Está
quente.

Mas
ninguém liga.
Todos
ali reunidos, jogadores, comissão técnica e dirigentes, estão
abraçados em círculo. Dentro de instantes, o time do Flamengo sairá
do vestiário em direção às escadarias emborrachadas que o
conduzirão ao campo de jogo e de batalha.
É
dia de jogo importante. Jogo decisivo. Jogo grande.
Ninguém
sorri. Ninguém brinca. Ninguém se permite desviar um átimo do
protocolo que define desde tempos imemoriais a liturgia de preparação
para o primeiro grande momento do dia, a hora em que jogadores e
torcida se reencontrarão e se abraçarão, irmanados no único grito
capaz de fazer tremer o colossal templo de concreto, ora apinhado
daquela gente irmanada na fé. Daqui a pouco, os jogadores serão
acolhidos ao tonitroante grito de “MEEENGOOOO”. Terão a certeza
que não estarão sozinhos. Nunca estão.
Mas
agora é a hora da preleção. O treinador, o capitão, os líderes
começam a falar. Ninguém se atreve a sequer piscar. Todos, sem
exceção, absorvem tudo o que é dito, gritado, pregado em voz
assertiva, que ali, mais do que nunca, torna-se a mais absoluta das
verdades. Dogma.

“Eles
são bons. Mas nós somos melhores. Os bons morrem lutando. Não
temos o direito de morrer lutando. Não temos o direito de morrer.
Porque não nascemos para morrer. Nosso compromisso é com a vitória.
Tá no nosso hino. Vencer, vencer, vencer. Nós vamos lá fora agora
e só voltaremos de lá com a vitória. Com o inimigo morto. Deitado.
Lá dentro, toda bola é nossa, toda dividida é nossa, o maior grito
é nosso, a iniciativa é nossa, o controle é nosso, as armas são
nossas. Vamos acuá-los, encurralá-los, empurrá-los, esmagá-los.
Vamos tornar aquilo um inferno pra eles. Eles vão pedir pra parar.
Eles vão arregar. Eles vão pipocar. Porque nós, em nenhum momento,
vamos fraquejar. Porque somos fortes. Somos grandes. Somos maiores.
Somos Flamengo.”
“Nossa
torcida está lá fora. Lotaram o estádio. Confiam na gente. Quem é
Flamengo sempre confia. Sempre acredita. Porque sabe que aqui só se
conhece a luta. A vontade. A força da camisa. Nossa torcida vai nos
dar as mãos. Vamos dar as mãos a eles. Vamos jogar juntos. Eles
estão aqui, estão na rua, no radinho, na TV, fazendo força pra
gente. Rezando pela gente. E agora está na nossa mão fazê-los
felizes. Orgulhosos. Então, vamos subir AGORA e vamos dar ao nosso
torcedor o que ele merece. O que ele pede. O que ele sonha. Vamos
fazer nossa torcida feliz. Vamos ser felizes. JÁ.”
A
corrente está no fim. Olhos esbugalhados, saliva balbuciando
pendente do canto da boca, veias saltadas. Alguns com a pele
arrepiada. Estão todos agora unidos em um fervor religioso, soldados
prontos para a batalha. Um deles, normalmente quieto, usualmente
soturno, de poucas palavras, irá fazer a manifestação final. O
grito de guerra. O clamor que está preso na garganta de milhares, de
milhões. E o berro vem das entranhas, selvagem, animalesco, um urro
gutural que rebenta em cheio no mais profundo de cada alma daquele
vestiário. O brado libertador, que rapidamente é seguido em coro. O
lema que permeará as próximas duas horas.
“VTNC,
BOTAFOGO!”
E
vão para o túnel.