segunda-feira, 9 de março de 2015

Sobre Artilheiros (3)

Salve, Buteco! Quero finalizar esse papo a respeito de artilheiros e finalizações, mas dentro desse tema não poderia deixar de expor a vocês o meu ponto de vista a respeito da volta do Nunes ao Flamengo, em 1980, e da saída do Cláudio Adão, além de falar sobre jogadores decisivos, e não apenas artilheiros. Para os que estão surpresos, o Nunes jogou nas categorias de base do Flamengo, por cinco anos, mas foi dispensado por não haverem o nele potencial para ser profissional de futebol. Estava longe de ser um craque, como vocês podem ver. Hoje tampouco seria considerado um craque, mas certamente seria melhor avaliado tecnicamente do que era à época. A questão é que, comparado aos craques de seu tempo, Nunes era de fato um jogador limitado. Como se isso não bastasse, Nunes sucedeu no Flamengo um centroavante que, além de ser extremamente técnico (jogava o fino, sem exagero algum), foi, na minha opinião, ao lado de Doval, o que melhor se entrosou com Zico em todos os anos que o Galinho de Quintino jogou com a camisa 10 do Mais Querido. Cláudio Adão e Reinaldo eram os jogadores que eu gostaria de ter visto na Seleção de 1982. Seriam os melhor adaptados ao estilo de jogo cadenciado e técnico daquele time. A diferença de técnica e categoria de Cláudio Adão para Nunes era abissal, mas quem merecidamente ficou para a história foi Nunes.

***

Cláudio Adão disputou sua primeira partida pelo Flamengo no final de junho de 1977. Contratado ao Santos, era uma das maiores promessas da Vila Belmiro na época, porém uma grave contusão colocou seu futuro em risco. Meu pai me contou logo após sua contratação que o Cláudio Adão do começo no Santos era um jogador do nível dos melhores que o futebol brasileiro já havia produzido, o que levou o Flamengo a apostar em sua recuperação. O Cláudio Adão que ficou depois da contusão também jogava muito, mas não era o mesmo. Ainda assim marcou, em dupla com Zico, de 1977 ao início de 1980, cerca de 204 (duzentos e quatro) gols (83 marcados por Adão e 121 por Zico), uma marca impressionante.

Era o Flamengo da "Geração Zico", que tudo conquistou nacional e internacionalmente, começando a se formar. Naquela época, lá pelos idos de 1976, lembro-me de haver perguntado ao meu pai se ele ainda torceria pelo Flamengo se o Zico saísse do time. Zico, meu primeiro e maior ídolo. A resposta me deixou sem fôlego e dividido: "ora, meu filho, eu não torço para o Zico, mas para o Flamengo". Resposta de quem já havia visto Dequinha, Rubens, Evaristo, Dida e Silva Batuta com o Manto Sagrado. Jovem, eu fiquei amedrontado por não saber como, naquela época, meu coração se comportaria.

Aquele time foi aos poucos se formando e tinha pinta de campeão brasileiro em 1979, temporada na qual Zico, então já tarimbado por uma Copa do Mundo, marcou impressionantes 65 (sessenta e cinco) gols, acompanhado por Adão, que marcou 43 (quarenta e três). Aquele Flamengo, em 82 (oitenta e dois) jogos, marcou 205 (duzentos e cinco) gols, cerca de metade assinalados pela dupla, tendo 62 (sessenta e duas) vitórias, 13 (treze) empates e 7 (sete) derrotas. Uma goleada sofrida no Maracanã para o Palmeiras do então jovem treinador Telê Santana acabou com o sonho. Até hoje me recordo daquela partida e do meu sentimento de completa desolação e perplexidade ao ver jogadores como Mococa, Jorge Mendonça e Carlos Alberto Seixas (quem?) dançando e passeando, além do completo domínio tático do Palmeiras na partida. Essa goleada foi devolvida no ano seguinte, com juros e correção monetária, por 6x2, mas já é outra história, e com 'h'. Veio 1980 e no início do ano o anúncio de que Cláudio Adão estava deixando o Flamengo. Em seu lugar, Nunes, ex-Santa Cruz e Fluminense, o Nunes da dupla "Nunes e Fumanchu", que muito sucesso fez em ambas as equipes.

Incrédulo, eu praguejei e temi pelo futuro do time.

***

Algumas pessoas comparam o Nunes ao Hernane, artilheiro do Flamengo em 2013, mas na minha modesta opinião não é uma comparação exata. Nunes, apesar de estar muito longe de ser um craque, tinha bem mais habilidade, era capaz de cair pelas pontas, fazer cruzamentos precisos, driblar em velocidade dentro e fora da área, e sabia concluir a gol tanto no jogo aéreo como com a bola no chão. Bem mais versátil que Hernane, portanto. O que Nunes e Hernane têm em comum, se é que se pode compará-los nestes termos, é que ambos eram considerados (e não sem razão) centroavantes de pouca técnica, se comparados com os melhores da posição em suas épocas, e, por que não dizer, dentro do próprio elenco no time. E ambos tiveram que conquistar a camisa e o coração da torcida protagonizando momentos inesquecíveis, no que foram bem sucedidos. Hernane tem estilo de jogo bem mais parecido com o centroavante Gaúcho, ídolo da torcida no início da década de 90 e campeão brasileiro em 1992. Igualmente desprovido de categoria, porém letal na grande área, decisivo nos momentos importantes e dono de uma alta média de gols.

Mas talvez se possa mencionar outra semelhança entre Nunes e Hernane: tal como Nunes, Hernane parece ser um típico "artilheiro das decisões". Meu ceticismo com o Nunes foi desaparecendo à medida em que ele: a) decidiu o Campeonato Brasileiro de 1980; b) decidiu importantes partidas da Libertadores em 1981; c) decidiu o Campeonato Estadual de 1981; d) decidiu o Mundial Interclubes (Copa Toyota) em 1981 e ainda e) decidiu o Campeonato Brasileiro de 1982. Eu tinha certeza absoluta e concreta, a mesma de que a noite e o dia se sucedem a cada doze horas, que no Flamengo Hernane seria apenas um reserva de Marcelo Moreno, jogador badalado e de muito maior categoria. Ledo engano.

Até hoje me vejo intrigado imaginando o que teria acontecido se Nunes não tivesse voltado para o Flamengo e se Cláudio Adão tivesse continuado. O critério técnico recomendava a manutenção de Cláudio Adão. Que bom que Nunes voltou.

***

A viagem no tempo foi bacana, mas a realidade de hoje é o ótimo Marcelo Cirino tentando se firmar como artilheiro finalizador. Por enquanto, temos gols contra adversários de menor expressividade e combatividade, contudo vejo nítida evolução e perspectivas de possa melhorar. A pergunta que fica, e a "palavra" fica com vocês, é: será que, até o Brasileiro, e sem prejuízo da contratação de outro atacante, o Marcelo Cirino conseguirá se tornar o artilheiro do qual o Flamengo precisa?

Bom dia e SRN a tod@s.