sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Alfarrábios do Melo

Pausa para a Copa do Mundo.

Ou, ao menos para os preparativos e as Eliminatórias, que fazem com que o Campeonato Brasileiro seja paralisado, como requisito à adequada montagem da Seleção Brasileira, comandada por Evaristo de Macedo, que fará amistosos buscando a formação ideal para enfrentar o difícil grupo formado pelo forte Paraguai e pela sempre enjoada Bolívia, concorrentes à vaga para a Copa do Mundo no México.

O intervalo durará três meses.

Ao final da Primeira Fase, o Flamengo está entre os 16 classificados que brigarão pelo título após o retorno dos trabalhos. Mas, enquanto isso, o clube precisa faturar, e com isso é necessário marcar amistosos, fazendo seu elenco rodar dentro e fora do país, buscando os cruzeiros e dólares necessários para se manter.

 Começa pelo Norte da África.

Inicialmente, estão agendados três jogos na Líbia e dois no Marrocos, com a possibilidade de extensão para a Tunísia, se o retorno técnico e financeiro for considerado adequado.

Para a viagem, o treinador Zagalo não contará com jogadores convocados para a Seleção (Leandro, Mozer e Bebeto), além dos lesionados Jorginho e Élder. Outro desfalque por convocação é Fillol. Aliás, o goleiro tem irritado a Diretoria com seus “insistentes e inoportunos” pedidos de liberação à Seleção Argentina, mesmo para participar de amistosos sem expressão. O incômodo é de tal ordem que o clube pensa seriamente em negociá-lo após o Brasileiro.

E ainda há o caso de Tita. O meia, responsabilizado pelo fracasso na temporada anterior, não disfarça seu incômodo e pensa seriamente em sair. Para complicar, no início do ano vaza nos jornais uma declaração sua, relatando uma suposta “festinha”, regada a bebida e mulheres, ocorrida numa viagem do Flamengo ao Rio Grande do Sul no Brasileiro-1984 (em que, não por acaso, o time perdeu os dois jogos, chegando a ser goleado), com a participação de dirigentes e jogadores, o que o deixou isolado e sem ambiente na Gávea. Mas a Diretoria resiste em negociá-lo e rechaça ofertas de Atlético-MG e Grêmio. Zagalo recebe a missão de recuperá-lo na excursão que está para iniciar.

O time-base que Zagalo pensa em utilizar é formado por Cantarele, Bigu, Ronaldo Torres, Guto e Adalberto; Andrade, Adílio e Gilmar Popoca; Tita, Chiquinho e Marquinho.

Mas as coisas não começam bem. O Flamengo é recebido com muita festa em Trípoli, arrastando uma multidão para seu treinamento, muitos com camisas rubro-negras e da Seleção, e superlota o Estádio Nacional, que vive grande tarde ao receber “um gigante do melhor futebol do mundo”. O problema começa quando a bola rola. Apático, pouco inspirado e nitidamente incomodado com o gramado sintético e o calor, o time é facilmente superado pela correria da Seleção Líbia, e o placar de 2-0 sai até barato (os líbios mandam bolas na trave e exigem muito de Cantarele). Ao menos Tita, com atuação razoável, é uma boa notícia.

Desavenças com organizadores forçam o cancelamento dos dois amistosos restantes na Líbia, e o Flamengo viaja para o Marrocos, onde é recebido em Marrakech, com mais uma vibrante festa dos locais, que enxergam a chegada rubro-negra como uma bênção divina, especialmente após um acontecimento peculiar.

É que, após dois anos de penúria, enfim se despeja um verdadeiro temporal, exatamente no dia do desembarque flamengo em terra marrakechi. O público, embevecido, canta e dança entusiasticamente, literalmente se banhando nas águas que jorram dos céus. Não há como não se comover com a pueril alegria daquela gente.

Mas o temporal por pouco não cancela mais esse amistoso. A partida somente é confirmada poucas horas antes de seu início, quando o céu se acalma no momento que o alagamento da cidade parecia iminente. Sim, vai ter jogo.

O adversário é o Kawkab AC, agremiação tradicional que vive momento de reconstrução, recentemente promovida da Segunda Divisão. A imprensa brasileira, equivocadamente, chama a equipe de “Kassin AC”, talvez em alusão ao cassino da cidade.

E, mais uma vez, o Flamengo não mostra boa atuação e frustra o público que lota o Estádio Municipal. Cauteloso, preguiçoso e sem imaginação, o rubro-negro aceita a forte marcação imposta pelos marroquinos e não sai de um tedioso 0-0, que suscita vaias e reclamações do público que afluiu em ótimo número. Zagalo, novamente, atribui a má atuação ao gramado que, embora dessa vez seja natural, é tido como “duro e esburacado”.

O jogo seguinte é mais complicado. Será em Casablanca, contra o Wydad AC, que conta com quatro jogadores na Seleção Marroquina, entre eles o goleiro Badou Zaki e o meia Aziz Bouderbala, que se destacarão no Mundial do México, dali a um ano. Considerado um dos melhores times do Marrocos, o Wydad, que terminou na quarta colocação do Campeonato Nacional, reforçou o plantel e segue em preparação para a temporada 1985/86, em que acabará ficando com o título.

Dessa vez o time rende melhor, embora novamente a vitória não lhe sorria. Num gramado perfeito, o Flamengo arranca aplausos do público que lota o Estádio Mohamed V e, com um futebol envolvente, abre dois gols de vantagem na primeira etapa, marcados por Chiquinho e Gilmar Popoca. Mas, na volta do intervalo, o time cede à pressão dos locais, que em poucos minutos chegam ao empate em 2-2, que acaba sendo o placar final. Zagalo reclama muito da arbitragem, que julga tendenciosa e leniente com o que chama de “violência dos árabes”.

Apesar do bom jogo em Casablanca, o Flamengo não consegue estender sua temporada em campos africanos, e retorna ao Brasil, por onde roda numa agenda insana que inclui jogos pelo Nordeste e, poucos dias depois, no Paraná, para a seguir entrar pelo Mato Grosso, antes de nova incursão internacional, dessa vez pelos gramados do México. O péssimo retrospecto colhido nessa ciranda (apenas três vitórias em 12 jogos), mesmo levando-se em conta os desfalques, começa a sinalizar a presença de fissuras no trabalho de Zagalo, o que se confirmará na sequência do Brasileiro.

Com efeito, as insistentes desculpas e subterfúgios, que “explicam” os maus resultados com fatores como gramado ruim, arbitragens parciais, desfalques e clima desfavorável, acendem o sinal de alerta aos mais atentos, que começam a perceber que talvez o conjunto treinado pelo Velho Lobo já não exiba a mesma eficiência de antes.

Mas logo isso será deixado de lado. Afinal de contas, o Messias está voltando.

* * *

Evaristo de Macedo não resiste aos maus resultados da Seleção Brasileira nos amistosos preparatórios e, após uma derrota para o Chile (1-2) em Santiago, é demitido. Zagalo é sondado, mas Telê Santana reassume o cargo de Treinador da Seleção Brasileira para a disputa das Eliminatórias, conseguindo a classificação para o Mundial do México.

Mesmo após a volta de Zico, o Flamengo não consegue a classificação às Semifinais do Brasileiro, eliminado de um grupo onde enfrentou GE Brasil, Bahia e Ceará. Com o revés, Zagalo é demitido. Tita, com o retorno do Galinho, é negociado e vai defender o Internacional-RS. Fillol, que falha clamorosamente na derrota em Pelotas que praticamente sela a eliminação do Brasileiro, é vendido ao Atlético Madrid-ESP.