quarta-feira, 13 de julho de 2022

O DNA do Antijogo (Cronologia)


 
Era domingo, 28 de novembro de 1948. Dia de decisão do Campeonato Mineiro daquela temporada. O Clube Atlético Mineiro, com 27 pontos, jogava por um empate para, fora de casa, conquistar o tricampeonato estadual contra o segundo colocado na tabela, que tinha um ponto a menos, o América Futebol Clube, hoje popularmente conhecido por América Mineiro ou "Coelho". O palco do espetáculo foi o extinto Estádio Otacílio Negrão de Lima ou "Estádio da Alameda", em Belo Horizonte, o "Antigo Campo do América".

Bola rolando e logo aos 3 minutos o lateral direito Lusitano desarma a estrela atleticana Carlyle, passa para o meia Elgem, que lança Murilinho para o Coelho abrir o placar, causando perplexidade geral. O gol quase relâmpago condicionou a tônica do jogo e levou o favorito a partir para cima do abusado anfitrião. Porém, apesar da forte pressão, o empate não chega. 

No final do primeiro tempo, Lazarotti lança Helio, que cruza de maneira despretensiosa, mas a bola voa como uma folha seca de Didi, enquanto goleiro Kafunga, ídolo atleticano, apenas observa e engole um frango. O América ainda comemorava os 2x0 que praticamente lhe garantiam o título, só que o atacante Nívio tratou de descontar logo em seguida, aproveitando um rebote de Tonho em um chute de Lucas, permitindo ao Atlético ir mais esperançoso para o intervalo.

Antes, porém, a tela de proteção se parte e o alambrado desmorona, levando a várias pessoas se machucarem, a uma invasão de campo e à interrupção da partida.

http://camposinvisiveis.com/alameda.html

Na volta dos times para o segundo tempo, ocorre o inusitado: o atacante Petrônio, terceiro maior artilheiro da História do América, arranca em disparada e chuta rasteiro para marcar o terceiro gol americano. Todavia, os jogadores do Atlético, inconformados, alegam que a bola iria para fora e batera nos pés de um guarda, e por isso cercam revoltados Mr. Barrick, o árbitro inglês, que não cede à forte pressão e valida o gol. 

Surge a lenda do "Gol do Guarda".

O jogo então passa a se desenvolver de maneira ainda mais nervosa, fazendo suar os 15.075 torcedores presentes no Alameda, até que, aos 22 minutos, Nívio dribla o zagueiro Jorge e marca o que seria o segundo gol do Atlético... se não fosse a marcação de impedimento feita por Mr. Barrick.

Os atleticanos, liderados pelo temperamental Carlyle, perdem completamente o controle emocional e partem para cima do inglês, mas sem sucesso na tentativa de demovê-lo de sua decisão.

E em seguida abandonam o campo de jogo...

Mr. Barrick aguarda mais 15 minutos pelo retorno do Atlético e resolve dar a partida por encerrada. Ambas as torcidas invadem o campo e o caos se instala. O inglês não escapa de levar uns sopapos dos histéricos atleticanos.

O jornal Folha de Minas classifica como "passagens cômicas" as reivindicações dos torcedores atleticanos, sem deixar de lamentar o ocorrido. E a despeito de ter sido o último jogo, o Campeonato Mineiro não acaba após o apito final de Mr. Barrick e passa a ser disputado no tapetão do Tribunal de Justiça Desportiva do Estado de Minas Gerais, com mais uma vitória americana.

Só que o Atlético não desiste e recorre ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, o até hoje STJD, sediado no Rio de Janeiro. Mas sofre nova derrota, dessa vez definitiva, com ampla cobertura e repercussão por parte da imprensa carioca. O América é então declarado campeão mineiro de 1948 pelo STJD, e a ficha técnica do jogo de 28 de novembro ficou assim:

http://camposinvisiveis.com/alameda.html
https://sites.google.com/site/pavilhaoamericano/campenato-mineiro-de-1948 
http://acervodocoelho.com.br/1948-campeao-mineiro/

***

Quinta-feira, 16 de março de 1972, e o Clube Atlético Mineiro estava em Assunção, capital paraguaia, para enfrentar o Olimpia, pela 5ª Rodada do Grupo 3 da edição daquele ano da Copa Libertadores da América. O jogo era absolutamente decisivo para as pretensões atleticanas, haja vista que o São Paulo liderava o grupo com 6 pontos (2v e 2e), enquanto o Galo, que tinha 4 empates em 4 jogos, sendo os três primeiros no Mineirão, acabara de perder o segundo lugar que dividia com o Olimpia, que tinha 3 empates, mas obtivera a primeira vitória ao vencer o clássico contra o Cerro Porteño, o lanterna, como visitante (1x3).

A campanha do então campeão brasileiro era frustrante, até porque mantivera a base campeã, com a dupla Lôla e Dario "Dadá" Maravilha, além do recém-contratado goleiro da Seleção do Uruguai na Copa do Mundo de 1970, o famoso Mazurkiewicz. 

Era, portanto, um jogo de vida ou morte. Eis o seu desenrolar, na narrativa do site Trivela:

"Telê Santana era técnico havia apenas três anos. Já conquistara um Campeonato Brasileiro, um Carioca e um Mineiro, mas ainda estava ganhando experiência. E aquela partida do Atlético Mineiro contra o Olimpia, em 16 de março de 1972, era sua primeira comandando uma equipe fora do Brasil pela Libertadores. Um jogo que ele nunca esqueceu.

Logo de cara, o Atlético abriu 2 a 0, com gols de Ronaldo e Dario. Os brasileiros ainda tiveram uma boa oportunidade de ampliar para 3 a 0, mas, a partir de então, recuaram. “Fizemos 2 a 0 e perdemos a cabeça, não sei por quê”, lamentava Dario. “Bastaria fazer a bola rolar no chão, de pé para pé, para conseguirmos, inclusive, uma goleada.” Os paraguaios conseguiram diminuir, ainda na primeira metade do primeiro tempo, com Sosa.

O gol reanimou o Olímpia, que passou a dominar o jogo, e o Estádio de Puerto Sajonia (como era chamado, na época, o Defensores del Chaco, que só mudaria de nome dois anos depois), então, virou uma panela de pressão. Essa panela começou a estourar no segundo tempo, quando a torcida passou a jogar diversos objetos para dentro do campo. “O que encontramos lá foi um campinho de futebol, com muito material à disposição dos torcedores, que não tiveram o menor problema para agredir os nossos jogadores, o massagista e o médico”, protestou o presidente do Galo, Fábio Fonseca.

A pressão também aumentou dentro de campo, após os jogadores paraguaios reclamarem de um impedimento e cercarem o árbitro chileno Lorenzo Cantillana. “Com a pressão da torcida, o juiz ficou em pânico e só marcava faltas a favor do Olímpia”, reclamava Telê. “Foi assim que eles conseguiram o empate, numa falta inexistente.” De fato, o gol de Versa foi muito contestado pelos atleticanos: eles diziam que a falta que deu origem ao tento não existira, que Cantillana não tinha autorizado a cobrança e que o primeiro paraguaio a receber a bola estava impedido. 

Pelas reclamações, Ronaldo e Dario foram expulsos, e a polícia teve de entrar em campo para conter a briga. “Tomei chute até de soldado lá”, lembraria o capitão do time, Oldair, em entrevista ao Super Esportes, quarenta anos depois. “O problema é que eles estavam dando muita pancada. Houve uma hora que a gente não aguentou e revidou. Aí, o tempo fechou.” Ronaldo seria detido, após o jogo, e levado a um distrito policial, porque Cantillana o acusou de agressão.

Telê, na época, estava revoltado: “Fomos jogar futebol e levamos pedradas da torcida e cacetadas da polícia. Na hora, eu disse ao comandante que, no Brasil, a polícia permanecia em campo para proteger os jogadores. Ele respondeu-me que o Atlético estava no Paraguai. A partir daí, vi que o Olímpia tinha um forte aliado.” O jogo foi reiniciado, mas seguiu nervoso, e Oldair e Versa também acabaram expulsos, interrompendo, mais uma vez, a partida. Não demorou para Lola forçar sua expulsão, deixando o Galo com sete jogadores, o mínimo necessário para que uma partida tenha prosseguimento.

Essa situação, contudo, não duraria, pois Humberto Ramos deixou o campo, alegando contusão, mas Cantillana manteve a bola rolando por cerca de dois minutos, até ser avisado, pelo auxiliar Ramón Barreto, de que o Atlético tinha menos de sete jogadores em campo. “Se os jogadores não saíssem, alguém iria morrer em campo”, justificou Telê. “Era guerra, mesmo.” A partida foi, pois, encerrada, aos 34 minutos do segundo tempo. O Olímpia foi declarado vencedor, ficando com os pontos da partida, apesar do resultado em campo.

(...)”

http://galopedia.blogspot.com/2007/02/16031972-olimpia-par-2x2-atletico-mg.html

Segundo o torcedor são-paulino Alexandre Giesbrecth, dono do blog Anotações Tricolores e do respectivo perfil no Twitter (@jogosspfc), a imprensa mineira (Estado de Minas e Diário de Minas) culpou o árbitro e a selvageria da torcida e da polícia paraguaias. Já os paraguaios deram outra versão aos fatos, nas palavras do escriba:

 O ABC Color, o jornal de maior circulação no Paraguai, fez o seguinte comentário: “Nunca tínhamos visto brasileiros tão incorretos. Foi o absoluto caos, o que vimos na noite passada, com ressentimentos de verdadeiro primitivismo e de histeria coletiva. E pensar que os milhares de torcedores que compareceram ao campo foram assistir a uma partida de futebol. Um futebol brilhante, o dos brasileiros, quando eles não recorrem aos mais violentos recursos.”

La Tribuna também critica o Atlético, mas reconhece que, no momento de jogar futebol, o time brasileiro foi muito melhor, principalmente no primeiro tempo. Pátria dá a seguinte manchete: “O Atlético Mineiro naufragou em sua própria incapacidade.” Depois, acrescenta que o Olímpia, “veterano de copas, permaneceu calmo e jamais procurou tumultuar a partida”.

O Atlético pediu, sem sucesso, a anulação do jogo e chegou a ameaçar não entrar em campo contra o Cerro Porteño, também em Assunção. Porém, decidiu jogar e foi derrotado por 1x0, pela derradeira 6ª Rodada. Com o resultado, o Galo terminou na lanterna do Grupo 3, com direito a fortes reclamações de Telê Santana:

Telê, na época, estava revoltado: “Fomos jogar futebol e levamos pedradas da torcida e cacetadas da polícia. Na hora, eu disse ao comandante que, no Brasil, a polícia permanecia em campo para proteger os jogadores. Ele respondeu-me que o Atlético estava no Paraguai. A partir daí, vi que o Olímpia tinha um forte aliado.” O jogo foi reiniciado, mas seguiu nervoso, e Oldair e Versa também acabaram expulsos, interrompendo, mais uma vez, a partida. Não demorou para Lola forçar sua expulsão, deixando o Galo com sete jogadores, o mínimo necessário para que uma partida tenha prosseguimento.

(...)  

Telê costumava contar que Gregório, o massagista do Galo, tomou uma pedrada e pelo menos seis pontos na cabeça, durante a partida. Uma história que foi recuperada 20 anos depois. O técnico contou o caso às vésperas da estreia são-paulina da Libertadores de 1992. “O massagista, que estava ao meu lado, levou tamanha pedrada, que desmaiou na hora. Fiz questão de voltar a Belo Horizonte com a pedra. A pedrada que o Elivélton levou no Paraguai [no Pré-Olímpico de 1992] não se compara com a que levou o nosso massagista.”

***

Terça-feira, 28 de abril de 1981, e o Moto Club de São Luís do Maranhão recebe, no tradicional estádio Nhozinho Santos, o Clube Atlético Mineiro, vice-campeão brasileiro, para um amistoso. 

O desencadeamento do espetáculo é narrado por Hugo Saraiva, do blog Futebol Maranhense Antigo:

O Atlético Mineiro, vice-campeão brasileiro, chegou a São Luís para uma partida amistosa diante do Moto Club de São Luís, no Estádio Municipal Nhozinho Santos. Foi a primeira vez que o galo veio ao Maranhão e a sua apresentação foi aguardada com grande expectativa pelo público maranhense. A delegação atleticana desembarcou na tarde do dia 27 de Abril de 1981, véspera da partida, com todos os seus principais jogadores, com destaques para Reinaldo, Cerezo, Palhinha, Éder e João Leite, todos atletas de nível de seleção. O Moto Club esteve treinando em tempo integral para a apresentação contra o campeão mineiro.

Silvio Barros e Neguinho acreditavam na boa disposição dos motenses. Para a partida, o Moto foi confirmado com a mesma escalação que vinha jogando e atuado pela última vez em Imperatriz, na derrota para o Cavalo de Aço por 1x0. Apesar de os promotores do jogo terem proposto o empréstimo de alguns jogadores do Maranhão e Sampaio para reforçar o time, os dirigentes rubro-negros foram contrários à ideia por acharem que grande parte da torcida não aceitaria tal coisa. E um dos grandes desfalques do Papão estava na defesa, onde o zagueiro-central Paulinho havia sumido dos treinos sem deixar qualquer informação.

Dizendo-se satisfeito com as duas últimas apresentações do clube sob a sua orientação, embora tenha lembrado que tinha esperava mais do grande elenco que dirigia, o conhecido Pepe, ex-ponta-esquerda do Santos e da Seleção Brasileira, agora treinando o Atlético depois de uma passagem brilhante pelo seu ex-clube santista, atendeu aos repórteres ainda no aeroporto, respondendo com muita simplicidade as perguntas e até lembrando de fatos da sua carreira como jogador de futebol. Em determinado momento sua memória funcionou mesmo e ele perguntou pelo ex-zagueiro Terrível, que há quase 20 anos defendeu o Sampaio Corrêa. Interrogado porque tanta lembrança daquele jogador maranhense, sobejamente respeitado pelos atacantes e principalmente pelos extremas, Pepe apenas completou: “o apelido já diz tudo”. Terrível, como sua geração bem recorda, era o tipo de jogador Raçudo, que não temia nem mesmo tendo à frente craques famosos que até hoje tanto quanto Pepe ainda não o esqueceram.

Sobre o time que dirige, o treinador mostrou-se confiante na possibilidade da conquista do próximo campeonato, “porque o elenco é um dos melhores do país e isto deixa a gente mais tranquilo”. Pepe justificou a ausência do Atlético nas finais da Taça de Ouro, dizendo que “o regulamente precisa ser modificado, para que tenhamos critérios mais justos na hora da classificação e da disputa final”.

No dia da partida, 28 de Abril, assim perfilaram as duas equipes, diante de um bom público que compareceu ao Municipal: Moto Club: Bessa; Martins. Airton, Irineu e Luís Carlos; Emerson, Beato e Edésio; Pirila, Jorge Guilherme e Raimundinho Lopes; Atlético Mineiro: João Leite; Orlando, Osmar, Luisinho e Jorge Valença; Chicão, Cerezo e Palhinha; Frazão, Reinaldo e Éder. O torcedor passou para assistir noventa minutos de futebol e acabou vendo um espetáculo feio, provocado pelos jogadores do Atlético Mineiro e endossado por mais uma arbitragem nervosa de Nacor Arouche, que expulsou quatro jogadores da equipe visitante, o técnico Pepe e ainda por cima revidou a agressão de um dirigente do clube mineiro. O jogo não chegou ao seu final. Aos 25 minutos do segundo tempo o Atlético ficou reduzido a sete homens e retirou-se de campo quando perdia por 2 a 0. A renda foi recorde, superando os dois milhões de cruzeiros (Cr$ 2.200.000,00).

O JOGO – O público que compareceu ao Municipal para assistir um espetáculo de primeira grandeza, praticado pelos carques do Atlético Mineiro e os modestos jogadores do Moto, deixaram aquela praça de esportes decepcionados e até irritados com tanta balbúrdia. O Atlético Mineiro não jogava bem quando sofreu o primeiro gol, logo aos 9 minutos, em jogada individual do juvenil Raimundinho Lopes, que driblou três defensores mineiros, inclusive Cerezo e Osmar, para atirar sem chance de defesa para o goleiro João Leite. Aos 16 minutos o atacante Palhinha subiu legalmente com Emerson para tentar a cabeçada, mas o juiz assinalou uma falta contra o Atlético. Palhinha reclamou e recebeu o cartão amarelo. Tornou a reclamar e recebeu o cartão vermelho e foi expulso. O jogo, que ainda sem sequer agradava o público, piorou. Inconformados com a expulsão de Palhinha e a inferioridade no marcador, os jogadores atleticanos tentaram tumultuar ainda mais o espetáculo, reclamando rigorosamente contra as marcações e recebendo em troca três cartões amarelos do juiz Nacor Arouche. 

Para aumentar a dose de inconformismo do Atlético, que não jogava nada de bola, o juiz acertadamente invalidou um gol feito por Éder, que estava impedido. Depois Nacor começou a se perder na arbitragem e a inverter ou deixar de marcar faltas, culminando com uma marcação aos 40 minutos contra o gol de João Leite. A barreira andou duas vezes e receberam cartões todos os jogadores que nela se encontravam. O lateral Valença reclamou ou ofendeu o juiz e recebeu o cartão vermelho. O banco do Atlético, que já havia invadido o campo na hora que o gol de Éder foi nulo, desta vez não deixou por menos. O técnico Pepe foi tomar satisfações com o juiz e também foi expulso. O direto Marcelo Guzela também se aproximou do árbitro para ofendê-lo moral ou fisicamente e acabou recebendo um tapa (de leve), não reagido porque a estas alturas o juiz já estava sob proteção da polícia. 

O primeiro tempo foi encerrado logo depois e os dirigentes, apesar de muitas ameaças de não autorizar o retorno da equipe para o segundo tempo, resolveu desistir da ideia. Mas em represália, trocaram Reinado por Chico Spina e fizeram mais duas modificações. Irritados com as encenações do juiz que cava catão amarelo sempre que ouvia determinada reclamação, perdendo o jogo e não mostrando absolutamente nada de futebol, os jogadores irritaram-se ainda mais após o segundo gol rubro-negro, assinalado de cabeça por Jorge Guilherme, aos 20 minutos, numa falha de João Leite. Momentos antes, Éber, por excesso de reclamação, foi expulso. Reduzido a oito homens, o Atlético, cada vez mais irritado, ficaria mais tarde com apenas sete, quando Luisinho também foi premiado por desrespeito ao árbitro. Os dirigentes do Atlético entraram em campo e retiraram o time, aos 25 minutos do segundo tempo. 

http://futebolmaranhenseantigo.blogspot.com/2014/10/amistoso-moto-club-2x0-atletico-mineiro.html

O árbitro Nacor Arouche foi apontado pela torcida presente ao Municipal como o principal responsável pelos desagradáveis acontecimentos registrados, em virtude do time mineiro ter ficado reduzido a apenas seis jogadores, pelas expulsões de Palhinha, Jorge Valença, Éder, Luisinho e Chico Spina. Para os torcedores e até para a crônica esportiva, faltou pulso ao apitador para levar o jogo até o final sem ser necessário recorrer ao cartão vermelho. “Expulsar todo mundo é a coisa mais fácil que existe e qualquer um pode fazer, já que dentro de campo o árbitro é soberano em suas decisões; o difícil mesmo é impor respeito e com categoria conduzir o espetáculo sem arranhões”. 

Nacor Arouche foi acusado até mesmo de incompetente. Para muitos, ele entrou premeditado a fim de aproveitar da fama dos jogadores do Atlético e procurar aparecer às custas deles, se transformando como é do seu costume na “vedete” do jogo. Os jogadores e dirigentes do Atlético saíram revoltados com o apitador, que desde o começo do jogo procurou irritar todo o time. Alguns mais comedidos do quadro mineiro, como o caso do volante Toninho Cerezo, comentaram o acontecido, fazendo também críticas aos próprios jogadores do Atlético, que entraram no jogo do árbitro e foram atrás dos seus erros para complicar mais as coisas. “Infelizmente o jogador brasileiro ainda não está acostumado à ideia de que dentro de campo quem manda é o apitador, mesmo que assinale erradamente, como vinha acontecendo”. 

O árbitro Nacor declarou em todas as entrevistas que concedeu que saiu do Estádio Municipal com a consciência tranquila de ter cumprido fielmente com o seu papel, na aplicação da lei do jogo. Acusou jogadores do Atlético de indisciplinados, afirmando que eles não queriam jogar e tentaram lhe desmoralizar dentro de campo. Nacor disse mais que ninguém no Brasil conhece mais as 17 regras do que ele e que se considera um dos três melhores árbitros do país. “Eu nasci geograficamente errado. Se tivesse nascido no Rio ou em São Paulo, seria o rei do apito”.

http://futebol80.com.br/links/times/motoclub/motoclubft.htm

***
Sexta-feira, 21 de agosto de 1981. Flamengo e Atlético/MG, empatados com 8 pontos (6j, 2v e 4e), enfrentam-se no Estádio Serra Dourada, em Goiânia, no jogo de desempate pelo Grupo 3 da Copa Libertadores da América daquela temporada.

A partida foi antecedida por manobras e reclamações histéricas dos dirigentes atleticanos, além de problemas de renovação de contrato com um importante jogador:

https://flamengoalternativo.wordpress.com/2011/11/25/mitos-e-fatos-sobre-a-libertadores-de-81/

https://flamengoalternativo.wordpress.com/2011/11/25/mitos-e-fatos-sobre-a-libertadores-de-81/

https://flamengoalternativo.wordpress.com/2011/11/25/mitos-e-fatos-sobre-a-libertadores-de-81/

Novamente defronte de um árbitro com os nervos à flor da pele, mais uma vez o Atlético desmoronou emocionalmente, como bem descreve Mauro Betting em seu blog no site Uol:

O eterno jogo que não teve fim. Flamengo 0 x 0 Atlético-MG, Libertadores-81 Mauro Beting 28/10/2016 18h29.

TRECHO DO LIVRO "1981", escrito por mim e André Rocha. Maquinária  Editora, 2011. A batalha começara bem antes, com provocações e acusações mútuas de mala branca. Como se um jogo extra da primeira fase da Libertadores-81 entre as melhores equipes do país, já saturado de rivalidade desde a decisão do BR-80, precisasse de algum "combustível" para motivar os jogadores. O Serra Dourada estava lotado por mais de 65 mil presentes. No gramado desenhado bizarramente com temas geométricos, algo mais feio aconteceria em apenas 33 minutos de bola rolando. Ou tentando ser jogada por duas grandes equipes contaminadas pelo que há de pior em violência, antijogo, suspeições, suspensões. "Acho que, numa tourada, o sangue correria menos", contou Júnior em sua biografia. O Atlético Mineiro lamentava a ausência do zagueiro Luisinho. No mais, era o time titular de Carlos Alberto Silva, com nove titulares da decisão do Brasileirão de 1980. Montado no tradicional 4-3-3 da época. O Flamengo não tinha Andrade na contenção, substituído pelo múltiplo Leandro na função de volante. Carlos Alberto era o lateral. Na intermediária, Tita era o meia aberto pela direita, e Baroninho fazia o vaivém pela esquerda. Zico organizava o jogo e se aproximava de Nunes.

O árbitro escolhido pelas duas diretorias era o carioca José Roberto Wright, que apitara bem a partida de ida, no Mineirão. Era o melhor do país à época. Mas não teve uma noite feliz. Para conter o jogo brusco, mostrou o primeiro cartão amarelo aos 5: Cerezo agarrou Tita pela camisa. Advertência justa. "Se eu não controlasse logo o jogo, iria perder o comando, ia ser uma…", afirmou o então comentarista de arbitragem da TV Globo. Se os atletas estavam nervosos, Wright parecia pior. Nunes reclamou de falta bem marcada.  O árbitro se enfureceu e correu abruptamente em direção ao atacante. Não mostrou cartão, apenas um descontrole aparente. Foi uma partida como outra qualquer para Wright:

Nunca fiquei nervoso apitando futebol. Trabalhei em três finais de Libertadores, semifinal de Copa, um monte de jogo. Aprendi a me controlar no atletismo, nas provas de meia-distância em que fui atleta de seleção brasileira. Sempre entrei em campo seguro. Porque se você vai apitar pensando que vai errar, aí você faz uma cagada monstro.

O jogo crescia, com o Galo um pouco melhor. O Fla sentia a falta de Andrade na saída de bola. Embora nervosos e errando passes, nenhuma das tantas pancadas vistas, por exemplo, na decisão de 1980, eram repetidas pelos atletas. Aos 17, Wright exigiu respeito de Palhinha, que reclamava a esmo. Mas de um modo muito duro. Aos 19, pelo conjunto da obra, e por uma rasteira em Leandro, Palhinha recebeu o amarelo. Discutível. Mas o meia-atacante mineiro não reclamou. O jogo não era bom. O lateral Orlando entrou duro, de carrinho, na bola, numa dividida com Baroninho. Na sobra, Mozer deu uma solada com as duas pernas em Vaguinho. O ponta alvinegro pulou para não ser atingido. A bola sobrou à frente, e Vaguinho descontou em Júnior, entrando feio por sobre a bola. Entre mortos e feridos, pelo rigor excessivo de Wright até então, seria lance para amarelo para Mozer e também para Vaguinho. Só o atleticano recebeu, e ficou calado. Diferente do árbitro, que reiterou, segundo relato do repórter Raul Quadros, ao lado do gramado, que, na próxima [falta mais dura], "ele colocaria um para fora". Wright não esquece: "Chamei os dois capitães e falei mesmo. O primeiro que der uma porrada sai. E foi o que aconteceu".

Aos 26, jogo cada vez mais equilibrado, Éder puxou a camisa de Leandro na saída para o ataque e levou cartão amarelo. Wright mantinha o critério adotado. O árbitro também acertou aos 28, quando Mozer empurrou Vaguinho e recebeu o dele. Os jogadores não ajudavam. Se não batiam tanto, reclamavam de tudo. Especialmente os atleticanos, ainda com lembranças na alma e na carne das batalhas de 1980. Também por isso Wright começou a picotar mais o jogo, parando a partida por qualquer faltinha. Aos 32, o jogo começou a acabar: Reinaldo levantou Zico numa tesoura por trás, na intermediária, atingindo o tornozelo direito do dez rubro-negro. Falta violenta e tola, numa zona morta. Pelos critérios adotados pelo árbitro, havia como mostrar o cartão vermelho. "O Wright dissera minutos antes que expulsaria o primeiro que fizesse uma falta por trás. O Reinaldo me deu uma tesoura e levou o dele". Comenta Júnior: "O Reinaldo nunca fizera na carreira uma entrada criminosa como aquela. Digna dos caras que na época batiam mesmo. Mas não ele". Wright concorda: "O Reinaldo não era indisciplinado. Mas deu aquela entrada por trás e foi expulso com justiça".

Palhinha deu um bico na bola. Atleticanos reclamaram bastante. Mas nenhum gesto foi mais acintoso que o de Wright. Ao perceber a chegada no círculo central do goleiro João Leite, que costumava entregar bíblias aos adversários antes dos jogos, o árbitro teve um chilique. "O Wright está mais nervoso que os jogadores", disse Telê Santana, convidado para comentar na TV Globo. O árbitro tirou a bola que estava nas mãos de Palhinha, deu a Figueiredo que bateu a falta e lançou à direita. O bolo de sete jogadores atleticanos que cercavam Wright logo se desfez e se dispersou para evitar o ataque carioca. Até o assistente Romualdo Arppi Filho ainda estava no grande círculo quando Wright autorizou o reinício de jogo…

33minutos. Acabou o futebol

O Atlético tentou contra-ataque pela direita. Vaguinho sofreu a falta. Eder foi pegar a bola e esbarrou no árbitro. Havia como o atleticano ter evitado o choque. Wright, então, tentou travar a bola para que ficasse no local da infração. Eder voltou para buscá-la, abaixou a cabeça, e, mais uma vez, esbarrou no árbitro, empurrando o peito dele. Wright puxou o cartão do bolso esquerdo da camisa. Vermelho. Éder já tinha amarelo, e, então, não era obrigado o árbitro a mostrar o segundo amarelo e, depois, o vermelho.

Eder olhou para o cartão, virou as costas para Wright e se ajoelhou, cobrindo o rosto com as mãos. O Atlético estava com nove em campo. De fato, muitos mais atleticanos naquele momento: todos os reservas, comissão técnica e cartolas invadiram o gramado.

Já fora do campo, Reinaldo falou para os repórteres: – Não entendo o Zé Roberto [Wright]… Completamente intranquilo. Os juízes brasileiros não têm equilíbrio emocional. Transmitem esse desequilíbrio às duas equipes. Numa época dessas, a gente precisa ter muita calma.

Reinaldo não falava mais de um Brasil que tentava fazer uma transição "lenta, segura e gradual" da ditadura militar para a democratização.  Luciano do Valle, narrando pela TV Globo, sintetizava o espírito e o ambiente: "O Reinaldo está muito mais tranquilo que o árbitro". Para Telê, "O Wright se perdeu. Ele é o melhor do Brasil, mas estragou o espetáculo. Sou inteiramente a favor da disciplina. Mas o árbitro não tem o direito de acabar com um jogo desse modo".

Wright:

Eu não aturava a indisciplina, a violência. Lutei sempre para o atleta jogar bola. Sempre fui rigoroso. Num jogo em Cochabamba, Wilstermann x Olimpia, foi a mesma coisa. Expulsei cinco do time da casa, uma cagada monumental… Mas é por isso que fui eleito em 2011 o maior árbitro da história do futebol brasileiro, e, ao lado do uruguaio Jorge Larrionda, um dos melhores da América latina.

O Atlético começou a tirar o time de campo no que seriam os 35 minutos de jogo, com um cordão de policiamento. Aos 36, Chicão chegou perto de Wright e disse tudo que não se pode publicar. O árbitro não se moveu. Quando Chicão saiu, o árbitro foi na direção dele, mas foi seguro por João Leite. Wright decidiu sair da confusão e foi esperar no centro do gramado. Logo depois, o treinador Carlos Alberto Silva pediu para Chicão levar os demais companheiros para fora do campo. Ou fazer o famigerado cai-cai, quando os jogadores simulam lesões e não retornam a campo.

Palhinha foi expulso a seguir, aos 37. Zico dá a versão dele: "O Palhinha tinha mania de falar para o juiz que ele não era homem, que não tinha coragem de expulsá-lo… Aí o Wright pôs ele para fora". Palhinha confirma a história. O coro do estádio era de "Palhaçada, palhaçada!". Chicão foi expulso aos 38. Ainda no gramado, confessou ao repórter Raul Quadros que levou o cartão vermelho porque sugeriu ao árbitro que compensasse expulsando algum jogador do Fla. O Atlético ficava com sete jogadores em campo. Menos um e o jogo estaria encerrado.

Vaguinho desceu ao vestiário aos 39. Chicão passou em frente ao banco do Flamengo, bateu boca com alguns reservas, e palmas ironicamente para torcida rubro-negra. Wright ordenou que o policiamento limpasse o gramado. Éder deu entrevista: "É uma covardia com o povo que veio até aqui. Isto é um circo, está tudo armado por esse bando de palhaços."

Um cartola atleticano se exaltou e perdeu qualquer tipo de razão: – O Atlético vai se recuperar pela manobra baixa que o Wright praticou aqui para a grandeza do futebol carioca! Eu pediria ao presidente [do Brasil, o general João Baptista] Figueiredo que ele pratique no futebol brasileiro o que, felizmente, para a salvação nacional, foi praticado na revolução de 1964! Infelizmente o futebol brasileiro não foi atingido por essa revolução salvadora.

Aos 43, dez minutos de confusão e invasão, os jogadores do Flamengo, sem graça, esperavam no centro do gramado. Aos 44, Wright pediu para Mozer a bola e a colocou no local da falta a favor do Atlético. Wright conversava com Zico. O estádio, agora quieto, aguardava. Aos 45, Palhinha voltou ao gramado e falou com Wright. O árbitro chamou policiais para retirar o atleticano que saiu com mais alguns companheiros de time. Fala Palhinha:

Eu tinha conversado com o Carlos Alberto Silva. Tínhamos quatro jogadores expulsos. Resolvi levar o Alexandre comigo e ele também falou um monte pro Wright. Era para ter sido expulso, nós então ficaríamos com seis, e o jogo teria de acabar. Mas o Wright falou que não adiantava, que não iria mais expulsar ninguém nosso… Aí só restou o João Leite cair no gramado machucado, ficamos sem ter como fazer a alteração, e o jogo acabou…

Mais dois minutos e os atleticanos voltaram para campo. Um cordão de policiamento correu junto à linha de fundo para evitar a invasão de torcedores, repórteres e aspones. Um flamenguista conseguiu invadir o gramado com a bandeira do clube.

Mas não teve mais jogo. O Galo não voltou a campo. A partida se encerrou sob vaias e gritos no Serra Dourada.

Comenta Júnior:

Foi uma completa perda de equilíbrio por parte dos atleticanos. O presidente do Atlético [Elias Kalil] já tinha insinuado várias coisas. É lógico que o Atlético era um timaço. Mas a gente não precisava de ajuda para vencer.

Wright: – Aquele jogo foi a continuação da decisão de 1980, no Maracanã. O Atlético se sentia prejudicado pelo Aragão, eles diziam que tinham sido roubados… O presidente Elias Kalil criou um péssimo clima antes, e levou seus jogadores a um estado de revanche.

Palhinha: – Não sei se o Atlético foi mais prejudicado em 1980, pelo Aragão, ou em 1981, pelo Wright. No Maracanã, o Reinaldo foi expulso depois de o bandeirinha marcar um impedimento absurdo contra a gente. Em Goiás, o Wright começou a expulsar nosso time sem mais nem menos. Não entramos pilhados. Estávamos apenas espertos. Era muito difícil naquela época um time de Minas ganhar dentro de campo… Foi uma pena. Mas não tiro o mérito do Flamengo, que tinha um time sensacional e técnico como o nosso. Não quero desmerecer os títulos deles, mas as arbitragens não foram boas naquela época.

Em 4 de setembro, em Lima, o comitê executivo da Confederação Sul-Americana declarou o Flamengo vencedor por unanimidade por não ter sido o causador dos incidentes. Em seguida, foram divulgados os grupos da fase semifinal, definidos por sorteio. O colombiano Deportivo Cali e o boliviano Jorge Wilstermann seriam os rivais rubro-negros.

Os mineiros recorreram, sem sucesso. Até hoje reclamam de 1980 e 1981

http://ge.globo.com/go/noticia/2015/03/serra-40-anos-troca-na-inauguracao-e-confusao-em-1981-mudam-arbitragem.html

Teodoro de Castro Lino afirma que o episódio serviu para que os árbitros fossem obrigados a melhorar a preparação para os jogos.

00:00/05:30

- O José Roberto Wright tinha parentes em Brasília. Saiu do Rio, foi para Brasília e perdeu a hora. Antes de o jogo começar, já tinham até escalado outro árbitro, mas o Wright chegou em cima da hora, cansado e pressionado. Com menos de 30 minutos, com pessoas ainda entrando no estádio, o jogo já praticamente tinha acabado devido às expulsões. Foi uma grande confusão, os jogadores do Atlético-MG se revoltaram. Depois desse jogo foi criado o plano de trabalho das partidas. Os juízes passaram a ser obrigados a chegar com duas horas de antecedência, conhecer os jogadores, saber quem eram os protagonistas da partida. Na época, não davam muita importância pra isso, mas este jogo no Serra Dourada mostrou a necessidade de se ter uma preparação mais adequada

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O jogo de hoje é muito mais sobre manter o controle emocional e não cair na histeria do adversário, presente em seu DNA, assim como a catimba e o antijogo.

O Flamengo tem que ser Flamengo. Jogar bola, nos braços da torcida.

A classificação virá, dentro dos 90 minutos.

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O Ficha Técnica subirá as 19:00h, ao cair da noite.

Bom die SRa tod@s.