quarta-feira, 3 de maio de 2023

Racing: o Reencontro com La Academia

 

Salve, Buteco! O Racing Club, adversário de amanhã à noite, é do tipo notório, pois se trata de um dos maiores clubes do futebol argentino, um dos chamados "cinco grandes" - os outros são Boca Juniors, River Plate, Independiente e San Lorenzo. Também chamado de La Academia ou ainda de El Primer Grande, foi fundado em 25 de março de 1903, ou seja, completou 120 anos de existência há pouco mais de um mês

Entre os grandes, apenas o River Plate é mais antigo; contudo, o Racing foi o primeiro clube fundado por argentinos, na época conhecidos por criollos (denominação para filhos de europeus, especialmente espanhóis, nascidos na Argentina), os quais, no caso, eram sócios dos clubes Barracas al Sud e Colorados Unidos del Sud, entidades que não alcançaram qualquer expressão isoladamente, porém, ao se fundirem, fundaram uma legenda.

O Racing nasceu vencedor, sendo o segundo maior campeão argentino da era amadora (atrás do Alumni) e o primeiro tricampeão da era profissional (1949/1951). É o terceiro maior vencedor de competições oficiais nacionais (atrás de Boca e River) e o primeiro campeão mundial interclubes do país (1967) - seu arquirrival Independiente já havia conquistado duas Libertadores, porém nenhum mundial.

Além de popular, o Racing é um clube muito querido, do tipo "místico", sendo dono de uma torcida (inchada) fiel e apaixonada. Prova disso é a enorme quantidade de pessoas e até mesmo personagens fictícios da literatura, cinema e televisão que são torcedores do clube. Para além disso, atribui-se a personalidades como Pelé (!), John Lennon, Al Pacino, Michael Schumacher, Sean Connery e Usain Bolt a condição de simpatizantes do clube, que chegou a ter ninguém menos do que Diego Armando Maradona como treinador (1995).

Toda essa paixão normalmente deságua no Estádio Presidente Juan Domingo Perón ou El Cilindro, construído por engenheiros alemães especializados na reconstrução de cidades destruídas pela Segunda Guerra Mundial. Inaugurado em 3 de setembro de 1950, já chegou a receber um público de 120.000 mil pessoas na final da Copa Intercontinental (Mundial de Clubes) de 1967, contra o Celtic de Glasgow, jogo cujos incidentes já relatei a vocês no primeiro post da série sobre o Mundial de Clubes e a Copa Intercontinental.

O nome do estádio é uma homenagem em agradecimento ao ex-presidente da República Argentina Juan Domingo Perón por conta do empréstimo concedido pelo Governo Nacional para viabilizar a construção, que, talvez poucos saibam, ocorreu no mesmo local em que ficava o antigo Estádio Racing Club, também chamado por Estádio Alsina y Colón ou Estádio de Madera, que tinha capacidade para 30.000 espectadores. Sua demolição para a construção do Clindro, a partir de 1946, deveu-se em grande parte ao fato do arquirrival Independiente já ter um estádio de cimento desde 1928.

De Asociación de Fútbol Argentino - http://biblioteca.afa.org.ar/galeria_5.html (.jpg), Dominio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15550606

Hoje, o Cilindro comporta 55.000 pessoas e o Flamengo já jogou lá por duas vezes, a primeira pela Supercopa dos Campeões da Libertadores de 1992, quando foi derrotado por 0x1, e a segunda há menos de 3 anos, pelas oitavas de final da Libertadores da América de 2020, quando empatou por 1x1. Em ambas as ocasiões o Mais Querido foi eliminado por La Academia.

Lautaro Navarro - Panoramica Cilindro. Trabajo proprio

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Os confrontos entre Flamengo e Racing têm uma estatística equilibrada, com 5 vitórias para cada lado e o mesmo número de empates em 15 jogos, além de uma curiosidade - é um clássico "internacional" por excelência, não apenas pela obviedade de reunir clubes de países diferentes, mas também pela quantidade de cidades de outros países, que não Brasil e Argentina, que sediaram o confronto, casos de Santiago/Chile (Estádio Nacional), La Coruña/Espanha (Riazor) e Casablanca/Marrocos (Marcel Cerdan) .

Por isso mesmo, e também por o Flamengo já ter recebido o Racing em Belo Horizonte (Estádio Independência), São Paulo (Pacaembu) e Aracaju (Lourival Batista), o clássico tem uma peculiar faceta "nômade", surgida ainda nos dois primeiros confrontos disputados na Argentina, em 1958, já que o palco foi La Bombonera, em Buenos Aires, e não o próprio Cilindro, em Avellaneda.

O certo é que o Mais Querido já venceu até mesmo o Racing campeão do mundo (Marrocos/1968), porém até agora não repetiu o feito em competições oficiais da Conmebol.

Quais são as chances de quebrar a escrita na noite de amanhã, em pleno El Cilindro?

https://laverdadonline.com/el-cilindro-de-avellaneda-cumple-70-anos/

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A última vitória do Racing pelo Campeonato Argentino ocorreu na 9ª Rodada, no mesmo sábado de 1º de abril no qual o Flamengo venceu o Fluminense por 2x0, pelo primeiro jogo da final do Campeonato Estadual. Na ocasião, La Academia venceu em casa o Huracán por 2x1.

De lá para cá, foram quatro derrotas e um empate em cinco jogos [1x3 Gimnasia y Esgrima (f), 0x1 Newell's Old Boys (c), 1x1 Independiente (f), 1x3 Atlético Tucumán (c) e 1x3 Boca Juniors (f)], intercaladas por duas vitórias pelo Grupo A da Copa Libertadores da América - 2x0 sobre o Ñublense, em Concepción, e um 3x2 suado sobre o Aucas, no próprio Cilindro.

Desse retrospecto, observo que, no "jogo grande", o time se mobilizou e conseguiu o único resultado aceitável na sequência de partidas pelo Campeonato Argentino, em que pese o Independiente fazer campanha ainda pior, ocupando a 26ª colocação na tabela, enquanto La Academia está na modesta 14ª. 

Parece haver uma clara mobilização em torno da Libertadores, o que não deve surpreender, dados os valores de premiação que a competição oferece para quem avança em suas fases, assim como a penúria econômica pela qual passa a Argentina, naturalmente produzindo efeitos deletérios sobre os clubes de futebol. Contudo, todos esses números, estatísticas e contexto não explicam o mais importante: qual é o nível do adversário que enfrentaremos hoje?

Assisti a Racing 3x2 Aucas, pela 2ª Rodada do Grupo A. Os argentinos conseguiram exercer fortíssima pressão sobre os equatorianos durante os 20/30 primeiros minutos de jogo e davam a a impressão que chegariam facilmente a uma goleada. Entretanto, o Aucas, talvez inicialmente assustado pela estreia fora de casa pela Libertadores, foi aos poucos se transformando no time de imposição física que virou o jogo contra o Flamengo em Quito, pela 1ª Rodada.

Os equatorianos marcaram o primeiro gol ainda no final da primeira etapa e foram para o intervalo dentro de um cenário bem menos desfavorável do que a primeira meia hora de jogo minutos antes sugerira. Ao voltarem para a etapa final, partiram para cima em busca do empate e conseguiram até com alguma naturalidade, indicando ao telespectador e, claro, ao público presente no Cilindro que uma inesperada virada estava por vir.

O Aucas, porém, caiu na cilada do recuo exagerado assim que obteve a igualdade no placar, o que permitiu ao Racing pressionar no final da partida. Os Deuses do Futebol, por via de um gol "acidental" dos argentinos, nos minutos finais, puniram impiedosamente os equatorianos pela falta de coragem. Considero que o placar final não traduziu o que aconteceu no segundo tempo, em que pese ser obrigatório reconhecer que, levando em conta todos os 90 minutos, numa análise mais fria, o Racing criou mais oportunidades.

Os 30 primeiros minutos de jogo, na minha opinião, são o que o Flamengo pode esperar no início da partida de amanhã ou em seu decorrer, na hipótese de conseguir a vantagem no placar. As típicas e vistosas tabelas rápidas do futebol argentino se mostram presentes no time do Racing, assim como a capacidade de exercer forte pressão com linhas altas, porém também ficou bastante clara a perda de intensidade no decorrer do jogo.

Além disso, há de se considerar a questão do peso de ambas as camisas. Clássicos mobilizam mais os grandes clubes, ainda que no cenário internacional e entre adversários que não se enfrentam em todas as temporadas. O tamanho da competição e a ameaça que o Aucas comprovou representar para os dois favoritos também aumentarão os níveis de concentração e tensão da partida dessa quinta-feira.

Para além disso, o Flamengo de hoje, mesmo estando em crise, é o atual campeão e, ainda que sem motivos concretos, desperta temor e respeito nos adversários. Vale lembrar que o nosso último jogo na Argentina, no final de agosto/2022, terminou com o histórico placar de 5x0 sobre o Vélez Sarsfield, no José Amalfitani. Logo, o melhor é não confiar na "crise" do Racing e, pelo contrário, desconfiar, e muito, de sua capacidade de influenciar ao nosso favor o desfecho do jogo.

O Racing virá "mobilizado" e tentará jogar na base da superação. Não tenham dúvidas quanto a isso.

Mas e o Flamengo?

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Nosso amigo TAkumi (@TAkumi) bem observou, nos comentários ao post da última segunda-feira, que o Mais Querido pode ter iniciado o "modo economia de energia" para os jogos do Campeonato Brasileiro, tese que tem todo o sentido se a analisarmos dentro do contexto da postura do time durante as edições do certame nas últimas temporadas.

Nada, porém, que permita ao torcedor rubro-negro minimamente consciente o luxo do otimismo, especialmente na modalidade exagerada, já que o Flamengo atual ainda é um caos tático e técnico. O Racing realmente não vive um bom momento e, dizem, o treinador está balançando, o que permite afirmar que está em crise; entretanto, se o parâmetro comparativo for esse, é preciso lembrar que o Flamengo nunca perde no quesito. Para quem quer que seja.

É um jogo no qual o nosso treinador argentino Jorge Sampaoli precisa acertar a escalação e a estratégia. O retrospecto do Mais Querido nesta temporada, como visitante, é pior do que ridículo. A reação precisa ocorrer, de preferência hoje à noite. A sensatez deve prevalecer a qualquer conceito ou ideia. A leitura do jogo, da dinâmica da partida, também se revelará fundamental.

Mas mais do que isso, os jogadores precisam entregar mais e começar a empurrar a bola para as redes, espantando a crise. No final das contas, são os jogadores que resolvem. O jogo se desenvolve em torno deles, muito mais do que o treinador, os dirigentes e até mesmo as torcidas. O próprio Sampaoli vem discursando nesse mesmo sentido.

Que a tese do nosso amigo TAka se confirme e o Flamengo consiga elevar o nível de seu jogo e trazer três pontos de Avellaneda. Mas no final de semana torcerei para essa mesma tese não se confirmar (no bom sentido).

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A bola rolará no Cilindro para Racing x Flamengo, pela 3ª Rodada do Grupo A da Copa Libertadores da América/2023, amanhã, quinta-feira, 4 de maio, as 19:00h.

O Ficha Técnica subirá as 18:00h ou, no máximo, poucos minutos depois, já com as escalações oficiais.

A palavra está com vocês.

Bom die SRa tod@s.