segunda-feira, 3 de abril de 2023

A Difícil Escolha de Um Treinador

 

Salve, Buteco! O título do texto é propositalmente dúbio, pois serve tanto para a escolha de um treinador pela Diretoria de um clube de futebol, como também para escolhas em geral de um treinador trabalhando para o mesmo clube. 

Vou começar pela Diretoria.

O faturamento do Flamengo, recentemente divulgado com os valores de €$ 192 milhões, o equivalente a cerca de R$ 1.050.240.000,00 (um bilhão, cinquenta milhões e duzentos e quarenta mil reais), alcança cifras que já competem com clubes de menor investimento da Premier League inglesa e de investimento médio da La Liga espanhola, por exemplo. Mais do que isso, o clube conseguiu a façanha de arrecadar mais do que a Confederação Brasileira de Futebol - CBF. Não é exagero afirmar, portanto, que o Flamengo hoje consegue competir com os clubes de investimento mediano na Europa.

Qualquer torcedor de outro clube dirá que é uma situação bastante cômoda, mas ainda que se concorde que é muito melhor do que arrecadar (bem) menos, é fácil perceber que o patamar de faturamento traz desafios de igual complexidade, como, por exemplo, o de contratar um treinador por longo período de tempo.

Deixando de lado, por um momento, o histórico do Flamengo de triturar treinadores e substituí-los ao menos uma vez por ano, quando não a cada 3 ou 4 meses, não é difícil perceber que, mesmo que não existisse essa realidade, não deixaria de ser difícil convencer um treinador do patamar dos clubes de médio investimento na Europa a ficar no Brasil por longo período de tempo. 

Percebam que o sucesso no Flamengo - por exemplo, jogando de igual para igual com um histórico Liverpool na final do Mundial de Clubes - naturalmente abre portas no Velho Mundo. 

Por que, então, ficar no Brasil?

Portanto, nos anos de sucesso, nos quais conseguir não trocar o treinador, o Flamengo sempre correrá o risco de perdê-lo no meio do ano para um clube europeu, como foi o caso de Jorge Jesus e o Benfica.

Nem por isso acho justificável a naturalidade com a qual a Diretoria trata o tema das trocas, como mostra o recente fio publicado no Twitter por um membro do Conselho de Futebol:

TREINADORES

Erros e acertos fazem parte de qualquer processo. No futebol, onde o imponderável tem papel maior que em qualquer outro esporte, não é diferente. No Flamengo mais ainda. Algumas escolhas não deram certo e, tão importante quanto não errar, é não ter compromisso com o erro e corrigir o rumo.

JJ conseguiu seus resultados após mudarmos, mesmo sendo campeões cariocas; Ceni foi campeão carioca, da Supercopa e brasileiro; Renato chegou na final da Libertadores (lembrando que o clube só chegou 4 vezes na final dessa competição, sendo 3 delas nessa gestão); Dorival ganhou a CB e Libertadores; e o VP tem todo nosso apoio e respaldo pra fazer seu trabalho e conquistarmos nossos objetivos.

Sobre multas, são um mecanismo de proteção contratual para ambas as partes. Quando se rompe um contrato, há multa. As multas contratuais que pagamos não representam 1% de toda a receita direta (títulos, venda e empréstimo de atletas) que o futebol trouxe pro clube. E sequer representam 0,5% de toda a receita do clube nesses 4 anos. Como falei, tão importante quanto acertar, é não ter compromisso com erro e corrigir.

Um dado curioso do Flamengo é que, desde 1980, só houve 1 único ano em que o clube permaneceu com o mesmo treinador durante toda a temporada. Foi em 2011 com o Vanderlei Luxemburgo. Sem dúvida há peculiaridades com o Flamengo. É o clube de maior pressão, qualquer fake news ganha notoriedade, politicamente complicado, se não ganhar jogando bem há insatisfação, mas com certeza essa instabilidade de treinador tem que mudar.

O maior faturamento deveria vir acompanhado de maior profissionalismo na gestão. O desafio existe, é muito difícil, mas não é invencível. Trocar de treinador ao menos uma vez por ano, por exemplo, coloca em risco investimentos em atletas, pois é comum jogadores ganharem maior espaço ou, de maneira inversa, perderem-no por simples diferença de conceitos de um treinador para outro.

Lançado por Domènec Torrent, João Gomes continuou a ser utilizado por Rogério Ceni, porém caiu no ostracismo com Renato Portaluppi, que talvez não tenha ficado no clube por um mero detalhe - a inesperada falha do meia Andreas Pereira na final da Copa Libertadores da América em 2021. Com a chegada de Paulo Sousa, o cria voltou a ganhar espaço, definitivamente conquistado com Dorival Júnior, para depois ser negociado com a Europa.

Quanto o Flamengo teria perdido em investimento se Renato Portaluppi houvesse continuado no clube?

Há também a questão da perda de padrão tático. É curioso como uma Diretoria que considera tão natural trocar de treinadores invista alto em perfis bastante conceituais, cuja implementação dos respectivos sistemas de jogo não raro requerem tempo e reforços com características compatíveis com esses mesmos sistemas de jogo.

Todavia, essa mesma Diretoria tem por filosofia reforçar o elenco na segunda janela brasileira de transferências internacionais, parcialmente correspondente com a primeira (e maior) janela europeia, porém com muito menor tempo de duração. Não é raro os reforços demorarem para chegar e, quando o fazem, serem utilizados... por outro treinador!

Quando olho para esse cenário e penso nesses três meses de trabalho do português Vítor Pereira, sinto um frio na espinha.

Planejamento, como se pode perceber, jamais foi o forte do Departamento de Futebol do Flamengo, mas esse ano resolveram "caprichar" na esculhambação. Adentramos abril e eu simplesmente não consigo assimilar a extensão das férias concedidas aos jogadores, às vésperas do Mundial de Clubes, comprometendo a pré-temporada.

Chego aqui ao complexo contexto das escolhas que Vítor Pereira precisou e ainda precisará fazer no Flamengo. Vejam bem, depois do terceiro treinador europeu e conceitual "pós-Jesus", cheguei à conclusão de que não faz o menor sentido exigir que "implemente aos poucos" qualquer mudança, já que se trata de profissionais que simplesmente não sabem jogar "à brasileira", da mesma forma que a maioria dos brasileiros não sabe jogar "à europeia".

Ocorre que o contexto da chegada de Vítor Pereira era um tanto complexo. Não tinha tempo para implementar mudanças e não se sentia à vontade para jogar "a la Dorival", pelo singelo, porém relevante detalhe de se tratar de dois seres humanos diferentes entre si. Daí a minha alusão ao Limbo neste post do final de fevereiro

O Flamengo de Vítor Pereira está no limbo. Nosso treinador português não cometeu o pecado original das férias estendidas, mas seu trabalho nasceu desse fruto e ainda não obteve a remissão, mediante o batismo perante a Nação.

O histórico e inesquecível time de Dorival não mais existe, deixando muitos tristes, porém aquele contexto desapareceu sem reversão - o próprio treinador não está mais no clube e dois jogadores "físicos" partiram, sem reposição.

O Flamengo de Vítor Pereira não é pecado nem virtude, não é razão nem emoção; não é Dorival e nem Vítor Pereira, muito menos a sua maneira; é a escalação antiga com novos conceitos, sem que tenham correta aplicação. É um Flamengo sem identidade e memória, a perfeita descrição do limbo, tão perto do inferno, quanto da elevação.

Publiquei o post antes dos dois jogos contra o Independiente Del Valle pela Recopa Sul-Americana, nos quais o Flamengo, surpreendendo zero pessoas que acompanhem o dia a dia do clube com um mínimo de atenção, foi a campo parecendo uma espécie de Morto-Vivo de Vermelho e Preto. A perda do título nas penalidades foi um doloroso castigo para a Nação Rubro-Negra, deixando o questionamento quanto ao timing do treinador, que declarou expressamente que seu trabalho começaria naquele momento, pós vice-campeonato para um inexpressivo clube equatoriano.

No Maracanã...

De lá para cá, à medida em que finalmente passou a implementar suas ideias, Mister VP vem superando o problema da falta de identidade, porém não o da falta de qualidade, pecado irremissível para um elenco como o que tem o Flamengo.

Estranhamente, vejo no nosso atual treinador português estofo para dar a volta por cima e vencer pelo clube. Não me refiro simplesmente a sair do próximo Fla-Flu com o título estadual, mas a montar um time convincente mesmo.

Contraditoriamente, quando olho para o calendário novamente sinto aquele frio na espinha. Como escrevi no post de ontem, "o treinador terá que atingir uma margem alta de acerto nas decisões, sob pena de comprometer as campanhas 'mexendo errado', como se costuma dizer no jargão do torcedor brasileiro. Espero que ontem (sábado) tenha sido o primeiro passo, pois foi a partida inaugural de uma longa maratona de jogos nos meios e finais de semana, que nenhum elenco no mundo suporta, ainda mais com tantas viagens de longo percurso, sem uma boa rodagem nas escalações."

No Corinthians, e na minha opinião, Mister VP se provou como estrategista, mas não faltam exemplos de más escolhas ou atuações infelizes no meio do caminho. O Always Ready e a altitude boliviana que me digam.

Ocorre que o exemplo Paulo Sousa ensina que, no Flamengo, um treinador pode cair mesmo estando vivo nas Copas, se a campanha no Campeonato Brasileiro for desastrosa. A sequência das próximas duas semanas me lembra as semanas que sucederam as estreias na Libertadores, contra o Sporting Cristal, e no Brasileiro, contra o Atlético/GO, na temporada/2022.

Avançando na Fase de Grupos da Libertadores e na Copa do Brasil, contra o Altos/PI, o time foi deixando pontos preciosos no Campeonato Brasileiro, até que o treinador caiu após duas derrotas - Fortaleza e Bragantino.

Para sobreviver, além de conquistar o título estadual, Mister VP terá que fazer bem melhor do que Mister Paulo. E refiro-me ao Campeonato Brasileiro, que fique bem claro. Afinal de contas, não se pode cogitar de fazer pior na Libertadores da América e na Copa do Brasil.

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Quarta-feira falarei sobre o Aucas.

A palavra está com vocês.

Boa semana e SRN a tod@s.