sexta-feira, 1 de março de 2013

Prejuízo


Para o jogo deste domingo, Flamengo e Botafogo, em comum acordo, decidiram elevar ainda mais o preço dos ingressos chegando aos absurdos valores de 60 reais para os setores atrás dos gols e 80 para as laterais. Como justificativas, as velhas ladainhas de aumento dos custos dos jogos e da necessidade de os clubes não pagarem para jogar. Só é complicado compreender como um clube que tem em sua torcida metade da população da cidade consegue ter prejuízo no campeonato do qual é o maior vencedor.

Nosso vice-presidente de marketing assumiu a responsabilidade pela autoria da mudança em entrevista recente, explicando que o Flamengo vem tendo prejuízos seguidamente no campeonato carioca, que todos sabem é deficitário. Para entendermos exatamente do que ele está falando vamos olhar o que dizem os borderôs publicados no site da FFERJ relativos ao campeonato do ano passado, que permitem uma avaliação global do desempenho do Mais Querido e de sua torcida.

O Flamengo disputou 17 partidas no campeonato de 2012, incluindo as semi-finais em que foi eliminado. Em 9 delas, o Flamengo levou prejuízo, sendo 4 no Engenhão e 5 em Macaé. As outras 8 foram os cinco clássicos e 3 jogos contra pequenos, sendo dois em Volta Redonda e um em Macaé. Tivemos média de público pagante de 6680 torcedores e um ticket médio de R$23,70. Nestas partidas, em média, 28,7% do público fez uso de gratuidades e 56% do benefício da meia entrada. Em nossos jogos, os estádios tiveram uma ocupação média - porcentagem de ingressos vendidos em relação aos colocados a venda - de apenas 55,3%. Vale lembrar, mesmo que não valha a pena, que no ano passado o Flamengo jogava também a Libertadores e tinha no elenco um ex-centro-avante da seleção brasileira.

Olhando os números, os argumentos de que o Flamengo precisa aumentar o preço dos ingressos para diminuir o prejuízo se tornam bastante discutíveis, especialmente jogando um campeonato inchado e com muitos jogos que não despertam interesse. Se a receita dos jogos é importante, o marketing precisa usar da prometida criatividade para vender melhor o produto e aumentar a taxa de ocupação dos estádios. Mesmo se consideramos apenas os clássicos, em 2012 ela não chegou a 60%. É fundamental também investir na fiscalização da meia-entrada, impedindo quem não tem direito ao benefício de lesar o clube que dizem amar. É um absurdo sequer sugerir que mais da metade dos ingressos dos jogos do Flamengo tenha sido vendida para estudantes.

Agora vamos olhar o produto que está sendo desta semana, o ingresso para um dos jogos semi-finais de um turno do campeonato carioca de 2013. A partida, como a maioria das que fazem parte do torneio não oferece grandes atrativos para o torcedor além do jogo em si. Apenas um craque estará em campo, o holandês Seedorf, já em final de carreira acompanhado de muitos outros jogadores bons, medianos e fracos que compõem dois times aplicados. E só. Definitivamente não combina com o preço cobrado.

O estádio que vai receber a partida por sua vez possui três setores distintos para cada torcida, sem contar os camarotes. Em comum, os três compartilham a enorme distância para o campo por conta da pista de atletismo. A diferença no grau de visibilidade de cada um, inclusive, permitiria um terceiro nível de preço, algo que foi deixado de lado pela diretoria.

É preciso ainda mencionar o valor agregado ao produto, aquele que não é responsabilidade do clube, mas complementa a “experiência do usuário”. Apesar de ser um estádio ainda novo e razoavelmente confortável, não existe nenhum conforto em se chegar ao Engenhão. O trem urbano é sujo, cheio e desconfortável e para quem vai de ônibus não é muito melhor. Aqueles que resolvem ir de carro e pagam absurdos 20 reais de estacionamento são brindados com filas gigantescas na saída causadas pelas ruas estreitas ao redor do estádio. Não há bons restaurantes, nem no entorno - apenas lanchonetes - nem museu, loja e nem nenhum atrativo que convide o torcedor a passar mais tempo consumindo produtos e gerando receitas diretas e indiretas para os clubes. Há apenas a venda, ilegal, de cerveja com álcool ao redor do estádio.

Aqueles que defendem o argumento da elitização do futebol como tendência na Europa, ao avaliarem a situação, perceberão que não dá pra querer cobrar preço de Europa oferecendo a qualidade de serviço que temos neste falido certame regional. Ainda assim, se a opção for pelo aumento de preços, isso só pode acontecer quando houver algum tipo de melhoria no produto oferecido, preferencialmente no valor agregado (transporte, segurança, infra-estrutura, etc). Caso contrário existe uma enorme chance de excluir os torcedores que não podem pagar sem despertar o interesse naqueles que podem mas não querem se expor a violência, filas e desconforto.

E para encerrar, é muito ruim que uma diretoria que assumiu o controle do clube com o discurso de democratizá-lo adote uma política de preços que logo de cara afasta o torcedor de baixa renda do estádio. Começar um trabalho de renovação no clube é fundamental, mas essa renovação não pode passar por cima daqueles que contribuíram para fazer do Flamengo o gigante que ele é. Isso sim é que pode causar um prejuízo irreparável no futuro do clube.

abraços a todos e
SRN!