segunda-feira, 23 de abril de 2018

Sorte

Salve, Buteco! Tenho certeza que ao menos uma vez vocês participaram de alguma troca de ideias envolvendo o fator sorte ou acaso nas campanhas dos títulos de 2009 e 2013, os dois últimos de grande envergadura conquistados pelo Flamengo. Mesmo a campanha de 2009, inobstante haver em parte coincidido com o final de um período de mais ou menos três anos de gestão do vice-presidente de futebol Kleber Leite, e portanto, em parte, ser resultado de um trabalho de longo prazo, teve uma indiscutível participação do acaso, e não apenas pela troca de treinador. Por exemplo: o então vice-presidente Marcos Braz tentar contratar o volante Corrêa, não conseguir e acertar em cheio na segunda tentativa, o chileno Maldonado, que, a rigor, que atingiu o ponto máximo da curva de desempenho exatamente nos primeiros meses de contrato, coincidentes com a arrancada pelo título. Mas esse é só um exemplo dentre vários outros: o "canto do cisne" das carreiras de Petkovic, Álvaro, Ronaldo Angelim e Zé Roberto, ou mesmo, em relação ao sérvio, a inusitada decisão do presidente em exercício Delair Dumbrosck, empurrando sua contratação goela abaixo de todo o Departamento de Futebol em troca da negociação de uma dívida antiga. Quem poderia imaginar?

E o que falar de 2013 e do súbito pedido de demissão de Mano Menezes? Quem foi Hernane Brocador antes e depois de 2013? E o Paulinho? E o Amaral? E o Luiz Antônio? E Jayme de Almeida, como treinador?

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Não é pequena a parcela da torcida que sonha com um grande trabalho de longo prazo no Departamento de Futebol, baseado em uma filosofia criteriosa que revele grandes jogadores e resulte em numerosos e importantes títulos. No Flamengo, porém, o sonho parece distante. Basta uma rápida olhada na frequência com que o clube troca seus treinadores do elenco profissional. É bem verdade que essa nada saudável prática é antiga e se tornou paulatinamente uma tradição nociva à medida em que a "Geração Zico" ficava para trás, mas também é verdade que a partir de 2013 o clube passou a ser muito bem gerido nos campos administrativo e financeiro, sendo que a própria estrutura do Departamento de Futebol cresceu extraordinariamente, a ponto de ser considerada de primeiro mundo, incluídos o centro de treinamento e o acesso a tecnologia.

O avanço administrativo e financeiro propiciou ao clube ter um elenco caro e acima da média para os melhores padrões nacional e sul-americano. Ainda assim erros colossais são cometidos com frequência indesejável e inesperada. A gestão de futebol no Flamengo continua amadora e incipiente, tal como nos piores anos da história do futebol do clube.

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O jogo de sábado me lembrou muitos outros dos tempos de "vacas magras", especialmente na primeira metade do século, em confrontos contra pequenos paulistas, paranaenses ou gaúchos pelas competições nacionais. Apesar de não faltarem exemplos rubro-negros, dessa vez como referência utilizarei um jogo ao qual assisti no Estádio João Alvalade, em Lisboa, em 2011, entre Sporting x Portimonense. O futebol alemão vinha de uma ótima campanha no Mundial de 2010, no qual apresentou um estilo de jogo surpreendente pela ofensividade, tendo como dois dos destaques os "pontas" Thomas Müller e Lucas Podolski. Em contraposição à objetividade alemã, o futebol de acachapante posse de bola da Espanha de Andrés Iniesta e Cesc Fàbregas. A Alemanha, quatro anos depois, meio que "fundiu" os dois estilos com o inesquecível meio campo composto por Khedira, Schweinsteiger, Kroos e Özil. Mas isso não vem ao caso. Vamos ao Portimonense...

Sabem a expressão "nó tático"? Pois é. O time da capital portuguesa, com um 4-4-2 engessado, literalmente não viu a cor da bola dutante boa parte do jogo. O modesto time da região de Algarve emulou o esquema tático alemão de 2010 e bateu na cara do gol lisboeta, arrisco dizer, por quase uma dezena de vezes. Adivinhem qual foi o placar final? Sporting 2x1. Venceu o time que tinha Matías Fernandez (Seleção Chilena, Colo Colo, Villareal, Fiorentina, Milan e Necaxa), Postiga (Seleção Portuguesa, Porto, Panathinaikos, Lazio, Valencia e La Coruña), Yannick Djaló (Benfica, Toulouse, Seleção Portuguesa) e um obscuro russo de nome Izmailov, endiabradamente habilidoso, porém instável e absolutamente imprevisível, que acabava de voltar de contusão e premiou o público com uma atuação individual muito boa.

À medida em que as memórias do jogo de Lisboa chegavam, passei a imaginar como deve ser mais fácil implantar uma filosofia tática em um time pequeno do que em um grande clube, com muitos recursos financeiros, casos de Flamengo e Sporting Lisboa. A pressão dos empresários é muito menor; a política interna, bem menos efervescente e com muito menos gente disputando interesses econômicos e políticos no departamento de futebol, além da quase inexistente pressão da torcida.

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Vamos nos concentrar apenas no Flamengo em 2018. Nos bastidores, trava-se uma verdadeira batalha de egos e poder entre o presidente e sua cada vez menor base de apoio. Após o desabafo pós-eliminação do Estadual, feito pelo vice-presidente de futebol, tornar insustentáveis as permanências do treinador e do gerente executivo, além de quase todo o restante do Departamento de Futebol, começou uma espécie de "limpa" que, a rigor, deveria ter ocorrido no final de 2017. Decisões como as saídas do útil, mas superdimensionado Everton Cardoso, e, dizem, do opaco Rômulo vão acontecendo devagar e no meio de mais uma tensa e dramática campanha na fase de grupos da Libertadores, e muito mais por força das circunstâncias (saída de Rodrigo Caetano) do que propriamente por mudanças no planejamento. Mas tudo em ritmo lento, a conta-gotas, porque mais importante, claro, é a sucessão na Presidência do Flamengo...

Cada qual enxerga as coisas sob seu ângulo, mas para mim o mais bizarro de 2018 é o auxiliar tomar o lugar do treinador e manter as mesmíssimas decisões, até mesmo quando o time é alternativo ou misto. Reparem que, além da escalação e do esquema tático serem os mesmos para  o time titular, o alternativo segue o mesmo padrão de mudanças: dois pontas abertos na goleada sofrida para o Fluminense, idem na vitória sobre o América/MG, com os desfalques de Diego e Everton Ribeiro.

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Eu diria que o Flamengo regrediu de um patamar baixo para um rasteiro ao deixar de ter a experiência e a ousadia às vezes inconsequente (e sem critério!) de Carpegiani e hoje contar com a inexperiência e a cautela indecisa de Barbieri. Porém, tal como no exemplo do Sporting Lisboa, o Flamengo também tem um elenco composto por atletas que podem fazer a diferença em um confronto contra pequenos pelo Campeonato Brasileiro, pela Libertadores, contra o Santa Fé em Bogotá, ou pela Copa do Brasil, contra a Ponte Preta em dois confrontos. É inegável, porém, que os atletas do nosso elenco são muito maiores do que o treinador, podendo-se dizer até mesmo que sua relação com o comandante é de criadores e criatura. No jargão popular, é como se o poste estivesse urinando no cachorro.

Em um quadro como esse, a margem de influência do fator "sorte" é muito maior do que deveria. E nada indica que teremos mudanças a curto prazo, já que até 2019 a política dificilmente cederá espaço para o futebol no Mais Querido do Brasil.

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Neste cenário de absoluta imprevisibilidade rubro-negra, acredito que seja possível dizer que o Santa Fé, também passando por uma crise extracampo no Departamento de Futebol, até aqui, nas atuações pelo Grupo 4 da Libertadores, contra adversários bem mais fortes do que os enfrentados nas fases anteriores da competição, demonstrou possuir um forte sistema defensivo, especialmente como visitante, porém alguma dificuldade para marcar gols, característica negativa minimizada pela grande fase vivida por seu centroavante Morelo.

Mal comparando, vejo Flamengo e River Plate com elencos equilibrados, com sistemas de jogo parecidos e seus times rendendo menos do que o esperado, mas ainda assim em um padrão superior aos dos dois outros adversários, devido à superioridade individual de seus atletas. O Emelec é o time mais ofensivo dos quatro e impressiona como joga com a bola no chão através de trocas de passe em velocidade no ataque. Taticamente é organizado, porém tem o elenco mais fraco dos quatro. É uma espécie de Vitória (clube de inegável tradição ofensiva) com trio elétrico e rodas de liga leve no Grupo 4. Já o Santa Fé é taticamente mais conservador e não exita em adotar uma retranca quando precisa. Só vimos o Emelec enfrentar o Flamengo e o River Plate como mandante, mas tomando por referência a partida contra o Santa Fé, arriscaria dizer que é mais perigoso como visitante. É possível que, como mandantes, os colombianos tenham muita dificuldade para enfrentar Flamengo e River Plate.

Ainda com base na partida entre Santa Fé x Emelec, penso que a chave para o Flamengo será jogar ofensivamente, incomodando sempre a defesa adversária, como no primeiro tempo e até vinte e poucos minutos do segundo tempo da partida de 2017 contra o San Lorenzo, no Gasômetro, e contra o Emelec, há poucas semanas, em Guaiaquil. O meu medo é Barbieri, no segundo tempo, optar pela "estratégia Zé Ricardo", adotada no segundo tempo no Gasômetro e, pelo nosso atual treinador interino, no Barradão, contra o Vitória, e no Maracanã, contra o América/MG.

Que a sorte seja rubro-negra...

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A palavra, como sempre, está com vocês.

Bom dia e SRN a tod@s.