segunda-feira, 21 de março de 2022

Ainda a (Falta de) Fome


"Penso que a nossa intensidade não foi a... especialmente mental; os principais protagonistas, como foi o caso do Arrasca, não teve no seu melhor, nos primeiros 20 minutos (...)" 
Paulo Sousa, respondendo a pergunta de Cahe Mota (@cahemota) na entrevista coletiva de ontem.

Salve, Buteco! Confesso que o assunto está me cansando. Muitas vezes o "queremos raça" é visto como uma simplificação rasa da falta de qualidade tática ou técnica de um time de futebol. E muitas vezes não passa disso mesmo. Mas depois de 2019 acredito ser inegável que a preparação psicológica ou "mental" dos atletas de futebol de alto rendimento é um dos elementos chave para o sucesso de uma equipe.

Há pouco mais de um ano eu publiquei este post falando sobre a psicologia organizacional e a importância de sua aplicação no esporte. Não se cuida de acompanhamento terapêutico seriado, mas de aplicação de informações e práticas para resolver e prevenir conflitos no ambiente de trabalho, auxílio aos chefes para motivar seus funcionários e, ainda, criar culturas positivas no ambiente profissional, de modo a aumentar os índices de produtividade e eficiência.

É curioso como, naquele post, mencionei os casos de Léo Pereira, Vitinho e Michael. No curso de 2021, os dois últimos coincidentemente (ou não, a depender do ponto de vista) revelaram que procuraram ajuda psicológica para superar as dificuldades que tinham em lidar com a pressão de jogar pelo Flamengo. O caso de Michael é mais notório, mas talvez muitos não tenham lido as importantes declarações de Vitinho sobre o seu afastamento das redes sociais e o tema:

– Se eu não tivesse o contato, não me afetaria. Então, se eu não vejo o que está acontecendo ou o que falam, não tem como isso me afetar. Então, eu me privei disso, porque era algo que não me trazia um sentimento bom. E eu procurei ajuda, passei a fazer terapia, faço coaching. E hoje eu consigo me abrir. Isso foi importante para mim também, para melhorar a minha autoestima, para recuperar algumas coisas que eu tinha perdido. Eu cresci e me sinto pronto cada vez mais.

Ocorre que o Departamento de Futebol Flamengo parece entender que a atuação da psicologia no esporte somente se justifica os atletas que "precisam" de acompanhamento psicológico seriado, devido a passaram por problemas pessoais, como demonstra essa matéria do site Mundo Rubro-Negro. A propósito, vejam as declarações do diretor de futebol Bruno Spindel:

“Quando necessário (o psicólogo) tem. A profissão de treinador tem uma necessidade transdisciplinar, e o Mister tem essa formação. A parte mental muito passa pelo treinador. Ele tem a preocupação com a parte mental dos atletas.” 

Longe de mim cravar que a falta de um psicólogo junto ao elenco profissional foi e é o fator determinante para a queda de rendimento no período pós-Jesus, até porque, no futebol brasileiro, o tema encontra notórias resistências. Logo, é aceitável que o clube procure outras formas de "trabalhar o mental/psicológico do elenco". Ocorre que, desde que afastou o psicólogo da estrutura do Departamento de Futebol, em março de 2019, e desde que Jorge Jesus deixou o clube, levando consigo o coach mental Evandro Mota para compor a comissão técnica do Benfica, o Flamengo deixou de ter qualquer tipo de profissional dedicado de modo específico a essa área.

Não duvido que Mister Paulo tenha formação na área e parece claro que se preocupa bastante com o tema, a ponto de ser recorrente em suas entrevistas coletivas, seja na metáfora da "falta de fome", seja em abordagem mais direta, como ontem - "parte mental". Contudo, acredito que o problema seja maior do que o vice-presidente de futebol Marcos Braz e os profissionais do clube imaginam. Ressalvada a decisão da Supercopa do Brasil contra o Atlético Mineiro, há tempos não se vê o Flamengo "mordendo" como antes. A meu ver, nem mesmo na final da Libertadores isso aconteceu.

No jogo de ontem, o Vasco da Gama, que, com todo o respeito a sua História, tem um time limitadíssimo, jogou abafando o Flamengo e quase abriu o placar. Durante cerca de 20 minutos, o Flamengo não ganhou uma dividida sequer e se viu sufocado por uma equipe tática e tecnicamente muito inferior.

Simplificação rasa é afirmar que o problema da apatia da equipe, que precede Paulo Sousa, não existe.

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Compreender o jogo de ontem, além da apatia do trio ofensivo composto por De Arrascaeta, Pedro e Gabigol, passa também pela pergunta de Carlos Eduardo Mansur (@carlosemansur) a Mister Paulo e a questão da "primeira pressão" e a recomposição defensiva quando Gabigol joga pela direita. Tal como no jogo do Engenhão, o veteraníssimo Nenê passeou nas nossas entrelinhas e finalizou com perigo à meta de Hugo na parte inicial das duas etapas.

Gostei do Lázaro, seguido de David Luiz, e só. Além do trio ofensivo, Arão teve uma atuação desastrosa até o gol, e Hugo, Rodinei, Fabrício Bruno, Filipe Luís e João Gomes alternaram bons e maus momentos. Mais um 1x0 que deixou a sensação de falta de apetite e tédio.

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Até aqui, Mister Paulo tomou algumas decisões das quais discordei bastante. Fui enfático quanto à utilização de Diego Ribas em jogos de maior porte (parece que Mister Paulo abandonou a ideia) e também ressaltei que a experiência de Everton Ribeiro como ala acabou se estendendo mais do que deveria. Além disso, é inegável que esse time ainda não deu liga.

Só que, na minha cabeça, os assuntos preparação mental e formação tática se misturam dentro de um Departamento de Futebol que quer ver o treinador implantar uma filosofia que colide frontalmente com antigos hábitos do jogador e do futebol brasileiro, mas despreza mental coach e acha que psicologia no futebol serve apenas "para quem precisa". Então, não consigo identificar até que ponto termina o problema dos jogadores e começa o do técnico (se é que há algum problema com o técnico). Será que o problema do futebol do Flamengo não é estrutural?

Na coletiva de ontem, Mister Paulo afirmou que leva tempo romper com antigos hábitos. Acho, sinceramente, que se nem a perda da Libertadores foi suficiente para esse grupo mudar a atitude, talvez não devamos manter esperanças de que alguma mudança radical ocorra sem uma profunda reformulação do elenco e do próprio Departamento de Futebol. Torço para estar equivocado.

Como isso, se acontecer, certamente demorará bastante, a curto prazo torço apenas para que venha o Fluminense, até para termos uma melhor medida do que nos aguarda no restante da temporada.

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A palavra está com vocês.

Bom die SRa tod@s.