segunda-feira, 11 de abril de 2022

Teimosia Posicional

Salve, Buteco! O domingo reservou para o torcedor do Flamengo interessado no tema tática e treinadores um presente especial - a transmissão, pela ESPN, do confronto entre Manchester City x Liverpool, pela Premier League. Considerados os dois melhores treinadores do mundo na atualidade, Pep Guardiola e Jürgen Klopp estavam frente a frente. Dois profundos estudiosos da tática, mas com ideias e filosofias de jogo bastante distintas, ainda que ambas possam ser taxadas não só de ofensivas, como extremamente agressivas.

Assistindo ao confronto, pude constatar que Gabriel Jesus, atacante com algumas características comuns com o nosso Gabriel Barbosa, jogava aberto pela ponta direita, marcando recuado como um meia interno pela direita ou ainda ocupando a função de atacante mais adiantado pela esquerda (interno e não aberto pela ponta). São dele as seguintes palavras em entrevista pós-jogo à ESPN brasileira:

Os anos vão passando, e desde quando eu cheguei aqui, eu tenho bons números tanto de jogos quanto de gols, enfim, ajudando minha equipe, óbvio que se tratando do elenco que a gente tem, sempre tá mudando, sempre está trocando as peças… Nesta temporada, eu venho jogando bastante de ponta e não de atacante, fico feliz de ter a opção de jogar aberto ou fechado e, enfim, espero que eu possa depois deste jogo retomar a confiança e voltar a ser o Gabriel de sempre.

Da mesma forma que Gabriel Jesus, Kevin De Bruyne e Raheem Sterling também desempenharam diferentes funções na mesma partida. Na ala esquerda, o português João Cancelo, até o final da primeira etapa, era o jogador do City que mais havia finalizado a gol. Poderia perfeitamente marcado um gol como Bruno Henrique, contra o Sporting Cristal. Em alguns momentos pude ver o atacante Phil Foden se posicionando recuado por dentro, para viabilizar os avanços do português.

Impressionou-me ainda ver o também português Bernardo Silva, que em tantas ocasiões assisti aberto pela ponta ou jogando mais adiantado no terço final, ocupar a segunda linha como um organizador de jogadas ou um "volante", como se costuma dizer aqui no Brasil. 

Buscando sempre o máximo controle do jogo, até na execução do "perde e pressiona" o jogo de posição do City de Guardiola tenta sempre provocar o erro do adversário, sufocando-o taticamente, sem lhe deixar espaço para reação.

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Falando no adversário, do outro lado Jürgen Klopp tem preferência pelo que vou me permitir chamar de "pugilismo tático". Os times de Klopp se caracterizam por um jogo muito mais direto e vertical e, ao contrário dos de Pep Guardiola, não buscam sufocar o adversário, mas nocauteá-lo. O "gengenpressing" do alemão é executado mediante disputas físicas diretas e retomada imediata da bola. Não é à toa que é chamado de "O Heavy Metal do futebol".

Diferentemente de Guardiola, Klopp "respeita" as características de cada jogador. Em todo jogo importante do Liverpool estão lá, sempre, os cracaços Mohammed Salah e Sadio Mané, o egípcio pela direita e o senegalês pela esquerda. Trent Alexander-Arnold e Robertson são sempre os laterais e Fabinho o "volante central". Aliás, é desnecessário discorrer mais sobre o Liverpool, que tanto conhecemos.

Ao final da partida, 2x2 no placar. O City terminou o confronto com 55% de posse de bola, com 5 chutes a gol, contra 4 do adversário, visitante. Não existe melhor ou pior entre esses dois fantásticos treinadores e times. Existem diferentes visões sobre o futebol e maneiras de jogá-lo.

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É curioso como Jorge Jesus idolatra Johan Cruyff, mas estruturou o Flamengo em um modelo muito mais próximo ao do Liverpool de Jürgen Klopp. O elenco rubro-negro montado em 2019 não tem absolutamente nenhuma relação com o jogo de posição de Pep Guardiola e Marcelo Bielsa (e outros). O time multicampeão de 2019 até o primeiro semestre de 2021, hoje "multi-vice-campeão", foi montado dentro de uma filosofia também muito mais próxima a de Jürgen Klopp no Liverpool - time titular, jogadores principais e coadjuvantes, funções táticas básicas definidas para cada atleta.

Certamente por isso as mudanças implementadas por Paulo Sousa sofrem tantas resistências. Se existe algum "grande culpado" pela situação que o Mais Querido vive no momento, certamente é o responsável pela escolha, que não reformou o elenco e não enxergou (ou pior, subestimou) o previsível conflito, até porque já havia ocorrido duas vezes antes, com Rogério Ceni (aqui em bem menor intensidade) e Domènec Torrent.

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Conversando com alguns amigos e tentando explicar a filosofia posicional e o choque cultural existente com o elenco, alguns entenderam, no início, que eu estaria defendendo o treinador português. Longe disso. Apenas entendo que compreender o que está ocorrendo ajuda inclusive a compreender melhor e dimensionar o tamanho do erro na escolha.

Na verdade, o nosso atual treinador português também merece suas bordoadas. Afinal de contas, se faltou discernimento a quem o escolheu, o que se dizer de quem aceitou o encargo e dizia conhecer todo o elenco, a ponto de entregar um relatório à Diretoria com as características de cada atleta?

Paulo Sousa sabe perfeitamente que a temporada de verdade do Flamengo já começou e, até o momento, entregou o Flamengo de Rogério Ceni com menos força ofensiva. Parte disso, lembremos, não é culpa dele, já que não recebeu os reforços que pediu e, pelo que diz, foram-lhe prometidos ainda na festiva e conturbada (para não dizer circense) viagem da Diretoria a Lisboa, no final do ano passado. 

Por exemplo, a ausência de meias "box-to-box" torna no mínimo problemática a atuação da linha de quatro que atua entre os zagueiros e os atacantes no 3-4-3 utilizado quando o time tem a posse de bola. Porém, ainda assim, os pecados do Departamento de Futebol do Flamengo e da Vice-Presidência de Futebol não o eximem de responsabilidade.

Com efeito, o rombudo Flamengo de Paulo Sousa é também fruto de sua teimosia portuguesa e de seus delírios guardiolescos, que, aliás, compõem uma mistura um tanto inusitada. Por exemplo, querer transformar Bruno Henrique no João Cancelo do Flamengo é uma decisão no mínimo bizarra, cuidando-se de um dos atacantes mais decisivos e importantes do futebol brasileiro atual, porém relegado a um inusitado banimento para a ala esquerda, longe da grande área adversária. 

Ora, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa talvez formem a melhor dupla de ataque brasileira desde Bebeto e Romário (não que estejam no mesmo patamar, que fique claro), porém o que o nosso atual treinador português resolveu fazer é mantê-los o mais distante possível um do outro, e também de Giorgian De Arrascaeta.

Se a alternativa de Paulo Sousa gerasse maior rendimento, seria de se pensar. Todavia, e muito pelo contrário, a "solução" está destruindo o rendimento de ambos, especialmente o de Gabriel, mesmo que se considere a queda de rendimento do atleta, ocorrida a partir do segundo semestre de 2021. Excessos no extracampo do nosso atacante à parte, a "solução Sousa" só fez piorar o problema, ainda que se possa criticar a mentalidade do atleta brasileiro, normalmente avesso à ideia de variar de posição ou função tática.

E o que dizer de Marinho? Reflete ou não uma postura colonizadora (para ser eufêmico) esse discurso de que chegou para "educar" e que existem atletas com menos capacidade cognitiva para compreender os seus conceitos? É minimamente razoável a decisão de aproveitá-lo tão pouco, se ofensivamente o Flamengo de Paulo Sousa rende tão pouco?

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A primeira janela de transferências internacionais se fechará amanhã e a segunda somente estará aberta no período de 18 de julho a 15 de agosto. Até lá, só poderão ser contratados jogadores no mercado nacional ou, se oriundos do estrangeiro, estando na condição de free agents, ou seja, sem vínculo com outro clube.

As oitavas de final da Copa Libertadores da América/2022 têm sua disputa prevista para os meios de semana de 29 de junho e 6 de julho.

O Flamengo precisa sobreviver até a segunda janela, com ou sem Paulo Sousa.

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Consta que o Talleres de Córdoba, goleado por 1x5 pelo Defensa y Justicia de Sebastián Beccacece no final de semana, teria ido a campo com uma formação alternativa.

O certo é que, aparentemente desfalcado na zaga, o Flamengo precisará da proteção do nosso padroeiro São Judas Tadeu no jogo de amanhã.

A palavra está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.


São Judas Tadeu, jogai por nós