terça-feira, 29 de abril de 2014

Repensando o Futebol do Flamengo

Esta coluna foi conduzida em parceria com Jason Brazil, um amigo que fiz nas redes sociais e a quem agradeço pelas informações e considerações. Um cara com a mente arejada e uma vontade enorme de ver um Flamengo cada vez maior. Nos questionamos sobre o departamento de futebol e a condução do trabalho. Será que falta direcionamento? Será que falta planejamento e execução? Será que falta uma melhor comunicação? Estas questões são algumas das que a torcida vive se fazendo e não consegue responder, mas a principal seria: existe um modelo, um projeto em curso NO FUTEBOL do Flamengo? O foco principal está na formação, na base. O texto é grande, desculpem por sermos prolixos.

De fora, não consigo enxergar de forma clara um modelo que se apresente sustentável, que se veja no médio prazo, um projeto, como diria o velho Luxa. Que o Flamengo tem um grande problema na formação dos nossos atletas da base, todos já sabem. Que muitos criticam, idem, mas como refletir para mudar a esse panorama? Não dá para um jogador com claras deficiências técnicas, psicológicas e sem um pingo de inteligência emocional ser um atleta profissional. Falta suporte, Material (CT, Academia, dormitórios...), Metodológico, “Humano” (Educação formal, educação esportiva, preparação para o “atleta do novo tempo”, suporte mental e físico, no sentido do cuidado com o corpo como instrumento de trabalho, treinamento, inclusive dos profissionais que trabalham no clube...) e o suporte Técnico, integração e aplicação do Material e o Metodológico (gerenciamento de carreira, Intercambio dos profissionais da comissão técnica e dirigentes da base, trabalho em campo (tático e técnico), uniformidade na formação, Etc.)

A maior urgência do Flamengo é a construção completa do CT. Deve haver uma maneira de se operacionalizar esta construção, via parcerias, leis de incentivo, sei lá. Um dos caminhos foi a oficialização do patrocínio para os uniformes de treinamento. Só o Manchester United tem esse tipo de patrocinador, para tentar o financiamento da costrução do CT cedendo o direito de nome do CT é um pulo... Outro aspecto é a quantidade e a qualidade de funcionários. Vou listar alguns:
Futebol Profissional
  • Diretor-executivo, Gerente, Supervisor, assessoria, especialista em logística, especialistas em Marketing (para agilização de serviços específicos para o futebol;
  • Comissão Técnica: Treinador, auxiliares técnicos, treinador de goleiros, treinador de ataque e finalização, treinador de defesa e posicionamento, observadores técnicos (olheiros);
  • Comissão Médica: fisioterapeutas, dez médicos (cardiologista, ortopedista, dentista, nutricionista, psicólogo), dois enfermeiros, assistente social;
  • Comissão Atlética: quatro preparadores físicos, fisiologista (condição atlética e recuperação, dois), especialistas em biomecânica;
  • Comissão de Alto rendimento: dois especialistas em tecnologias (tipos de treinamento, gravação e edição de jogos e treinos, etc.), cinegrafistas, especialistas em estatística, especialistas em TI e especialistas em sistemas;
  • Atletas: no máximo 34 (três equipes + 4º goleiro);
  • Outras funções: assistentes de adaptação para atletas estrangeiros, massagistas, roupeiros, assessores de imprensa, especialista em segurança, podólogos, almoxarife;
  • Administrador do CT e ao menos 50 auxiliares administrativos e estagiários para todo o departamento de futebol;
Categorias de Base do futebol
  • Diretor-Geral, cinco assessores (um para cada equipe, sub-21, sub-18, sub16, sub14, sub12), Gerente Administrativo, Gerente Técnico, coordenador técnico geral, Coordenador do Departamento Médico da Base, gerente de logística, especialista em biomecânica para toda a base, podólogo, olheiros e especialistas de desempenho;
  • Um profissional para cada equipe: supervisor, treinador, auxiliar técnico, preparador físico, preparador de goleiros, treinador de ataque e finalização, um treinador de defesa e posicionamento, médico, enfermeiro, fisioterapeuta, fisiologista, massagista, roupeiro, segurança;
Apenas para o departamento de Futebol teria aproximadamente 250 profissionais. Penso eu, haver uma defasagem funcional no setor, mesmo que tenha exagerado um pouco, algumas funções que descrevi ainda não existem no clube. Não incluí alguns serviços extras terceirizáveis como escola, alimentação, limpeza, hotelaria, entre outras; para quando o Ninho do Urubu estiver completamente pronto e em funcionamento pleno, e, posso ter esquecido em algumas.

Sobre a formação, a educação é um item fundamental, sob todos os aspectos de ensino-aprendizagem de um profissional de futebol. A estruturação do departamento de futebol deve se dar de baixo para cima, no médio prazo. Na construção de uma diretriz para a formação a interdisciplinaridade é fundamental. A utilização conceitos de outras ciências, esportes, aplicados em uma outra ciência ou esporte é uma ferramenta já utilizada no próprio futebol moderno.

Estudar é importante para a gestão da carreira dos atletas do futebol, de suas famílias e traz tranquilidade e consciência para a execução de seus papeis dentro e fora do campo. Jogar futebol nunca foi e nunca será apenas jogar bola. A questão da intelectualidade do atleta afeta a inteligência esportiva e emocional, inclusive no caso dos gênios, craques, mesmo que analfabetos. O assunto é muito pouco discutido no Brasil, mas a educação dos atletas do futebol (no caso falta) tem resultado direto no campo. Quando um jogador é intelectualmente acima da média ainda fica marginalizado no Brasil das panelinhas, vira o "polêmico", controverso. 

Estudos em sala
É fundamental para os atletas do presente e do futuro, para o ser humano. Defendemos que os atletas em formação, até os profissionais, além de treinar no campo, também estudem o futebol em sala de aula, desde que o clube dê oportunidades para tal. Algumas disciplinas deveriam ser estimuladas para aprendizagem além da forma tradicional, ajudando e muito a formação pessoal e profissional do cidadão, atleta, individuo:
  • Formações táticas e suas aplicações - Como se posicionar dentro de um jogo, se postar em determinada formação, jogar como lateral, atacante fixo, falso nove, mostrar como cada função deve ser desempenhada em cada tipo de formação e mostrar com vídeos e demonstrar na prática. Com isso, além de se aprender, ele passa a entender a essência do que lhe é ensinado. Correr certo, se movimentar adequadamente...
  • História do clube - O jogador tem que conhecer o clube em que joga. Além fomentar a paixão pelo clube, isso daria uma base cultural, essencial na identificação deste dentro da instituição, no respeito pela instituição Flamengo na defesa de nossas cores.
  • Media Training - Como se portar perante a mídia, o jogador tem que saber se expressar. Falar de forma correta, desinibida e sem clichês, na medida do possível. Com esse treinamento ajudaria a comunicação dos jogadores em entrevistas coletivas, de campo, no jogo. O mais importante é que não se tire a personalidade do atleta, apenas o ensine a se comunicar direito, sem se prejudicar e prejudicar ao clube e a parceiros.
  • Gestão financeira - Durante a carreira, inclusive na base, os jogadores ao renovar seus contratos, tem aumento nos seus vencimentos. A maioria absoluta não sabe como e onde gastar o fruto de seus esforços, o faz desnecessariamente. É preciso que os atletas saibam como gerir seu dinheiro. A carreira é curta. Pode ser extensível para as famílias dos atletas de base.
  • Gestão de carreira - O jogador hoje não pode se preocupar somente em jogar bola, há muitos fatores envolvidos. É preciso que o jogador tenha um gerenciamento de sua carreira, assim como a financeira já citada. É interessante que a família esteja inclusa nesta parte e o departamento de futebol seja atuante neste sentido. O atleta sempre será grato por esse cuidado. 
  • Regras do futebol e competições - Muito jogador não conhece as regras do jogo. Toda e qualquer competição tem instruções específicas sobre as condutas que serão ou não toleradas dentro de campo. Vídeos e palestras das federações que regem o futebol deve ser uma constante para que não ocorram erros bobos dentro de campo.
  • Incentivo do desenvolvimento cognitivo - O jogador inteligente tem muito mais capacidade de criar e executar jogadas com sucesso. Espaço para fluidez de inteligência esportiva, criatividade. O desenvolvimento da capacidade de pensar do atleta, ajudar na “leitura de jogo”, treinamento e competição, etc.
  • Intercâmbio dos profissionais da comissão técnica e dirigentes da base - O conhecimento deve ser buscado constantemente. O mundo do futebol está em evolução. Treinadores, preparadores e dirigentes fariam uma espécie de intercâmbio nos maiores clubes do mundo, com isso adaptariam as virtudes de cada um a nossa realidade.
Algumas questões perpassam pelo trabalho de sala de aula, sem que se prescinda da teoria, da técnica e da habilidade nata, como a análise do desempenho e das habilidades, o trabalho técnico, o trabalho físico e o trabalho psicológico, inclusive com a família do jogador, já que se trata de Flamengo, uma camisa que “enverga varal”, para o bem e para o mal. Inclusive com todos estes aspectos está o trabalho tático, dentro e fora do campo:
  • Trabalho físico - Futebol hoje é baseado em força, resistência, velocidade, entre outros atributos. Um jogador tem que ter vitalidade, massa muscular, com isso não pode perder mobilidade e habilidade, que pode ser trabalhada com trabalho de suplementação diferenciada para cada atleta, com programas de musculação únicos. Cada atleta tem características particulares. É preciso que o trabalho seja individual, e parece que já vem sendo executado, só não sabemos como. Com tantos atacantes sem força pra chutar depois de um pique (Rafinha, Negueba, Jean...), se faz fundamental.
  • Análise de desempenho - Já existe, mas deve ser aprofundada. O Flamengo deveria buscar diversos profissionais para a formação, principalmente, para selecionar os melhores, prepará-los. Uma planilha de estudos sobre cada atleta, com percentual de acertos/erros, frequência, qualidades, defeitos, projeções. Acredito que a comissão de cada categoria, com habilidades e deficiências como controle de pontos fortes e fracos e do potencial, e daquilo que o clube deseja para aquele jogador. Vemos os atletas da base como diamantes brutos a serem lapidados, onde quem lapida escolhe seu formato, tamanho. Na base não é diferente, ali a comissão escolhe se aquele cara pode ser um 10, lateral, volante, cobrador de bolas paradas... para se saber onde o garoto pode chegar. São fundamentais para o aprimoramento dos talentos.
  • Trabalho psicológico - A carreira de um jogador de futebol pode levar um garoto da pobreza à riqueza rapidamente, do anonimato ao estrelato em um jogo, e isso é algo que pode abalar um garoto e com isso ele não render nem perto do que poderia. Pelo fato de jogar no Flamengo podem se achar superiores e invencíveis, assim se acomodam, não evoluem, não crescem como profissionais. É preciso um trabalho psicológico para manter o foco no trabalho.
  • Trabalho técnico - É de doer os olhos assistir a um jogo da base (profissional também) e ver a quantidade de passes errados... Lançamentos equivocados, chutes despretensiosos, erros ao dominar a bola, enfim, há uma defasagem técnica nos atletas da nossa base. Há sempre a defesa do “mas eles estão aprendendo, não podemos ser rigorosos”. Esse argumento cai por terra quando passam-se os anos e sobem ao time profissional com as mesmas falhas.
    Os profissionais da base devem ser extremamente qualificados e cuidadosos. A exigência deve ir no sentido da eficiência técnica e na preparação mental, pois fisicamente dá para preparar qualquer atleta. Não é fácil jogar no Flamengo. Tudo determinado, planejado e executado dentro de uma diretriz específica dada pela diretoria.
    Profissionais necessários inclusive para uma padronização da formação e aperfeiçoamento da mesma. Se possível na maturação e a preparação técnica por uma equipe Sub-23, onde se daria o aproveitamento de atletas que sobem e os que vem de clubes de menor investimento.
  • Definição de estratégia e tática específicas e suas variações para adoção em todas as categorias - A integração entre as categorias de base e os profissionais é fundamental para a percepção da evolução de cada atleta, dentro de uma lógica e suprindo as necessidades do elenco profissional. As formações táticas e suas variações seriam treinadas em todas as categorias. É importante a uniformidade, porque o jogador treinado desde cedo a jogar de uma forma reproduzirá seu papel tático dentro de um padrão sem sobressaltos.
    Os treinos técnicos, desde a primeira categoria até os juniores, formarão o caráter dentro de uma cultura de muita cobrança e seu aprendizado não será apenas de como tocar, dominar, lançar, chutar, cabecear, marcar... Até porque o “estilo Flamengo” é sempre ofensivo. Essa é nossa marca, mas devem aprender que futebol é um esporte coletivo e “psicológico”.
  • Trabalho tático - O jogador tem que saber o que fazer em campo, até onde pode ir, onde não pode. Há certa irresponsabilidade em alguns casos. Devem saber que sua posição, até onde podem ir. Um volante não deve sair despreocupadamente e deixar a zaga desprotegida irresponsavelmente. Um zagueiro idem.
    Disciplina e treinamento são fundamentais. Aqui a palavra chave é CONDICIONAMENTO. O futebol jogado deve ser baseado em algumas regras e práticas, sem esquecer de toda uma cultura futebolística (hoje não se formam meias). 
    Defesa forte, transição calma, não lenta, com objetivo de manutenção da posse de bola até que se ache uma brecha nos segundos finais para não dar chance para o adversário atacar. É uma das variáveis.
    A questão principal é como se defende e como se ataca. Aqui a defesa não tem o intuito da obtenção da bola, sim defender por defender apenas, digo melhor defender somente para não levar gols, nunca para ficar com a bola. Atualmente é 
    necessário uma defesa “ofensiva”, forte, para que além de pegar o adversário em situação desconfortável, objetive ficar com a posse e desgastar-se menos, correndo menos, com um melhor posicionamento em campo.
    Há grande dificuldade de se implementar no Brasil pela dificuldade do jogador brasileiro entender, e respeitar, pois o jogador brasileiro é tradicionalmente indisciplinado taticamente, e penso, pouco inteligente também. Falo em inteligência esportiva, principalmente.
Relacionando diretamente ao profissional é importantíssimo uma defesa (sistema) qualificada, "ofensiva" com jogadores rápidos e habilidosos, o fundamento passe preciso, armadores disciplinados taticamente, que pensem o jogo com companheiros que lhes deem opções de passe e atacantes moveis. Este é um problema do futebol brasileiro como um todo, não é comum este tipo de prática. Será necessária uma mudança da mentalidade na formação dos atletas, para melhorarmos o nível do futebol do Flamengo.

O Exemplo Uruguaio: integração
A federação de futebol no Uruguai fez um trabalho de base, na accepção do termo. Tudo mudou na formação dos atletas. Foi construída uma escola nos arredores do Estádio Centenário e a formação dos atletas não se restringiu apenas ao “campo e bola”. A participação do “jogador” estava então ligada diretamente ao seu desempenho na escola. Muitos foram “cortados” do programa. Este tipo de iniciativa não significa que todos serão “cordeirinhos”. O maior exemplo disso é Luís Suarez. Ótimo jogador, preparado profissionalmente, jogou na Holanda e joga no Liverpool (freguês nosso), mas de conceitos morais discutíveis. Tem a ver com educação, não com índole. Apenas preparo. 

Quase 100% do trabalho foi executado pelo maestro Oscar Tabarez, o treinador da seleção nacional, que montou a base para um trabalho com frutos fora de campo. Tabarez foi uma de minhas “indicações” para o comando técnico do futebol do Flamengo, pode ser na base. Seria ótimo contar com sua experiência para formatar um modelo de formação no futebol do Flamengo, comandando as categorias de base, dentro e fora de campo, numa melhor integração com profissional e melhor prospecção de atletas.

Tabarez tem todas as condições para assumir o trabalho (profissionais e base) como um todo ou parte dele, apenas montando o setor. Caso não deseje se envolver no futebol do Flamengo, valeria uma consultoria e um trabalho por período. Seria utilíssimo, de extrema importância para a construção de uma escola e estilo rubro-negro de jogar futebol, um retorno efetivo do “craque o Flamengo faz em casa”. Este diálogo abre espaço para a academia formal dentro do clube, em setores amplos: técnico, atlético, clinico, operacional, ensino/aprendizagem, institucional. Uma escola própria elevaria o nível de preparação de todo o clube a um outro nível de entendimento sobre o futebol (esportivo), as relações entre os atletas e seu papel social, torcida e imprensa, e sobre a vida além do esporte. 

Um motivo de integração entre os atletas do clube, criaria conforto, educação e uma identidade flamenga em todos os sentidos. A educação é a chave para um bom futuro dentro do futebol do Flamengo e deve ser um artigo de primeira grandeza. No passado existiu uma parceria educacional, onde os atletas do clube estudavam em regime “diferenciado”, não sei se a parceria ainda existe, mas acho que o ideal seria o clube ter sua própria escola, um ambiente adequado pelo clube, moldado para as suas necessidades, pois os atletas viajam bastante.

Logicamente, os grandes clubes do Brasil tem problemas financeiros, mas no médio e no longo prazo um profissional melhor preparado daria mais frutos e retorno desse INVESTIMENTO. Nem todos esses atletas se fixam no futebol, mas podem ser profissionais mais bem preparados, e inclusive, poderiam trabalhar no clube em qualquer outra função, desde que preparados para isso. Tenho quase certeza de que 90% de tudo o que disse serve para o futebol profissional e atletas como um todo. Será que o Flamengo planeja isso? Espero que sim, torço pra que sim.

Esportivamente uma melhor educação trará jogadores com decisões mais rápidas, melhor coordenação e não impede que prevaleça o talento natural de cada um. Uma outra vantagem seria a integração de diversas modalidades dentro desta escola, trazendo um cuidado do clube com todos, comprometimento do clube e dos atletas com o clube, uma identidade rubro-negra, raízes.