segunda-feira, 16 de julho de 2018

O Fim do Ócio e a Volta do Ópio

Salve, Buteco! Quem nunca ouviu a expressão “cabeça vazia, oficina do diabo”Existe em vários idiomas, como, por exemplo, no inglês: “empty head, devil's workshop”. As filosofias orientais pregam o “esvaziamento da mente” como forma salutar de nos desapegarmos de dogmas e ideias rígidas que obstaculizam o desenvolvimento espiritual e humano em vários níveis. Aviso que não é disso que se trata. O papo aqui é bem mais simples: torcedor de futebol fanático sem ter assunto para discutir (bola rolando), o que sempre ocorre durante a paralisação das competições, geralmente todo ano ao final da temporada, mas em anos de copa do mundo também na metade. O tema inevitavelmente é o mesmo: reforços. No mundo inteiro, diga-se de passagem. Não há clube que tenha um número minimamente relevante de torcedores que não se movimente em torno do tema.

Até pouco tempo atrás o Flamengo tinha como elemento quase descritivo do clube a monstruosa e aparentemente impagável dívida, cujos principais efeitos deletérios eram um verdadeiro caos administrativo e uma forte asfixia esportiva. Entretanto, há pouco mais de dois anos que a discussão vem sendo redirecionada para como gerir esportivamente de forma eficiente um clube saneado no aspecto financeiro, situação para a qual muitos contribuíram, desde o grupo da Chapa Azul original até o atual presidente e sua diretoria.

Com mais dinheiro no caixa do que em qualquer outra temporada ou janela internacional de transferências, criou-se uma enorme expectativa quanto ao desempenho do Flamengo no mercado e então todo o complexo universo rubro-negro, composto pela maior torcida do mundo, sócios, conselheiros, dirigentes e quem sabe até o pessoal da sede social, passou a discutir o tema da hora em um contexto de melhor condição financeira: reforços.

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Cabeça de torcedor, oficina do diabo. Viajamos na maionese, Pessoal. Eduardo Bandeira de Melo, autoridade máxima no clube desde 2013 e até o final de 2018, é o presidente que considera Pará um grande investimento, que queria a manutenção do Márcio Araújo, do Muralha, do Gabriel e do Rodrigo Caetano; é o presidente que, ao ser indagado sobre o substituto de Carpegiani, respondeu “vamos levando” e permitiu que o interino Maurício Barbieri (grande surpresa, está indo muito bem!) dirigisse o time; o mesmo presidente que repetiu inúmeras vezes que os títulos virão na hora certa e que o trabalho está sendo bem-feito, responsável direto e sustentáculo da política que relativiza a conquista de títulos em favor de boas posições no campeonato e dos números do desempenho financeiro. Enfim, a mesma pessoa que até hoje não explicou claramente como está sendo aplicado o dinheiro da venda de Vinicius Jr. e das outras negociações (Vizeu, Jonas e Rueda). Esse é o nosso presidente.

O Bandeira não quer trazer Vitinho, Ryan Babel ou Enner Valencia; quer o Marlos jogando para gastar menos, ter melhor desempenho financeiro e dizer que fez um baita trabalho de gestão esportiva, apesar das incessantes cornetas soprando em sentido contrário. Nosso presidente quer dar outras chances a Geuvânio e aposta na recuperação de Berrío. Quem imagina que o Bandeira pagará quinze milhões de euros por Vitinho, sete por Ryan Babel ou doze por Giuliano está simplesmente se iludindo, e aqui não avalio quem vale ou não essas cifras, até porque o mercado não se resume a esses três jogadores.

Acho até provável que o clube tenha mandado emissários para a Turquia e a Rússia, mas quem analisar todo o contexto sem um pingo de emoção concluirá que tudo isso, na cabeça do presidente, ocorreu à base do “vamos levando”. Funciona mais ou menos da seguinte maneira: faço uma proposta inexequível aqui, outra ali, peço para parcelar em tantas vezes e enquanto isso o Barbieri arma o time. Se o Marlos e o Rômulo funcionarem, declararei confortavelmente que o clube mudou de planos graças ao grande trabalho do meu Departamento de Futebol, que eu montei. Se a base resolver mais uma vez, melhor ainda,  e vai que a situação do Vinícius Jr. tem uma reviravolta? Mas se a barra pesar demais, ainda sobrará um tempinho para usar o dinheiro que reservei (nada tão significativo perto do que arrecadei) e subir a oferta de uma ou duas negociações que estou cozinhando. Ainda poderei dizer que reforcei o time, com muitas dificuldades, mesmo com um mercado inflacionado e a relação de câmbio desfavorável.

Reparem que a janela de transferências internacionais abre hoje, 16 de julho, e se fechará 15 de agosto, mas na cabeça do presidente o prazo existe para avaliar o que precisa fazer e não para executar um plano previamente elaborado. Quem quer voltar reforçado da paralisação para a Copa do Mundo fecha negócio e paga antes da janela abrir, deixando pendente só a burocracia para a transferência; quem administra com base na filosofia “vamos levando” aposta na inação e espera as coisas acontecerem para decidir se vai reagir.

Se algo diverso ocorrer, fugindo dessa típica programação com selo EBM de gestão esportiva, terá como causa a pressão que historicamente pauta várias decisões no Clube de Regatas do Flamengo, tomadas em meio a intensos conflitos internos entre as inúmeras forças que compõem a política interna do clube. Aliás, não ocorreram exatamente assim as demissões de Rodrigo Caetano e Paulo César Carpegiani há poucos meses?

Creio que o presidente Eduardo Bandeira de Melo e sua forma de gerir o clube formam um contexto absolutamente peculiar. Em torno dele, há quem o apoie incondicionalmente e quem tenta fazer do limão uma limonada. Todo mundo parece apostar em permanecer no poder a longo prazo. É inegável, contudo, que a gênese dessa mentalidade, que administra o clube como se fosse um banco ou um supermercado esportivo, é o presidente.

O "xis" da questão é se, a exemplo do que ocorreu em relação a Barbieri, a política do "vamos levando" nas reposições do elenco funcionará no final do ano. Resta-nos torcer, pois o amor pelo Mais Querido está acima de qualquer dirigente ou atleta.

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Dizem que o futebol é o ópio do povo. Bem, o que posso dizer, de minha parte, é que estava cansado do ócio e saúdo a volta do meu ópio. Conto os minutos até quarta-feira e semana que vem, aliviado, voltarei a falar do Mais Querido dentro das quatro linhas.

A palavra está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.