quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sócrates Brasileiro, presente!

Sócrates Brasileiro, presente!


Rodrigo Romeiro


Saudações, Caros Butequeiros Rubro-Negros. Como todos sabem, no último domingo, dia 04 de dezembro de 2011, no mesmo dia em que seu time de coração conquistava o Campeonato Brasileiro, aquele que, prá mim, foi o maior personagem da história do futebol, Sócrates Brasileiro, deixou a vida para entrar para a história. Sócrates Brasileiro é um personagem tão rico e interessante, que não dá um livro, mas sim uma enciclopédia. Como Flamenguista, obviamente, meu grande ídolo é o Zico, mas na verdade eu queria ser o Sócrates.

Doutor Sócrates começou a carreira no Botafogo de Ribeirão Preto e lá, já profissionalizado, avisava seus técnicos que conciliaria os treinos e concentrações, com as aulas e plantões na Faculdade de Medicina. Ou seja, treinava quando dava, mas jogava, e como. Dentre as muitas histórias peculiares do Doutor no Botafogo-RP, uma das que mais gosto refere-se à decisão do primeiro turno do campeonato paulista de 1977, contra o São Paulo, Campeão Brasileiro daquele ano.

O Doutor, obviamente, era o grande craque do time, mas tinha um plantão na noite anterior à decisão. O Doutor não quis usar do jeitinho para fugir do plantão, e avisou à diretoria do Bota: mandem um carro me pegar na porta do hospital, no início da manhã do domingo. O restante do time já estava concentrado fazia dias, enquanto o Doutor passava a noite em claro. Como se não bastasse, o Doutor, naquela noite, atendeu um grupo de acidentados.

Porém, na manhã seguinte, com o jaleco sujo de sangue, lá estava o Doutor, embarcando no carro enviado pelo Bota. O Doutor foi dormindo no carro, chegou em São Paulo após 4 horas de viagem, cochilou um pouco no hotel, almoçou com os companheiros, dirigiu-se ao Morumbi lotado, acabou com o jogo e fez do seu Botafogo Campeão. Assim, como quem bate uma pelada após uma noite mal dormida.

Depois do Botafogo e da Faculdade de Medicina, chegou o momento do Doutor desfilar sua genialidade e altivez em um dos grandes clubes do futebol brasileiro. Para a sorte da Fiel, lá se foi o Magrão para o Corinthians, conquistar títulos e, prá variar, fazer história. Dentro de campo foi um fora de série, sempre esbanjando categoria, precisão, inteligência e solidariedade. Magrão fazia o futebol parecer algo banal, fácil, sem qualquer necessidade de esforço; fazia o que queria com bola e nunca tocava nela sem dizer claramente qual o caminho que ela deveria seguir. Era um sábio, o Magrão.

Nesse período, Magrão, foi capitão da mais mágica Seleção Brasileira de todos os tempos, a de 1982. Em um grupo de jogadores com grande inteligência e de ótimo caráter, Magrão foi o líder de um esquadrão de craques, que jogava bonito, prá frente, sempre em busca do gol e que encantou o mundo. Como a Hungria de 1954, a Holanda de 1974, a Seleção Canarinho de 1982 não ganhou a Copa, mas, certamente, ao longo dos tempos, será muito mais reverenciada do que muitos campeões mundiais.

Fora de campo, o Doutor Magrão, se consolidou como uma das figuras mais importantes da política brasileira. Foi um dos líderes do Movimento Diretas Já, participando de comícios, campanhas e chegou a declarar, em palanque, que se a emenda Dante de Oliveira (http://pt.wikipedia.org/wiki/Diretas_J%C3%A1) fosse aprovada, não sairia do Brasil para jogar na Itália.

Coerente com o que pregava, o Doutor Magrão liderou a experiência de gestão mais interessante e revolucionária do esporte brasileiro, a Democracia Corintiana (http://pt.wikipedia.org/wiki/Democracia_Corintiana). Regime de auto-gestão em que do roupeiro ao presidente do clube todos eram chamados a opinar e a decidir. Durante mais de dois anos, contratações, investimentos, concentrações, esquema tático, absolutamente tudo, era debatido e decido de forma coletiva.

Mas a emenda Dante de Oliveira não foi aprovada, perdeu o Brasil e perdemos também, temporariamente, o Doutor Magrão. O Doutor Magrão é único, e na Itália não poderia jogar em outro clube, que não fosse a Fiorentina. Instalou-se em Florença, simplesmente o berço do renascimento, local em que vários gênios e intelectuais viveram e marcaram sua história. Lá, rapidamente, o Doutor Sócrates começou a apresentar a sua elegância em campo e a freqüentar as rodas de gênios e intelectuais, como ele. Como não poderia ser diferente, transformou-se em ídolo, e, quando da sua saída, a torcida chegou a fazer uma grande manifestação na porta do clube, pedindo sua permanência. Mas o Doutor Magrão disse que era hora de voltar ao Brasil e que dinheiro algum o faria mudar de ideia. Estava com saudades, o Nosso Brasileiro.

O Doutor Sócrates voltou e, para nossa honra, veio vestir o Manto Sagrado e jogar no nosso Mengão. No Mengão, o Doutor Sócrates teve algumas contusões, não conseguiu ter sequência, jogou poucas vezes ao lado do nosso messias, Zico, mas desfilou sua elegância, quando esteve em campo. O vídeo abaixo é sobre a volta do Zico, após o crime de lesa-pátria cometido por um zagueiro banguense, e a estréia do Doutor Sócrates, que pode ser considerado o grande jogo da dupla vestindo a camisa rubro-negra.

Depois de ser o Capitão da Seleção de 1982, jogar pelos dois maiores clubes Brasileiros, Corinthians e Flamengo, chegou a hora do Doutor Sócrates parar de jogar bola, mas estava longe, muito longe, a hora dele parar de exibir sua elegância e postura nos campos da vida. Fora dos gramados, o Doutor Sócrates passou a ser um crítico competente, inteligente e sagaz dos cartolas e do futebol brasileiro. Fosse em entrevistas, em programas de tevê, nas suas colunas e textos, o Doutor Sócrates não se eximia de emitir opinião, de criticar, de propor e de contribuir para um mundo e uma sociedade melhores. Lutou contra a corrupção, contra a mediocridade, contra a esperteza e contra a vilania no futebol e na política. Sempre pertinente, preciso e autêntico, o Doutor falava o que pensava, sem amarras e deixava clara a sua opção em lutar ao lado dos oprimidos, sem perder a serenidade, a alegria e a elegância.

Sócrates Brasileiro é o mais cerebral jogador de futebol de todos os tempos. Era pura massa cinzenta desfilando pelo tapete verde. Talvez um dos únicos esportistas que pouco precisou do físico para ser craque. Fora dos campos, foi homem de postura, íntegro, corajoso, lutou ao lado dos explorados e nunca perdeu a alegria de viver. Viveu a vida intensamente, divertiu-se, fez muitos amigos e deixou uma legião de admiradores. Nem os desafetos são capazes de dizer uma só palavra que desabone o Nosso Brasileiro Sócrates. Infelizmente, não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, mas seu legado está muito vivo em mim. Certamente, mesmo que mal e parcamente, sem qualquer traço de genialidade, todas as vezes que for escrever um pouco sobre o futebol, sobre suas mazelas e belezas, sentirei Sócrates Brasileiro, presente!