético/MG (1971), Guarani (1978), Coritiba (1985), Bahia (1988), Botafogo (1995) e Athletico/PR (2001) – 1 título.

Copa do Brasil (incluindo Taça Brasil): 41 (10 + 31) edições

1) Cruzeiro – 7 títulos (1966, 1993, 1996, 2000, 2003, 2017 e 2018); 2) Santos (1961, 1962, 1963, 1964, 1965 e 2010) – 6 títulos; 3) Palmeiras (1960, 1967, 1998, 2012 e 2015) e Grêmio (1989, 1994, 1997, 2001 e 2006) – 5 títulos; 5) Flamengo (1990, 2006 e 2013) e Corinthians – 3 títulos (1995, 2002 e 2009); 7) Bahia (1959), Botafogo (1968), Criciúma (1991), Internacional (1992), Juventude (1999), Santo André (2004), Paulista de Jundiaí (2005), Fluminense (2007), Sport Recife (2008), Vasco da Gama (2011), Atlético/MG (2014) e Athletico/PR (2019) – 1 título.

Esse é o momento no qual alguns perguntarão: “Gustavo, você está propondo uma revisão da unificação feita pela CBF em 2010?”. Não, absolutamente não. Estou bem longe de ter essa pretensão. Explicarei a seguir por que entendo que a divisão dos títulos das duas maiores competições nacionais com base nesse critério nos ajudará, enquanto torcedores do Flamengo, a melhor pensar o futuro do clube, único motivo que me levou a fazer essa exposição.

***

Ainda em 2017, logo após a demissão de Zé Ricardo do comando do futebol do Flamengo, publiquei este post destacando seus números contra os 4 grandes de São Paulo e indicando-os como um dos fatores que explicavam a ausência de títulos conquistados no período. Naquela ocasião, escrevi que a cidade de São Paulo, top ten no PIB mundial, não por acaso tem 3 (três) dos maiores clubes de futebol profissional do Brasil e, portanto, rivais diretos do Flamengo em qualquer competição importante: Corinthians, Palmeiras e São Paulo. Pertinho, descendo a Imigrantes, tem o Santos, de enorme tradição e o maior clube sediado em cidade que não seja capital (de estado ou do país) no Brasil e na América do Sul. Na grande maioria das vezes em que disputar um título de grande porte, o Flamengo enfrentará como rival um desses quatro adversários.”

Não é difícil perceber que, seguindo o critério proposto nesse post, o número de conquistas de títulos do Campeonato Brasileiro pelos grandes clubes do país aponta claramente para o predomínio histórico dos paulistanos e do Flamengo, que acaba figurando como o grande intruso entre eles. E é curioso observar que, logo após do Flamengo e do trio paulistano, figuram justamente os maiores clubes cariocas depois (bem depois, eu sei) do Mais Querido do Brasil, reflexo de tempos em que ainda compunham o principal eixo do futebol nacional.

O campeonato nacional, com seu formato de pontos corridos, antes predominantemente (em chaves ou grupos), hoje no modelo todos contra todos em sistema de ida e volta, exige dos participantes que tenham mais força, traduzida em investimento e regularidade. Não parece ser por acaso, aliás, que no “Big 4” do Campeonato Brasileiro estão justamente os quatro clubes de maior torcida no país. E o Vasco da Gama, quinta maior torcida, também é o quinto maior vencedor, ao lado do Fluminense, muito embora o Gigante da Colina esteja ficando bem para trás em razão da crise que já dura duas décadas.

Em sentido contrário ao Campeonato Brasileiro, por ser “mais democrática”, a Copa do Brasil (lato sensu, incluindo a Taça Brasil), tal como a Libertadores da América, dá mais chances a clubes de fora desse eixo com o seu formato exclusivamente eliminatório (que predomina na Libertadores), no qual o poder do “Big 4” do Campeonato Brasileiro acaba diluído pelo maior grau de aleatoriedade existente nesse tipo de competição.

Ainda assim, mesmo somando o Mundial, a Libertadores e os demais torneios “longos” (Supercopa, Conmebol, Mercosul e Sul-Americana), nos quais os grandes brasileiros competem entre si e/ou com outros sul-americanos, o “Big 4” é ampliado para apenas 7 clubes com as inclusões de Santos, Cruzeiro e Grêmio entre os que possuem entre 10 e 15 títulos, a demonstrar definitivamente que o principal indicador de grandeza dos clubes brasileiros é o campeonato nacional:

Brasileiro (+ Robertão), Copa do Brasil (+ Taça Brasil), Libertadores, Mundial e Copas Sul-Americanas (Supercopa, Conmebol, Mercosul e Sul-Americana)

1) Palmeiras, Santos e São Paulo – 15 títulos; 4) Flamengo e Cruzeiro – 14 títulos; 6) Corinthians – 13 títulos; 7) Grêmio – 11 títulos; 8) Internacional e Vasco da Gama – 8 títulos; 9) Fluminense e Atlético/MG – 5 títulos; 11) Botafogo e Athletico/PR – 3 títulos; 13) Bahia – 2 títulos.

É curioso constatar que, da configuração originária do Clube dos Treze, no longínquo 1987, a única mudança foi a substituição do Coritiba pelo Athletico/PR, o que indica que o quadro dificilmente terá sua composição alterada no futuro. Já as distâncias entre os patamares nos quais se posicionam esses mesmos clubes tende a aumentar porque o desempenho financeiro, conceito que engloba a qualidade de gestão, chegou para ficar como fator determinante da performance esportiva.

Por isso mesmo, o certo é que, no futebol brasileiro, nenhuma competição “mede” mais o tamanho esportivo dos clubes do que o Campeonato Brasileiro, o qual, na minha opinião, deve ser sempre o principal foco e o grande parâmetro para o Flamengo avaliar seu rendimento em comparação com os demais, por mais que eu seja apaixonado por minha “Musa”, a Copa Libertadores da América. Afinal de contas, “beleza não põe mesa”, como sabiamente diz o ditado popular.

***

No post da semana passada, voltei a ressaltar que, apesar dos avanços estruturais, administrativos e mesmo de gestão do futebol profissional no Flamengo, o “fator Jorge Jesus” é, ao mesmo tempo que determinante, uma oportunidade histórica para que o Flamengo assuma o que chamei de “supremacia”. Porém, agora percebo, o termo é impreciso, até porque cada um pode ter um conceito diferente do que seria a tal “supremacia” no plano dos fatos. Então, retificando, acredito que Jorge Jesus possa ser o divisor de águas para que o Flamengo tome a dianteira do número de títulos do Campeonato Brasileiro e da Libertadores, os quais, tenho certeza de que todos concordarão, são nossas principais competições em âmbito nacional e continental.

Explicando melhor: não é que, sem Jorge Jesus, o Flamengo voltaria a ficar no meio da tabela ou até disputaria rebaixamento, sequer se classificando para a maior competição sul-americana. Muito pelo contrário, acredito que o clube se consolidou como força definitiva no primeiro patamar do futebol brasileiro e sempre estará entre os clubes que com maior frequência conquistam o Brasileirão e disputam para ganhar a Libertadores. Por isso mesmo, no espaço de uma a duas décadas, independentemente do quanto Jorge Jesus permaneça no Flamengo, prevejo que a distância para os demais cariocas e clubes fora do eixo Rio-São Paulo (capital) aumentará bastante, por conta da capacidade que o clube desenvolveu para explorar seu potencial nato, o que antes era apenas um sonho distante.

Gustavo, mas então qual é a importância do Mister?” Amigos, o português pode ser o fator que levará o Flamengo, em curto espapo de tempo (próximos 2 a 3 anos), a abrir uma vantagem para o trio paulista que lhe permita não ser alcançado no futuro ou, quando menos, ficar muito tempo na dianteira. Papo de uma ou duas décadas em dois ou três anos. Diversos outros fatores concorreriam para esse resultado, tais como a crise financeira dos rivais paulistas (a qual, não duvidem, é passageira) e o Flamengo arrecadando cada vez mais dinheiro e se tornando cada vez mais popular, graças a uma Diretoria que tem a expertise de gerir grandes empreendimentos. É nesse contexto que a excepcional qualidade do nosso treinador português seria otimizada em progressão geométrica, ampliando um já histórico ciclo virtuoso.

Agora que expliquei o que queria dizer, permitam-me voltar ao meu conceito de supremacia. Pessoal, numa boa, esse papo de Bayern de Munique brasileiro é, mais do que impreciso, pura viagem na maionese. Para que vocês tenham uma ideia, o Bayern de Munique possui avassaladores 29 (vinte e nove) títulos alemães, enquanto o segundo colocado, o Nuremberg, que há tempos encolheu, possui “míseros” 9, um a mais do que a atual e famosa segunda força, o Borussia Dortmund, com seus 8 títulos nacionais. O cenário é completamente diferente do que historicamente vivemos no futebol brasileiro, como vocês podem facilmente perceber.

No dia em que Jorge Jesus deixar o Flamengo (o qual espero que ainda demore muitos anos), é bem possível que o clube enfrente um problema semelhante ao que o Manchester United passou com a sucessão de Alex Ferguson. É claro, até por sua idade, que o Mister não dirigirá o Flamengo tanto tempo quanto Ferguson ficou à frente do United; porém, ainda que o Mais Querido acerte a mão com um nome como Marcelo Gallardo, Jorge Sampaoli ou mesmo outro treinador europeu, a tendência é que essa fantástica sintonia que liga o Flamengo, a Nação Rubro-Negra e o nosso querido Mister não se repita, ao menos na mesma proporção. Seria fantástico que se repetisse, mas não seria a tendência natural. Não se pode jamais perder de vista que treinadores desse patamar são, antes de tudo, grandes artesãos, verdadeiros estilistas, cujas características singulares sempre tornam problemática sua substituição.

Portanto, se a comparação com o Bayern de Munique não faz sentido algum, 2020 e os próximos anos podem levar o Flamengo não a uma supremacia como a do clube alemão (meu conceito de supremacia), mas a uma inédita e possivelmente definitiva liderança no ranking nacional e sul-americano de clubes brasileiros, historicamente muito competitivo como em nenhum outro país. Para tanto, é imprescindível que o Mister permaneça o maior tempo que se mostrar possível.

Que venha logo o “Dia do Fico”.

Bom dia e SRN a tod@s.