Imagem: Pedro Vilela/GettyImages |
Salve, Buteco! O assunto do final de semana, especialmente do sábado, foi a suposta e iminente saída de Gérson para o Zenit, da Rússia, clube que estaria disposto a pagar, à vista, in cash, a "bagatela" de €25M, o que, após a conversão cambial, atingiria valores bem próximos, senão R$160M. A notícia caiu como uma bomba junto à torcida rubro-negra, cuja grande maioria não esperava esse movimento por parte do jogador, capitão do Flamengo e presença constante nas convocações da Seleção Brasileira, inclusive com boa minutagem nos jogos.
Como se a surpresa já não fosse o suficiente, o cenário da relação entre clube e jogador possui diversos ângulos que o tornam bastante complexo, para além de polêmico, a começar pela redução do valor da multa rescisória, de €$200M para €25M. Por realmente fugir à prática comum às renovações contratuais, pesadas críticas foram tecidas à atuação do diretor técnico José Boto.
No ponto, porém, fico com a lapidar análise de Mauro César Pereira para o Uol:
A multa rescisória de Gerson despencou de 200 milhões de euros para 25 milhões de euros após a prorrogação contratual, com reajuste na remuneração, acertada há dois meses. Por mais estranho que pareça, a redução fez parte de uma estratégia do Flamengo.
No início de 2025, o Zenit tentou contratar o capitão rubro-negro. O blog apurou que a oferta era de 18 milhões de euros, que seriam parcelados em quatro anos, mais bônus que, em tese, poderiam elevar as cifras ao total de 24 milhões de euros.
Contudo, muitas das metas eram inatingíveis, pois vinculavam os pagamentos extras ao desempenho do time na Liga dos Campeões. Como se sabe, os clubes da Rússia não disputam competições internacionais desde que deflagrada a guerra com a Ucrânia.
Havia, ainda, na proposta, metas que gerariam bônus envolvendo título russo, eleição de Gerson para a seleção do campeonato e sua presença entre os goleadores da liga. Na prática, analisando seu perfil, que não é um artilheiro, mais 1,5 milhão de euros seriam factíveis.
O Flamengo recusou a proposta, mas o Zenit seguiu rondando o meia. Assim, o clube carioca adotou uma estratégia quando da renovação, em abril: reduziu a multa ao valor que considera bom, de maneira que os russos tenham de pagar tal cifra, à vista, para tê-lo.
No entendimento rubro-negro, aos 28 anos, com duas passagens sem muito brilho pela Europa, dificilmente ele teria proposta superior aos 25 milhões de euros e estipulados. De fato, o futebol brasileiro jamais negociou jogador dessa faixa etária por tanto dinheiro.
Fato: mesmo quatro anos mais jovem, quando foi para o Olympique de Marselha em 2021, Gerson não chegou a valer tanto. Assim, o Flamengo colocou um preço para os interessados e se recusa a negociar. Quem quiser, deverá pagar à vista, como fez o River Plate com o próprio clube carioca na venda do uruguaio De La Cruz.
E a multa de 200 milhões de euros? Ela servia para proteger o clube, dificultando a saída e obrigando o interessado a negociar. Mas quando estabelece um valor alto, mas factível, o Flamengo simplesmente anuncia que por essas cifras acha bom o negócio, topa!
Claro que o Zenit precisa convencer o atleta, mas a proposta eleva consideravelmente seus vencimentos e deve seduzi-lo. Parte da torcida não aceita a venda, mas a pergunta é: como evitar a saída se o jogador quiser ir embora e o interessado paga o que vale, ou mais?
Há um detalhe importante na redução do valor da multa. O clube adotou como estratégia não aceitar qualquer forma de negociação dos valores, nem mesmo o parcelamento, ou seja, só aceitará depósito à vista do valor integral para liberar o jogador.
Poucos são os clubes que investiriam €25M em um atleta de 28 anos, ainda mais com a necessidade de pagar o valor cheio à vista. São poucos, mas eles existem e um deles é justamente o Zenit, o que remete à famosa "vontade do jogador". Gerson quer ou não a transferência?
Seu pai, apelidado de "Atleta Marcão", é uma das figuras mais desagradáveis do meio dos empresários de futebol. Dotado de uma ganância sem limites, o genitor do nosso capitão não mede esforços e nem reconhece limites para conseguir uma nova e lucrativa negociação.
Em tese, o jogador deveria impor limites ao pai, mas será que esse é realmente o seu desejo? Parece bem conveniente posar de ídolo e ter alguém que faça o serviço sujo em seu lugar. E, a bem da verdade, reconheça-se que Gerson não é o único. Arrascaeta também adota a mesma estratégia com o seu absolutamente intragável empresário e ex-jogador Daniel Fonseca.
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A discussão sobre a redução do valor, na minha modesta opinião, é pura perda de tempo e desvio de foco. Há questões bem mais relevantes em jogo nas naturais disputas de espaço no time e no elenco. Um dos pontos mais latentes existe desde a contratação de De la Cruz.
Quem acompanha o jogador sabe que sempre foi polivalente e já desempenhou várias funções mais à frente no meio de campo, especialmente o "falso ponta", aquele meia que "corta" as jogadas da ponta para dentro, como, durante anos, Everton Ribeiro, o "Mago da Camisa 7", brilhantemente fez no time titular rubro-negro. Foi jogando nessa posição, por exemplo, que participou da mítica final da Libertadores/2019, em Lima.
Contudo, o nosso simpático, raçudo, valente e valoroso Pigmeu Charrua vinha jogando como segundo volante no River Plate de Martín Demichelis e já manifestou expressamente a preferência por essa função tática já como jogador no Flamengo, o que remete ao que, penso, deveria ser uma inevitável e saudável disputa de posição com Gerson, o qual, convenhamos, é muito melhor volante do que meia mais avançado.
Deveria, mas como estamos tratando de Clube de Regatas do Flamengo, a tradição boleira brasileira prevaleceu e, para a surpresa de zero pessoas, optou-se pelo "encaixe" dos jogadores mais importantes do time, e daí Gerson foi deslocado para a ponta, justamente naquela função que DLC já exerceu no River Plate, aquela do Everton Ribeiro na Geração 2019 e do Tita na Geração 1981.
Já ouvi de amigos que a saída de Gérson, então, seria bem-vinda, já que solucionaria de vez esse problema, até porque, nessa função de "meia/ponta direita", o Capitão Coringa não vinha enchendo os olhos de ninguém, verdade seja dita.
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Com a licença dos amigos, vou repetir um trecho grande do post Realidade, publicado no último 10 de fevereiro:
Com dados de fontes abertas na Internet (Wikipedia e Transfermarkt), pesquisei o número de jogos e os minutos em campo de cinco jogadores do Flamengo nas últimas temporadas e cheguei aos seguintes resultados, sistematizados em tabelas:
De la Cruz
Temporada
Jogos
Minutos
Clube
2017/2018
21
-
CA River Plate
2018/2019
34
-
CA River Plate
2019/2020
34
-
CA River Plate
2020
12
-
CA River Plate
2021
32
2.201
CA River Plate
2022
42
2.520
CA River Plate
2023
38
2.511
CA River Plate
2024
41
2.956
CR Flamengo
De Arrascaeta
Temporada
Jogos
Minutos
Clube
2017
43
3.014
EC Cruzeiro
2018
48
3.244
EC Cruzeiro
2019
52
3.702
CR Flamengo
2020
36
2.590
CR Flamengo
2021
47
3.530
CR Flamengo
2022
56
4.022
CR Flamengo
2023
54
3.883
CR Flamengo
2024
44
3.264
CR Flamengo
Fabrício Bruno
Temporada
Jogos
Minutos
Clube
2023
64
5.520
CR Flamengo
2024
56
4.600
CR Flamengo
Gérson
Temporada
Jogos
Minutos
Clube
2023
60
4.875
CR Flamengo
2024
57
4.464
CR Flamengo
Léo Pereira
Temporada
Jogos
Minutos
Clube
2022
39
3.053
CR Flamengo
2023
53
4.046
CR Flamengo
2024
56
4.426
CR Flamengo
As tabelas dos uruguaios abrangeram mais temporadas para a abordagem ser o mais transparente e realista possível. No caso de Nico de la Cruz, os números são gritantes e mostram de maneira muito evidente que o atleta, historicamente, tem um teto baixo de número de jogos e, principalmente, de minutos em campo por temporada.
Essa constatação se torna ainda mais cristalina quando os seus números são comparados com os do compatriota De Arrascaeta, o qual, por sua vez, tem números claramente maiores do que os de Nico, porém menores do que os das maiores referências - Fabrício Bruno e Gérson.
O caso de Arrascaeta é intrigante porque, nas últimas temporadas, a minutagem vem aumentando e o rendimento caindo, ao lado de vários afastamentos por contusão. É inevitável questionar os critérios de utilização do uruguaio, o qual, como venho dizendo a vocês, também precisa cuidar melhor de seu estado atlético - tenho esperança de que, em 2025, sob nova direção, isso finalmente ocorra (por enquanto ainda não aconteceu).
No sábado me deparei com este tuite, que é de uma lucidez didática a respeito do teto de utilização da (tecnicamente excelente) dupla uruguaia:
Tem torcedor no Twitter que fala em absurdo, em frescura ou chinelinho, mas se houver um mínimo de preocupação em dialogar com a realidade, constatará que o nosso treinador apenas deseja, como disse José Boto, chegar em dezembro não sendo apenas o "campeão da pré-temporada", mas também "o campeão da porra toda", como gosta de dizer o Presidente Bap.
A temporada/2025 terá 38 rodadas do Campeonato Brasileiro, no mínimo 3 jogos (muito desgastantes) do Super Mundial e de 8 a 13 jogos da Libertadores da América, partindo da premissa de que o Mais Querido chegará às oitavas de final. Reparem que estou, propositalmente, desprezando a Copa do Brasil (Baranga), confiando que a Diretoria tratará o Campeonato Brasileiro (Patroa) como prioridade.
Não, Amigos, não acho que será em 2025 que o Flamengo ganhará "a porra toda", mas tenho certeza de que, se quisermos efetivamente conquistar o Campeonato Brasileiro e, também, quem sabe, a Libertadores, será necessário priorizar e, antes mesmo disso, com cavalares doses de racionalidade, dosar minutagem, intensidade, etc.
Essa é a realidade e é sempre muito saudável se relacionar bem com ela...
O momento é propício para printar (não vou nem transcrever) um trecho da matéria publicada ontem pelo GE sobre a minutagem que se pode esperar de Jorginho:
O Flamengo tem, hoje, em seu elenco, para jogar como volantes, além de Gerson, Evertton Araújo, Allan, Pulgar, De la Cruz e, agora, Jorginho. Ocorre que um vive contundido (Allan), outro tem um teto baixíssimo de utilização em jogos sequenciais (DLC) e o novo reforço, que ainda será testado diante do calendário brasileiro, obviamente também terá seus limites, como já anunciado na matéria do GE.
Por mais que se alegue que Gerson era um meia, a realidade (essa danada) remetia o Capitão Coringa para jogar muitas vezes como segundo volante, a ponto de despertar a minha curiosidade quanto a uma análise comparativa de seus minutos como meia e volante. Gostaria que algum analista nos presenteasse com essa comparação.
A rotação Pulgar, Jorginho e De la Cruz frente ao calendário brasileiro, lamento informar, é puramente fictícia. No primeiro afastamento mais prolongado do uruguaio, esse tênue equilíbrio será destruído e aí, Amigos, será a hora da onça beber água.
No lugar do nosso dublê de diretor técnico e cetáceo, eu não brincaria com a realidade e contrataria mais um jogador fisicamente resistente e, sem prejuízo de outras, que consiga jogar bem na função de segundo volante. E claro, negociaria Evertton e Allan, com as devidas reposições, quem sabe promovendo jogadores da base.
Melhor do que ficar dando murro em ponta de faca, né?
***
Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no frigir dos ovos, cabe perguntar: Gerson realmente quer se transferir para a Rússia e o Zenit pagará a multa ou estamos diante de mais uma odiosa manobra do Atleta Marcão, talvez enciumado com o anúncio e o protagonismo dado a Jorginho?
O tempo responderá. Mas se essa negociação não sair, é bom que seu Filho faça uma grande Copa do Mundo de Clubes ou, do contrário, aquela austera vaia aguardará o nosso Capitão Coringa no Maracanã.
É só esperá-la, tão certa quanto o revezamento entre o dia e a noite, e tão justa quanto a justiça que tarda mas não falha.
***
A palavra está com vocês.
Uma semana abençoada pra gente.
Bom dia e SRN a tod@s.