A necessidade de agir.

Júnior,
com anos e anos de carreira nas costas, agora treinador, sabe como
essas coisas de futebol funcionam. Já percebeu que o arranjo que
concebera para o time não deu nem dará certo. A goleada mostrou
isso de forma devastadora, cristalina. Crua.
E
agora a corda está lhe apertando o pescoço de forma incômoda, mas
reversível. Ainda.
Não
tem sido fácil o início da temporada do “novo Flamengo”, que se
pretende construído sob a égide da austeridade e do “amor à
camisa”. Vivendo grave crise financeira, o clube promoveu um
robusto desmanche em seu elenco. Renato Gaúcho, Casagrande, Edu
Lima, Éder Lopes, Jorge Antônio. E algumas joias da coroa, os
egressos da base de 1990, já prontos para se tornarem realidade:
Júnior Baiano (US$ 400 mil, São Paulo), Piá (US$ 200 mil, Santos)
e Marcelinho (US$ 600 mil, Corinthians). Cinco, seis titulares.



“Júnior
tem todo nosso apoio e nossa confiança. Mas a gente sabe como são
as coisas. Não teremos como segurá-lo em caso de nova derrota no
domingo”.
Mas
o Maestro já sabe o que fazer. Já entendeu os motivos da falta de
combatividade e da lentidão da equipe. Com efeito, dos reforços
contratados apenas Charles tem contribuído com gols. Mas o baiano é
lento, não dá dinamismo ao ataque. A visível falta de condições
atléticas de Valdeir e Dias não ajuda a melhorar o quadro.
Boiadeiro, por sua vez, parece estar começando a se encontrar, mas
ainda oscila. Enfim, as contratações ainda não engrenaram.
Júnior
já tem o diagnóstico. Precisa injetar combatividade e velocidade na
equipe. Irá promover algumas alterações. Barrar medalhões. Sabe
que não será fácil. Será ainda mais pressionado, contestado por
tirar do time os caros reforços. Mas a decisão já está tomada.
Esperto, esconderá a escalação e só anunciará as mudanças no
dia do jogo. No entanto, o destino de Dias e Valdeir já está
selado. Irão para a reserva. Mais um volante (Fabinho) irá para o
meio.
A
outra vaga irá para o garoto.
Tratado
como uma verdadeira joia das divisões de base, o garoto é, de
longe, o mais habilidoso jogador revelado desde a já distante
Geração de 1989/1990. Aliás, seu talento chega a ombrear ou mesmo
superar o de alguns expoentes daquela safra. Tratado com cuidado,
atravessou todas as etapas da transição para os profissionais,
sendo eventualmente utilizado em jogos de times “aspirantes”,
concentrando com os titulares, participando do dia-a-dia dos
profissionais. Até receber uma chance num dos últimos jogos da
temporada anterior e incendiar uma partida quase perdida, que por
pouco não resultou numa improvável reação. Já estava pronto para
integrar o plantel.
Nessa
temporada foi usado aos poucos, entrando no decorrer dos jogos. Mas
em praticamente todas as partidas em que entrou, provocou brutal
melhora no desempenho do time, tornando-o insinuante, agudo,
agressivo. Transformando atuações burocráticas em goleadas.
Reveses em reações. Criando uma noção crescente e sólida de
estar “pedindo passagem”.
“Minha
hora chegou. Aliás, demorou. Eu já deveria ter entrado antes”. O garoto
recebe a notícia exalando auto-confiança, quase uma marra
aparentemente incompatível com seu físico franzino e sua cara de
bom moço.

O
Flamengo empata com o Botafogo (1-1), mas joga melhor e merece a
vitória. Pela primeira vez no ano, termina um clássico dando a
impressão de ter superado seu oponente. As mudanças promovidas por
Júnior melhoram o time, que se torna mais seguro e equilibrado. O
garoto agrada bastante em sua estreia como titular, dando velocidade
à equipe e criando várias chances de gol.
Mas
o empate é insuficiente para amenizar a pressão sobre Júnior. O
Presidente demonstra visível insatisfação pela barração dos
reforços e dá um último aviso ao treinador: “Não vamos
interferir na escalação. Ele é livre para colocar em campo quem
achar que deve. Mas assumirá a responsabilidade por suas escolhas”.
O Flamengo precisa ao menos de um empate na última rodada, contra o
Olaria na perigosa Rua Bariri, para evitar o vexame de uma eliminação
precoce.
Júnior
mantém a escalação e o Flamengo vence (2-1), com atuação
relativamente segura. O garoto novamente tem boa atuação e chega a
acertar a trave do adversário. Aliviado, Júnior avisa: “encontramos
o time, agora é entrosá-lo”.
Dez
dias na Granja Comary. O Flamengo prepara-se para a estreia no
Quadrangular, contra o Fluminense que, pelo retrospecto recente, é
tido como favorito. Realiza um jogo-treino contra o Entrerriense.
Goleia sem dificuldades, 6-0. O garoto participa de quatro gols,
marca um e sai do treino ovacionado. Está voando, parece imparável.
Chegou,
de fato, a sua hora.
* * *

Nasce
o Anjo Louro da Gávea.