domingo, 7 de dezembro de 2014

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Essa semana, dentro do mais autêntico espírito “onde você estava quando...”, deixo um relato de torcedor, de testemunha. É interessante olhar para trás e recordar qual o contexto de títulos e conquistas de que vivemos falando. Quem quiser, fique à vontade para dividir suas experiências nos comentários. Boa leitura.

CAMPEONATO BRASILEIRO 1980
Sobre essa conquista escrevi há pouco tempo, aqui. De qualquer forma, a catarse absoluta aconteceu no primeiro gol do Nunes, depois do qual nada do que aconteceu me tirou a certeza do título. Vi o restante da partida tenso, mas absolutamente certo de que sairíamos com a taça.

TAÇA LIBERTADORES 1981
Eu costumava sentir que o Flamengo estava bem no jogo quando começava a perder gol, e isso aconteceu desde o começo. Flamengo forte, agressivo, totalmente diferente do esquema acovardado de Santiago. A coisa parecia que ia ser fácil, aí o Andrade foi expulso. Poucas vezes vi meu pai xingar tanto um jogador como fez com o Tromba naquele dia. Eu preferi sair reclamando da péssima imagem da transmissão, que caía a toda hora no início, o que, aliás, quase fez com que o primeiro gol do Zico não passasse. Comemorei muito, até porque eu já havia acompanhado a Libertadores do ano anterior (que o Inter perdeu na final) e tinha noção da importância da competição.

MUNDIAL INTERCLUBES 1981
Gelei quando soube que meu pai estaria de plantão no dia. Porque o jogo seria à meia-noite, e em casa os pimpolhos (eu incluso) eram obrigados a seguir uma férrea regra, depois das dez tevê ligada só com adulto do lado. Esperneei tanto que acabou minha mãe servindo de companhia, deve ter sido o único jogo a que assisti com ela ao lado efetivamente prestando atenção. Sabia que era ocasião de gala, fiz questão de vestir meu trapo vermelho e preto (na época era difícil achar camisa “oficial”), trajado pela última vez na derrota pro Botafogo pelo Brasileiro. Advertiram-me que daria azar, dei de ombros, superstição é coisa de botafoguense, e foi engalanado e bem vestido que vi o Flamengo alçar o topo do planeta. Rindo descontroladamente o riso de garoto feliz.

CAMPEONATO BRASILEIRO 1982
Tinha um vizinho botafoguense mala que gostava de filar a tevê lá de casa nos dias de jogos do Flamengo. Havia televisão na casa dele, mas o garoto ia lá pra secar. A gente deixava, porque invariavelmente o Mengão ganhava, e era divertido acompanhar seus resmungos pós-jogo. Não foi diferente nessa decisão com o Grêmio. O empate no Maracanã deu ao sujeito uma esperança, ele realmente parecia acreditar na derrota flamenga. Cravei, “venceremos lá”, ele riu, especialmente depois da desastrosa atuação no 0-0. Depois do gol do Nunes e da taça na prateleira, nunca mais ele foi em casa ver jogo do Flamengo.

CAMPEONATO ESTADUAL 1986
Quando Adílio fulminou de cabeça a meta de Marola e fechou a conta do tri brasileiro, nem nas minhas digressões mais depressivamente pessimistas eu imaginava que teria de aguardar três anos para ver o Flamengo erguer uma taça importante (não considerando aqui snacks como Taça Guanabara ou Taça Rio, se bem que nessa época um troféu desses tinha lá seu charme). Três anos, para alguém acostumado a ouvir semestralmente o hino na tevê, soaram como um fragmento de eternidade. E essa decisão de 86 foi particularmente sofrida. Primeiro, o Flamengo eliminado a 15 minutos do fim revertendo a coisa em uma virada fulminante. Depois, três partidas renhidas contra um Vasco que era o queridinho dos jornais por conta de seu futebol bonitinho e ofensivo. Cinco etapas de 45', as cinco terminadas em 0-0, Flamengo pendurado numa vantagem mínima de um ponto. Lembro que eu tremia de nervoso, foi uma decisão para cardíaco, porque nada se resolvia, o suspense só aumentava. Até que o gol de Bebeto, já lá pelo meio do segundo tempo do último jogo, me fez pular da poltrona. Enfim, campeão de novo. Com direito a um franguinho pra descontrair no fim.

CAMPEONATO BRASILEIRO 1987
A verdadeira decisão pra mim foi o jogo do Mineirão, a que assisti tenso, crispado, xingando, olhos desse tamanho. Foi uma gangorra, uma montanha-russa tão brutal que não dormi depois do jogo, aliás pra mim o melhor que vivi até hoje. Por sorte estava de férias, e fui cedinho relaxar na piscina do clube do bairro. A final pra mim foi uma formalidade, o Inter estava sem vários jogadores importantes e não tinha força para deter um Flamengo voando. Só o dilúvio assustou um pouco, mas o time soube fazer a vantagem no início e amarrar o resto do jogo. Eu tinha 15 anos, idade em que tudo é hiperbólico, inclusive as gozações. Lavei a alma.

COPA DO BRASIL 1990
A TVE transmitiu pra cá o primeiro jogo com o Goiás, e com isso achei que fariam o mesmo na quarta-feira. O Flamengo vivia um tempo difícil, as taças eram escassas, e com isso resolveu valorizar a competição, medida aliás acertada. Eu já estava na pilha, e fiquei muito, mas muito irritado quando vi que o jogo não seria televisionado (havia uma espécie de “rodízio”, e nas noites de quarta a grade era da TV Cultura). Um amigo me chamou prum baba, resolvi ir, para descarregar a tensão. Cheguei a tempo de acompanhar a segunda etapa pelo rádio, uma experiência aliás torturante, porque qualquer lateral se torna um lance de morte. No fim deu tudo certo e o sofrido 0-0 foi garantido. Vergonhoso foi ouvir o Gilbertinho berrando no microfone “eu não sou perdedor, eu não sou perdedor”.

CAMPEONATO ESTADUAL 1996
Havia uma espécie de sensação, algo premonitório, que o Flamengo iria dar ao gol de barriga do ano anterior uma resposta bíblica. Essa percepção me aumentou quando anunciaram o Joel, lembro que eu perturbava, “o melhor treinador com o melhor elenco, agora não vai ter nem graça. Só quero se for invicto”. Não deu outra. Moemos sistematicamente tudo o que tentou se interpor no nosso caminho. O time era bom, tinha Romário (voando, querendo ir pra Olimpíada), Sávio, Amoroso, Ronaldão, Zé Maria, Gilberto, Marques, Djair. E passou o trator. Houve um momento em que Romário chegou a colocar 26 x 9 na artilharia. O campeonato inteiro lembrou aqueles que o Zico embolsava de cacho nos anos 70. Mas nada flamengo é sem sofrimento. O último jogo foi um parto. O Vasco abatido, vinha de um empate com o Barreira em São Januário (Joel falou ANTES do jogo, “time que perde ponto pro Barreira não merece nada”), mas o Flamengo nervoso, com medo de atacar, a torcida empurrando, o time travado, fez seu pior jogo no campeonato. Mas segurou o 0-0 que bastava e ergueu a taça. No dia seguinte, recortei uma foto em que o Romário fazia “psiu”, dedos à boca, e saí disseminando a palavra do campeão. E invicto, o que não conseguia desde o dondon no Andaraí. Detalhe: no primeiro semestre inteiro, o Flamengo só perdeu UM jogo. E roubado (em Porto Alegre, pro Inter).

CAMPEONATO ESTADUAL 2000
A goleada sofrida para o Vasco na Taça Guanabara fez com que eu fosse massacrado durante semanas. Apenas respondia, sorriso de canto de boca, “o campeonato não acabou...”. Mas era um tal de coelhinho da páscoa pra cá, chocolate do Eurico pra lá (o jogo foi na Páscoa), enfim. Eis que a roda da fortuna gira e o Flamengo chega à final como favorito (o rival vivia crise interna), não desperdiçando a chance de devolver os 5-1 em duas prestações, com o bônus das embaixadinhas do Beto. Na segunda-feira, cheguei ao trabalho distribuindo bombons aos vascaínos.

CAMPEONATO ESTADUAL 2001
Em 2001 eu andava particularmente insuportável. Resolvi aporrinhar os arco-íris sistematicamente. Cismei que seria tri e comecei a espicaçar todo mundo com essa conversa. Guga tri em Roland Garros, Imperatriz tri no Carnaval, o Schumacher havia acabado de ser tri no final do ano anterior. Falava, “esse ano é de tri, não tem jeito”. Teve aquele pênalti espírita do Cássio no Fla-Flu. “São os sinais, é o tri chegando”. Enfim, a grande final foi o primeiro jogo que minha namorada à época (hoje esposa) assistiu ao meu lado, ou tentou. Desistiu com meus gritos alucinados. Foi um jogo em que eu deixei tudo nos 90 minutos, saí exaurido, morto, mas pleno. Ao final, a “merecida” comemoração. Cerveja, festa? Nada disso. Trabalho (à época eu cumpria regime de plantão). Pelo menos fui com o Manto...

COPA DOS CAMPEÕES 2001
No primeiro jogo contra o São Paulo, 5-3. Nesse dia eu estava na casa da minha “sogra”, meu apartamento estava em obras e me mudei pra lá uns dias. Só que o jogo foi à noite, a “sogra” dormia cedo, tinha sono leve e a tevê ficava ao lado do quarto. Ou seja, eu tive que gritar os gols pra dentro. Haja cara na almofada... No jogo seguinte eu estava no trabalho, em plantão. Nada de internet, redes sociais, essas coisas. Mesmo o radinho era restrito, não podia ficar ouvindo. Ganhar a Copa do Brasil de 1990 pelo rádio foi algo excruciante, mas um passeio no parque perto do que vivi dessa vez. Foi por telefone... Lá pelo meio da noite, consegui perceber um zum-zum, e logo veio a informação que o Pet havia repetido o gol de falta do tri e o jogo estava 2-1. Nos minutos finais consegui uma folguinha e comecei a telefonar para meu pai, que ia me dando as notícias. Como o São Paulo havia virado, não podia tomar mais nenhum gol. Eu nem respirava. Até o desfecho, “alô, é campeão, porra!”. Telefone nunca mais.

CAMPEONATO BRASILEIRO 2009
Há uns campeonatos que parecem seguir uma espécie de enredo perfeito. E, depois que o Flamengo arrebentou São Paulo, Palmeiras e Atlético-MG, tudo parecia estar escrito. Até as dificuldades. De forma que na última partida contra o Grêmio eu tinha uma espécie de certeza semelhante à de 1980. Podia acontecer o que fosse, a taça não nos escaparia. E isso não tem a ver com os rumores de que o Grêmio ia abrir. O interessante naquele dia foi a hora do gol de empate, a rua inteira gritando gol e o Flamengo ainda cobrando o escanteio na minha tevê. Falei “foda-se, o gol do título eu vou querer gritar”, meti no canal local (imagem bem pior) e só foi esperar. Depois, só alegria e cerveja pra dentro.

* * *


Finalizando, a experiência mais intrigante que tive nisso de decisões de campeonatos não envolveu o Flamengo, mas a seleção brasileira. Em 1994, faltando cerca de um mês para a Copa, tive um sonho muito claro e nítido, o Brasil sendo campeão depois de ganhar nos pênaltis de um time de camisa azul, e o último penal sendo chutado pra fora. Até hoje me impressiono com isso (já era o Pai Leru aparecendo...).

Boa semana a todos,