terça-feira, 26 de maio de 2020

Ciclos Vitoriosos do Flamengo


Olá, Buteco.

Esse "olhar o passado, mirar o futuro" com que o Gustavo nos brindou em seus dois posts mais recentes me fez lembrar o quanto, ao longo da vida de torcedor, cultivei o hábito de ver jogos da base, para tentar enxergar "desenhos do futuro".

Não sou saudosista.

Falo de passado aqui no Buteco, não pra lamentar saudosamente os tempos de futebol que já se foram, mas para usá-los como referência e aprendizagem para reflexões sobre o presente e o futuro do Flamengo.

O capítulo final do post de ontem do Gustavo, incluindo a importantíssima frase “Que venha logo o “Dia do Fico”, tem enorme densidade e já está devidamente copiado e guardado para que eu possa voltar a ele em outros momentos.

Meu post de quinta-feira passada e o de hoje também buscam referências no passado para, a partir delas, ensaiar visões de futuro e tentar contribuir para a reflexão sobre possibilidades e caminhos do Flamengo, na busca de hegemonia no futebol brasileiro.

Por isto, optei por adiar o post “Torcer pelo Flamengo - Pacto com a felicidade - Parte 2”, com as letras de mais duas músicas em que falo da felicidade de sermos rubro-negros.

O conteúdo desta coluna foi desenvolvido antes que a crise deflagrada pelo coronavírus impusesse a suspensão de campeonatos e trouxesse interrogações ao cenário que se afigurava muito promissor para o Flamengo.

Optei por manter seu teor, fazendo apenas alguns ajustes e complementações, por acreditar que a análise feita não perde sua validade, mesmo em face das incertezas surgidas.

Surgiram, sim, novos desafios ainda não totalmente definidos, mas é razoável esperarmos que, passada a fase crítica atual, o Flamengo preserve forças suficientes para tentar retomar a construção do ciclo vitorioso que vivia e que foi abruptamente interrompido.

Meu propósito é, em continuidade aos posts recentes, tentar olhar para o futuro a partir de uma breve reflexão sobre ciclos vitoriosos vividos por alguns clubes e, em particular, pelo Flamengo.


A mudança é uma porta que só abre por dentro

Esta frase sobre mudança não é minha.

Fui apresentado a ela por Balbino Neto, o sapateiro poeta que tem uma lojinha perto da minha casa, no Rio de Janeiro.

Ela me veio à mente quando pensei em refletir sobre dois ciclos de transformação vividos pelo Flamengo, um com início por volta de 1977, sob a liderança de Marcio Braga e outro, iniciado em 2013, na primeira gestão de Eduardo Bandeira de Mello.

Ambos tiveram a característica de serem orgânicos, promovidos “nas entranhas” do clube.

Em ambos, a porta da mudança do Flamengo foi aberta por dentro.


Ciclos vitoriosos e suas características

Vários clubes brasileiros já passaram por ciclos vitoriosos, mas poucos viveram esses ciclos a partir de mudanças orgânicas.

Sem pretender esgotar a lista nem aprofundar-me, examino aqui algumas características desses ciclos e as “conjunções de astros” que levaram aos resultados positivos conseguidos por essas agremiações vitoriosas.

Alguns ciclos tiveram como suporte a presença de um patrocinador forte, como foram o Palmeiras (Parmalat e Crefisa), o Vasco (atacadistas da Rua do Acre, nas décadas de 1940 e 1950, e Bank of America) e o Fluminense (Unimed).

Esses patrocinadores e mecenas possibilitaram a formação de elencos fortes sob a liderança de técnicos vencedores em suas épocas.

Um ciclo resultou de uma circunstância extraordinária, a presença de Pelé no Santos.

Alguns clubes valeram-se de dopings financeiros, através de endividamentos irresponsáveis que acabaram onde tinham que acabar: em crises graves das instituições.

Não se pode excluir, também, a ocorrência da união das variáveis “patrocinadores fortes” e “gestões irresponsáveis”.

Por conta dessa união, houve clubes que saíram de ciclos vitoriosos para viverem crises e, até, rebaixamentos.

Por fim, alguns promoveram gestões responsáveis e colheram, no campo, os resultados dessa conduta.


A primeira grande mudança vivida pelo Flamengo – O ciclo 1978-1983

Como é comum acontecer nas grandes transformações, as duas mudanças orgânicas vividas pelo Flamengo resultaram de catarses de grupos de pessoas que, inconformadas com situações ruins vividas pelo Mais Querido, uniram suas forças, participaram da disputa eleitoral e, uma vez eleitas, partiram para o saneamento das finanças do clube e para a adoção de boas práticas de governança.

Em 1977, enquanto a corrente política liderada por Marcio Braga promovia mudanças de gestão e de atitude, um grupo de jogadores talentosos, formado nas categorias de base do clube, havia chegado ao time principal e ensaiava seus primeiros passos naquilo que viria a ser um período hegemônico no futebol brasileiro.

Claudio Coutinho chegou pouco depois, em 1978, deu ao time um padrão de jogo diferenciado e as conquistas começaram a acontecer.

O Flamengo ganhou, sob o comando de Coutinho, um tricampeonato estadual (na época, uma competição de bom nível esportivo), dois troféus Ramón de Carranza (1979 e 1980) e o campeonato brasileiro de 1980, o primeiro da história do clube, além de muitas outras taças.

Na esteira desse sucesso, com a mesma base de elenco vencedor e sob o comando de Paulo César Carpegiani, o Flamengo conquistou, em 1981, o campeonato estadual, a Libertadores da América e o Mundial (Copa Intercontinental de Clubes) e, em 1982, seu segundo campeonato brasileiro.

No fim desse ciclo, o Flamengo ganhou, comandado por Carlos Alberto Torres, o campeonato brasileiro de 1983, despedindo-se de Zico que, terminada a competição nacional, deixou o clube para ir jogar na Itália.

É importante destacar a “conjunção de astros” que levou à reunião, num mesmo lugar e num mesmo momento, de um grupo gestor competente, de um técnico muito qualificado (Claudio Coutinho) e de um elenco de jogadores talentosos e comprometidos com o propósito de fazerem daquele Flamengo um time vencedor (a geração Zico).

Essa conjunção sempre acontece para que um time se destaque de seus adversários durante algum tempo.

Foi assim com o Santos de Pelé, com o Palmeiras da era Parmalat, com o Vasco do Bank of America, com o Fluminense da Unimed, com o São Paulo de Telê, Raí e companhia.

Ponto importante a considerar para esta reflexão é que, quebrada a conjunção de astros, pela falta de um ou mais de seus ingredientes, o time que dela se beneficiou perde a hegemonia temporariamente conseguida.


A segunda grande mudança vivida pelo Flamengo – O ciclo 2013 - ????

Iniciada em 2013, a administração de Eduardo Bandeira de Mello não encontrou bons elencos formados na base e, com foco absoluto no saneamento financeiro do clube, no que foi bem sucedida, promoveu uma gestão errática no futebol profissional, com dezoito trocas de técnicos em seis anos.

Aparentemente sem ter um projeto para o futebol profissional do clube, rompeu prematuramente, por divergências salariais, com o técnico Dorival Junior, que tentava dar um padrão tático ao time.

Só que, em seguida, há de ter queimado muitos recursos financeiros para passar por Jorginho, Jayme de Almeida (Interino I), Mano Menezes, Jayme de Almeida (Interino II), Ney Franco, Vanderlei Luxemburgo, Deivid (interino), Jayme de Almeida (Interino III), Muricy Ramalho, Zé Ricardo, Jayme de Almeida (Interino IV), Reinaldo Rueda, Paulo César Carpegiani, Maurício Barbieri e por fim, pasmem, Dorival Júnior, aquele que, no início do ciclo EBM, havia sido rejeitado por divergências salariais.

Sem ter conseguido promover uma conjunção de astros vencedora, Bandeira deixou o clube com apenas um título nacional, a Copa do Brasil de 2013, e com um campeonato estadual, o de 2017.

Nova catarse e uma ruptura política levaram à eleição de Rodolfo Landim, no fim de 2018.

A gestão iniciada em 2019 enfrentou, logo em seu começo, a tragédia do Ninho do Urubu, marca que ficará para sempre na nossa história e que ainda exigirá muito dos gestores do clube, para que a situação das famílias seja resolvida de forma tal que, pelo menos no aspecto econômico, possamos encerrar esse drama, já que a perda das vidas dos meninos é irreparável.

No futebol, foram feitas as primeiras contratações de grandes jogadores, mas o trabalho do técnico Abel Braga, vitorioso no passado em outros clubes, não convenceu a torcida e os dirigentes do Flamengo.

Sentindo-se sem sustentação, Abel deixou o clube em maio, o que possibilitou que o Flamengo contratasse o treinador português Jorge Jesus, nosso já consagrado Mister.

Em paralelo com a chegada de Jorge Jesus e de sua comissão técnica, os gestores do futebol e das finanças do clube empreenderam excelente investida no mercado e conseguiram completar a formação de um elenco titular de alto nível.

Deu-se, assim, a “conjunção de astros” que, em 2019 e no primeiro trimestre de 2020, fez do Flamengo a sensação do futebol brasileiro, credenciando-o a ser um sério competidor dos principais clubes da América do Sul, na busca pelas taças do continente.

Reparem que, tanto quanto na gestão EBM e diferentemente da gestão Marcio Braga, Landim e sua equipe não contaram com um elenco vindo da base capaz de, por meio de sua participação direta no time principal, levar o Flamengo a grandes conquistas.

São outros tempos.

O Flamengo voltou a formar bons jogadores na base, mas eles têm servido, principalmente, para fortalecer o caixa do clube.

Com os recursos gerados por suas vendas para clubes europeus, o Flamengo tem podido investir na contratação de grandes jogadores e, assim, promover e sustentar a conjunção de astros potencialmente capaz de viabilizar, neste e nos próximos anos, um ciclo vitorioso na história do Mais Querido.

Nesse sentido, novo passo foi dado na janela de janeiro de 2020, quando chegaram ao Flamengo importantes reforços, aptos a contribuírem para que o atual ciclo vitorioso se consolide e se prolongue.


Que futuro o Flamengo pode ter?

Como eu disse, meu interesse é, a partir da reflexão sobre seus ciclos vitoriosos, tentar enxergar que futuro o Flamengo pode ter.

Entendo que, ao abrir por dentro a porta da mudança, o Flamengo descobriu a fórmula que pode torná-lo um clube hegemônico no Brasil e, oxalá, no continente.

A fórmula é sempre investir na saúde financeira do clube, como foi feito a partir da gestão Bandeira de Mello e, com base nessa sustentação orgânica, promover, renovar e, tanto quanto possível, fortalecer a conjunção de astros composta por dirigentes competentes, elencos de alto nível e técnicos qualificados e vencedores.

Só que o Flamengo tem, além disso, um grande diferencial: a Nação Rubro-Negra.

Se é certo que ela, sozinha, não garante o sucesso do time, como exaustivamente demonstrado nos períodos ruins vividos pelo Flamengo, também é seguro afirmar que, quando estimulada pela saúde orgânica do clube e pela conjunção de astros vencedora, ela forma um tripé muito difícil de copiar.

O ciclo esportivo vitorioso iniciado em 2019 tem deixado claro que, quando as coisas são bem conduzidas no clube e no departamento de futebol, a Nação Rubro-Negra é nosso maior patrocinador.

Se o clube for bem gerido e formar grandes times, nossa torcida sempre lhe dará sustentação, para que os ciclos vitoriosos sejam longos e para que o clube nunca mais precise passar por penúria financeira e por indigência futebolística, como em tempos passados que, espero, nunca voltem.

É inegável que o quadro de incertezas gerado pela pandemia do coronavírus torna maiores os desafios de sobrevivência e de evolução dos clubes de futebol em todo o mundo e que o Flamengo não está imune às dificuldades que, inclusive, já chegaram à Gávea.

Mesmo assim, considerando a conjunção de astros hoje presente no clube e a perspectiva de sua continuidade, meu olhar para o futuro sonha – e pode sonhar – com o Flamengo sempre vencedor, num patamar muito alto.


Há como não quebrar-se a conjunção de astros?

Este é maior desafio ao longo dos tempos e não é fácil produzir uma resposta infalível para esta questão, porque sempre é possível ocorrer a falta de algum dos ingredientes da fórmula vencedora.

Nos parágrafos finais do post de ontem, o Gustavo transitou por este tema, seja destacando a importância de Jorge Jesus para a afirmação de curto prazo que o Flamengo pode conseguir, seja admitindo que o clube poderá sofrer turbulências em seu voo de longo prazo.

Refletindo sobre o percurso feito pelo Flamengo a partir de 2013, parece inegável que a fonte geradora da conjunção de astros vencedora é a combinação de boa gestão administrativa e financeira com grande competência na gestão do futebol.

Afinal, o Flamengo contou, nos mandatos de Bandeira de Mello, com gestões voltadas para o saneamento financeiro do clube, mas, por falta de uma gestão competente e vencedora no futebol, continuou patinando nas suas tentativas de bom posicionamento nos cenários nacional e sul-americano.

Com a chegada da equipe gestora liderada por Landim, aliaram-se as duas competências requeridas e, depois de alguns erros iniciais, os resultados começaram a chegar.

É claro que, como destacou o Gustavo, o treinador Jorge Jesus é um ponto fora da curva, pela capacidade que demonstrou de levar um time de futebol a níveis de desempenho muito diferenciados.

Ainda assim, se o Flamengo mantiver, ao longo dos anos, os pilares que dão sustentação à fonte geradora das conjunções de astros vencedoras, a saber, a saúde administrativa e financeira e a competência na gestão do futebol, contará, também, com a extraordinária força da Nação Rubro-Negra e certamente poderá montar equipes fortes lideradas por técnicos qualificados, para manter-se no topo do futebol do país e do continente, com direito a sonhar (por que não?) em fazer parte da elite do futebol mundial.


Vídeos das músicas divulgadas em 12/05/20

Já que promessa é dívida, apresento aqui os links das duas músicas cujas letras eu divulguei no post de 12/05 (Torcer pelo Flamengo - Pacto com a felicidade - Parte 1).


O instrumentista é o Abelardo, meu primo e grande rubro-negro.







Em junho, quando da postagem de “Torcer pelo Flamengo - Pacto com a felicidade - Parte 2”, pretendo divulgar mais duas letras e os vídeos correspondentes. Vou tentar caprichar mais nas interpretações.



Saudações Rubro-Negras.