O
jogo está prestes a começar.

No
entanto, também não deseja imergir no tal “silêncio
ensurdecedor” de clichê. Quer se concentrar no embate, no time, no
ambiente. De certa forma, sente falta do clima do jogo, do som do
estádio, de todo o ambiente que cerca um jogo de bola. Mesmo que
periférico, semi-amistoso. “Se eu apostasse, cravaria 0-0, tá
toda cara”, pensa. Olha para o celular que vibra nervoso, mensagens
pipocando, como sói acontecer em todo dia de Flamengo. E vem o
estalo.
Com
a ajuda da Internet, vai ouvir no rádio.
“ROLOOOU
A BOOOOLA...”

“É
FALTA… PAROU, PAROU, PAROU!”
Agora
é um garoto imberbe nos seus sete, oito anos. E não é fácil viver
o Flamengo a tantos quilômetros do Rio de Janeiro. Jogos pela
televisão são raros, somente em momentos decisivos ou amistosos que
reúnam algum atrativo. A primeira vez que vê o Flamengo é na final
do Tri, contra o Vasco. Aquelas camisas rubro-negras, de uma beleza
ofuscante… O Flamengo ganha de 3-2, num jogo dramático, é
campeão. O menino crava e grava nas retinas o momento do primeiro
encontro. Outros demorarão.
Tempos
de garimpar qualquer informação. O rádio da casa é monopólio de
um zeloso e ciumento pai, que nem sempre está em casa, atuando em
plantões. Donde, qualquer coisa serve. É o caso da chamada para a
Loteria Esportiva no início do Fantástico, onde os resultados do
domingo são anunciados. Várias e várias vezes é ali que descobre
se o Flamengo ganhou ou perdeu. Se ganhou (como quase sempre
acontece), anima de ficar acordado para ver os gols mais tarde. Do
contrário, vai dormir por ali mesmo, algo frustrado.
Diferente
é quando o pai está em casa e se aboleta na poltrona, rádio em
punho, ouvindo uma transmissão de voz possante, rochosa, que troa
uma mal, ou nem disfarçada, paixão de ser rubro-negro. Que narra
ataques flamengos em galope, como uma cavalaria de herois prontos a
acossar e a se apoderar do território inimigo. São tempos áureos,
embalados a Jorge Cury. Ou a Waldir Amaral, Edson Mauro, Doalcey
Camargo.
“ANOOOTEM…
TEEEEEMPO E PLACAAAAAR NO MARACAAAAA”

Nessa
época, já se terá calado o possante Jorge Cury, vitimado por um
acidente de carro. É o tempo de Luiz Penido, Luiz Carlos Silva,
Antonio Luís, Maurício Menezes e da estrela maior, o Garotinho José
Carlos Araújo, que se destaca pelo ritmo alucinante que imprime ao
microfone, recusando-se a conceder ao ouvinte um mísero momento de
pausa. Os bem-humorados bordões e a postura de Araújo (que é
tricolor, mas sabe como poucos estimular o torcedor para quem está
narrando) transformam o jogo de futebol em um agradável monólogo,
que amplifica vitórias e mitiga (na medida do possível) reveses.
“APITE
COMIGO GALERA...”

“VOCÊ
AÍ NO VOLANTE, OBRIGADO PELA CARONA QUE ME DÁ, COM A … AO SEU
LADO”
O
jogo vai chegando ao final. O Flamengo melhora e começa a empurrar o
adversário para seu campo. As oportunidades, antes esparsas, começam
a pipocar e clarear. Súbito, um gol, estranhamente anulado pela
arbitragem. Impossível deixar de recordar Mário Vianna, “com dois
enes”, o precursor do comentarista de arbitragem, que, ao pousar os
olhos no lance, certamente troaria enfezado e empostado ao microfone:
“EEEEEERRRRROU!”. Pouco depois, Vinícius Jr recebe passe
açucarado e está para marcar, tenta um toque macio buscando um
lance cujo desfecho certamente faria as latinhas ribombarem gritos
como GOLAÇO,AÇO,AÇO, ou GOLÃO, GOLÃO, GOLÃO. Mas a chance é
perdida, e com ela qualquer perspectiva de reversão de um empate
anunciado.
Antes
do apito final, ainda se permite uma última digressão. Consolidada
a TV aberta e sua cobertura hegemônica no Brasileiro, o rádio ainda
se refugia alguns anos nos Campeonatos Estaduais. Mas o surgimento da
TV fechada e sua principal variante, o pay-per-view, desfere o mortal
e definitivo golpe. Agora, o Flamengo pela televisão deixa de ser um
luxo. Não mais é um programa aguardado por semanas. O jogo do
Flamengo vira um programa esportivo periódico, exibido uma ou duas
vezes por semana. A mais importante das atrações, mas ainda assim
um programa de TV.
O
árbitro se encaminha para o centro do campo e encerra a partida.
Flamengo e Vasco, para surpresa de ninguém, descem ao vestiário sem
propriamente lamentar um 0-0 tão desimportante quanto esperado.
Permite-se
ainda um muxoxo, uma ou outra observação mal-humorada. E desliga a
TV. Pega o celular, cala a janela do rádio. Confere as mensagens.
E
vai cuidar da vida.