Saudações flamengas a todos.
Hoje dou continuidade à minha
escalação do Flamengo de todos os tempos (que já conta com 1.Garcia, 2.Leandro, 3.Domingos, 4. Píndaro, 10.Zico), fechando a defesa com a
lateral-esquerda.

E, mesmo na lateral, leva a camisa 5, que lhe acabou se tornando marca registrada, seja em qual posição tenha atuado.
Boa leitura.
5 - JÚNIOR
1974.
O Flamengo está perdendo. E está sendo
eliminado.
A derrota parcial para o América de
Edu, Orlando, Flecha e Luisinho vai tirando o Flamengo do Campeonato Carioca.
Justo o campeonato que viu a afirmação de jovens como Zico e Geraldo, escorada
na experiência do goleiro Renato, do volante Zé Mário e do lateral Rodrigues
Neto e no talento e fibra do zagueiro Jaime e principalmente do goleador Doval,
o grande ídolo de uma torcida que vem vivendo dias de alento, esperança e
frustração.
No primeiro turno, a fase de ajustes
nas mãos do treinador Joubert, a alegria com algumas vitórias em clássicos, mas
o título jogado fora em tropeços como a derrota para o Madureira (1-2). No
segundo turno, os problemas no ataque, a excessiva quantidade de empates e
mesmo assim o título perdido por um ponto, após dois empates em 0-0 contra Flu
e Botafogo. Bastava um mísero gol...
No terceiro e último turno, o início
complicado, as mudanças no time, o encaixe, as melhores atuações na competição,
o título que parecia sorrir, mas que quase vai por água abaixo após uma derrota
(1-2) para o Bonsucesso. Última rodada, somente a vitória, nada mais que a
vitória contra o América, mantém o Flamengo vivo.
E o time está perdendo.

Ao Flamengo, resta pressionar,
encurralar, atacar.
Mas o América é time manhoso, enseba,
presepa, cai no chão, irrita encerando até cobrança de lateral. O tempo vai
passando e o Flamengo vai sendo mantido a distância segura da área rubra. Um simples empate e o América vai decidir em
vantagem com o Vasco, conseguir um título que não vê há catorze anos.
O Flamengo fustiga, mas é mais um
ataque perdido. Contragolpe americano. Interceptado. O garoto que tá na lateral
chega antes e corta. Fica com a bola, vai conduzindo, levando. Seus
companheiros se deslocam, tentam cavar alguma clareira no meio de uma cerrada
floresta vermelha. Enquanto isso, o jovem lateral cabeludo corre com a bola.
Curiosa a história desse garoto.
Começou no futebol aos 19, base de técnica construída nas quadras de salão,
aliada à força e vitalidade obtidas jogando nas areias de Copacabana. Família
tricolor, ia escondido com os amigos ver o Flamengo no Maracanã. Sempre quis
jogar no meio, usar a 8. Testou no Botafogo, queriam colocá-lo na lateral, não
quis ficar. Não gostou de treinar no Fluminense, foi pro América, quase fica
por lá, mas não quiseram lhe pagar a ajuda de custo. Ia desistir, mas um amigo
o indicou pro Flamengo, onde finalmente conseguiu se encontrar em sua posição. Mas
o lateral titular machucou, o treinador veio com jeito, “Você vai ter mais
chances jogando aí”, e o garoto convenceu-se não sem custo. E acabou subindo
pro profissional como lateral-direito mesmo. E já no terceiro turno, com as más
atuações do titular Humberto, foi lançado num jogo dramático contra o
Madureira, sua entrada decisiva para tirar o 0-0 que teimava em não sair do
placar. Depois uma ótima atuação contra o Vasco (3-1), e a posição enfim
conquistada.
Agora ele está com a bola e não
consegue ver ninguém livre. Tem que resolver, um zagueiro já está chegando.
Vê o goleiro cravado na linha do gol.
Pensa, vou bater daqui do meio da rua mesmo, à meia altura, pra quicar. E chuta
de looonge, enviesado, bola maliciosa e traiçoeira. Mas já obediente, desde
cedo. Quica quase em cima do goleiro Rogério, que não tem mais como reagir. A
bola simplesmente ignora o salto desesperado do arqueiro e atira-se às redes
com gosto, com gana, com amor.
O Flamengo empata a partida.
O estádio infernal comemora, pula,
canta, dança e celebra uma certeza. Se empatou, vai virar.
O domínio vira
cerco, a pressão vira sufoco, o suspense vira drama, o alívio vem em um jorro
de alegria e êxtase com o gol de Zico, já senhor das cobranças de falta mesmo
sendo pouco mais que um menino.
O Flamengo vence o terceiro e último
turno. Está nas finais.
Há certa ironia, quase crueldade, na
lógica de certos acontecimentos. E aqui estão de novo, uma semana depois,
Flamengo e América. Primeiro jogo do triangular final do campeonato.
Os times mais cautelosos, não se
expõem. América tenta impor sua técnica, o Flamengo mais aplicado e aguerrido.
Primeiro tempo se esvai, 0-0. Segunda etapa se inicia mais ou menos na mesma
toada, América tentando tomar a iniciativa, Flamengo mais cauteloso.
Contragolpe, bola com Rodrigues Neto, falta na entrada da área, adivinha quem
vai bater. Zico cobra, Rogério manda a córner, na cobrança um bate rebate e o
zagueiro Jaime faz Flamengo 1-0.

Então, a cruel e irônica lógica dos
fatos da vida irá novamente ser exposta. A isso, alguns chamam destino.
A zaga corta e lança o jovem lateral
cabeludo. Tal e qual há uma semana, ele vem com a bola, olha os companheiros,
arranca pelo flanco. Ajeita o corpo, não vê ninguém livre. E, como uma semana
atrás, vai chutar, lá de looonge mesmo. Semana passada deu certo.

Mas não há lógica capaz de desafiar o
brilho intuitivo de um craque. O garoto black-power ergue a cabeça e com a
tranquilidade dos grandes senhores, apenas aplica uma trajetória tão parabólica
quanto precisa. Ao invés do tiro melífluo, o toque cirúrgico, por cobertura. Às
gargalhadas, a bola alça seu voo e apenas contempla enluvados dedos
esticarem-se e se retorcerem num angustiado e fracassado intento de lhe desviar
o caminho. Dócil em sua alvura, a pelota sente-se descair levemente, apenas
para envolver-se suavemente no doce balanço das redes, roçando de leve, apenas
de leve, no frio metal que se dobra na quina de cima da trave.
E assim o garoto, chutando do mesmo
lugar, contra o mesmo adversário e o mesmo goleiro, marca seu segundo gol na
carreira.
Com o gol e os 2-0 no placar, o
Flamengo passa a administrar a partida e irá vencer sem maiores sustos, apesar
de um gol do América no fim e alguma pressão nos minutos derradeiros. A vitória
coloca o time em posição bastante favorável na decisão, e uma atmosfera de
grande festa e otimismo toma conta da Gávea. O jovem é ovacionado e festejado
como a solução para a lateral-direita do Flamengo, e ganha vários prêmios como
o melhor da partida. “O gol que Pelé não fez”, exageram.
* * *
Passam-se quinze anos.
Um bonito azul se ergue no ensolarado
céu às margens do Adriático, e a brisa antes refrescante já dá sinais de
tepidez, sinalizando o iminente final de mais uma primavera.
Desfrutando suas merecidas férias, o
veterano craque reclina-se em sua confortável poltrona e se dedica a degustar
com calma mais um vídeo com gols e lances de sua paixão flamenga, sempre atenciosamente
enviados pelo amigo Zico. Assiste às peripécias de jogadores bem mais limitados
do que com ele conviveram e sorve uma licorosa dose de um saboroso Marsala,
enquanto pensa que talvez já seja a hora de parar com os treinos, as viagens,
os jogos. Retornar ao Brasil e curtir sua família, seu patrimônio solidamente
erguido e sua praia, seus amigos. Mas ainda se sente capaz, pleno para atuar em
alto nível. Talvez lhe falte uma fagulha, uma motivação.
É quando de súbito uma criança entra
correndo, carrinho na mão, esbaforido, e vê o pai. “O que você tá assistindo?”,
“O Flamengo”, “Que jogo é esse?”, e o menino vai recebendo sua dose de doutrina
rubro-negra. É quando um troféu salta da tela da tevê. É mais um título
flamengo, uma volta olímpica. O menino ouve o hino, sente os gritos, se
impressiona, se arrepia.
“Paiê, quando eu vou te ver levantando
uma taça dessas?”
A pergunta lhe vai ao estômago, sutil
e devastadora como só as coisas de criança são. Quase de pronto, o velho craque
encontra sua resposta, sua faísca, a ignição para seguir adiante. Sim, é isso. Isso
fará tudo valer a pena. O craque responde qualquer coisa, beija a testa do
garoto, desliga o vídeo e se levanta apressado. Sente-se ferver, sente-se
pulsar, sente-se tomado por uma febre, um vigor que o arrepia e quase lhe priva
os sentidos.
Cinco anos depois, Júnior novamente se
sente Flamengo.
* * *
O Flamengo conquistou o Campeonato
Carioca de 1974, ao empatar com o Vasco em 0-0 na grande final. Júnior seguiu
como titular da lateral-direita até a chegada de Toninho, vindo em um troca-troca
com o Fluminense de Horta, em 1976. A partir de então, Júnior foi deslocado
para a lateral-esquerda e lá permaneceu até 1984, quando foi negociado com
oTorino, da Itália.
Nesse período, Júnior foi campeão estadual, brasileiro,
sul-americano e mundial, além de se tornar titular absoluto da seleção
brasileira e um dos melhores jogadores do país.
Em 1989, após passagem bem sucedida
pelo futebol italiano, Júnior retornou ao Flamengo, com o objetivo de atuar
mais uma temporada e encerrar a carreira. Para felicidade dos amantes do bom
futebol, Júnior (agora atuando finalmente no meio-campo) foi esticando e
adiando sua aposentadoria, e com isso ainda liderou uma jovem equipe às
conquistas de mais um Estadual e um Brasileiro. Parou de jogar em 1993 e chegou
a tentar a carreira de treinador. Hoje atua como comentarista de televisão.
Júnior é o jogador que mais vezes
atuou com a camisa do Flamengo, em nada menos que 874 partidas.