Sou
catarinense.
Filho de
mãe catarinense, neto de candango, tenra infância no Rio, radicado
em Salvador.
Pai
paraibano. Do Sertão.
Patos.
Fica bem no meio da Paraíba, a meio caminho entre Pernambuco e o Rio
Grande do Norte. Terceira ou quarta maior cidade do Estado, com seus
100 mil habitantes. É um polo comercial intenso, mas há algumas
indústrias funcionando, e a agricultura, especialmente do algodão e
do feijão, possui certa expressão.
E é
quente. Muito quente. Infernalmente quente.
De
Salvador pra lá é coisa de seus 1000 km, pouco mais. De carro,
saindo com o sol acordando, chega-se ainda de dia.
Foi o que
fiz quando fui conhecer a terra natal de meu pai, por ele
ciceroneado.

“Amigo,
sabe quanto foi o jogo?”
“Foi
empate, 2 a 2. Gol no último minuto!”
“Foi
mesmo? Valeu, obrigado!”
E assim,
sem maior formalidade, descobrimos que o time da casa, o Flamengo,
empatou com o Botafogo naquela tarde, enquanto viajávamos.
O dia
irrompe cintilante, faisca em brasa na janela. Banho, café, jornal.
Página de esportes. A última folha, a área nobre da cobertura,
está dedicada ao “jogão” disputado no Engenhão na véspera,
mostrando detalhes, narrando os principais lances, gols e até
exibindo as notas dos jogadores. Na página anterior, a cobertura do
campeonato estadual local recebe maior destaque, com um pequeno
espaço destinado aos torneios de outros estados e países.
Ganhamos
a rua. Um motoboy sem capacete zumbe por perto, o colete fluorescente
mal cobrindo o pano negro e vermelho que lhe cobre o tronco. Mais
adiante o feirante, engalanado com seu trapo esfiapado, que ostenta
às costas o número 43, oferece cebolas. O jornaleiro, blusa branca
com o CRF à mostra, acena um sorridente bom-dia. O pivete, camiseta
do Imperador, ensaia chutar uns pedriscos, à guisa de bola. E assim
irmanados em cores surgem o pedestre, o ciclista, o chaveiro, o
ambulante, o office-boy...


Domingo.
Dia de clássico no José Cavalcante. As duas forças da cidade irão
se bater em partida válida pelo emocionante Paraibão. O estádio
recebe bom público, deve ter coisa de suas 3, 4 mil pessoas, a
maioria trajada em Flamengo, mas pode-se ver bom número das camisas
locais do verde Nacional e do alvirrubro Esporte. Barcelonas e
realmadris da vida também se encontram. A atmosfera é bem tranquila
e animada, os espectadores riem, contam piadas, zombam da péssima
qualidade dos jogadores. Dois nichos de Torcidas Organizadas se
alojam nos extremos das arquibancadas, tocam seus bumbos e gritam
seus cantos de ordem, sem serem importunadas. É divertido, animado.
Come-se pipoca, algodão doce para as crianças (há várias),
amendoim. Há cerveja, água.

Súbito,
troa algo. Começa como um rugido, rapidamente se alastra, qual
vagalhão. Em um átimo, todo o estádio está reverberando,
gritando, estourando em um gostoso grito. É gol.
Gol do
Flamengo. Vágner Love, diz o rádio.
* * *
Abre o
tweeter. Roda a tela do aparelho, descobre que o Ceará Sporting,
Campeão do Nordeste vai receber as faixas do Flamengo, em um
Amistoso no Ceará. Embora não torça para nenhum dos dois, sente-se
indignado. Magoado. Triste. Revoltado. Onde já se viu? Por que o
Flamengo? O que o Flamengo tem que fazer aqui no Nordeste? Aqui não
é o lugar deles. Nordeste é para os nordestinos!
E,
imbuído de rancor e ódio, começa a expelir tweets furiosos,
praguejando ofensas contra flamengos, não-nordestinos, nordestinos
“traidores” e tudo o que lhe vem à cabeça. Quer bater, xingar,
cuspir, seus dedos chegam a tremer no teclado virtual.
Depois de
desabafar, sente-se melhor. Fez a sua parte para defender a honra do
Nordeste. O Nordeste para os nordestinos. Quem não gostar, que se
mude para o Sul Maravilha.
Agora
mais calmo, levanta-se, toma um banho. Vai dar uma volta no shopping.
Relaxa ouvindo musiquinhas do Coldplay. Sente fome. Almoça um
Mc alguma coisa e um milk-shake de chocolate. O telefone toca. É a
namorada.
“Amor,
vamos ao cinema? Quero ver Star Wars.”
“Bora,
mas tem que ser na primeira sessão. Hoje tem jogo do Real Madrid na
Champions”.
“Tudo
bem. Vou levar Zezinho, ele tá doido pra assistir”
“Sussa. Tô passando aí agora.”
O rapaz
vai buscar a namorada e o sobrinho. O garoto aparece de bermuda e uma
camisa de futebol.
Do Bayern Munique.