Assume numa crise.

E essa
não é apenas mais uma crise. É daquelas caudalosas, bombásticas,
que reverberam do Porteiro ao Presidente. A sensação é a do mais
completo e absoluto caos. O Flamengo parece viver um inferno astral
sem a mais remota perspectiva de desfecho a curto prazo.
Com
efeito. Zico é repatriado, com festa. Faz um punhado de jogos e é
abatido a patadas. Está fora da temporada. Dessa e da próxima.
Sócrates, titular da Seleção e um dos principais jogadores
brasileiros, é contratado sob as bênçãos de uma torcida eufórica.
No seu segundo treino, pisa num buraco e fratura o tornozelo. Vai
ficar meses fora. O time, abatido, faz péssimo Primeiro Turno, que
culmina numa goleada histórica e humilhante sofrida para o Vasco.
Que faz
rebentar a crise.
O
ambiente político incandesce. O Presidente, pressionado, afasta o VP
de Futebol. Vai acumular a Pasta. Mas o bombardeio vem de todos os
lados. A Oposição clama por seu impeachment, alegando
irregularidades diversas. Um aliado importante vai aos jornais
reclamar da “falta de comando” do Dirigente (“institucionalmente
o clube vai bem, mas o futebol está imerso em um marasmo. Não
ganhamos nada há dois anos.”). As divergências quanto ao
tratamento da lesão de Zico derrubam o responsável pelo
Departamento Médico. É uma fase tão nefasta que mesmo um avanço
importante, como o início da construção da nova sede na Gávea,
enfrenta dificuldades inusitadas, como a constatação de que as
fundações da obra foram instaladas ao contrário, o que faria com
que a sede fosse posicionada com os fundos para a Lagoa Rodrigo de
Freitas.
E é
assim que o interino assume.
No Rio, a
Diretoria busca um novo nome. Pensa-se em Carpegiani, mas o nome
ainda enfrenta forte rejeição interna no clube. Parreira é outra
opção, mas logo descartada, por estar sob contrato no Qatar. A
preferência real do Presidente e de boa parte da Diretoria recai
sobre Telê Santana, que, além de desfrutar de prestígio na Gávea,
possui bom relacionamento com a maioria dos principais jogadores do
elenco, com quem trabalhou na Seleção. Mas Telê está vinculado ao
Al-Hilal e ainda precisa cumprir mais seis meses de contrato, do qual
os árabes não abrem mão. Ademais, o treinador já está apalavrado
para dirigir a Seleção no Mundial, o que provocaria certa divisão
de foco. Descartado Telê, outros nomes vão surgindo à mesa e sendo
automaticamente abandonados (Castilho, Nelsinho), até que a
Diretoria fecha um acordo preliminar com Carlos Alberto Torres, o
treinador do Tri Brasileiro de 1983.
Enquanto
isso, o interino vai dirigindo o time.

Na volta
ao Brasil, o interino é avisado. Ainda dirigirá o Flamengo na
estreia da Taça Rio, contra o Bangu, vice-campeão brasileiro e que
vem completo. O rubro-negro, devastado por desfalques, contará com
vários garotos. Após a partida, provavelmente entregará o comando
a Carlos Alberto.

E assim o
interino se torna o treinador.
Empolgada,
a Diretoria entende ter encontrado um profissional capaz de “entender
o clube” e, com isso, seguir os passos de Coutinho, Carpegiani e,
de certa forma, do próprio Carlos Alberto Torres, treinadores com
pouca ou nenhuma experiência prévia que conseguiram “assimilar a
cultura do clube”, e com isso auferiram resultados expressivos.
Dura um
ano e meio.


Seu ápice
se dá nas Finais do Estadual de 1986, em que, cautelosamente,
rejeita a ideia de se aproveitar um Zico em precárias condições
físicas e, fazendo sua equipe atuar com uma disciplina tática
beirando uma perfeição quase militar, faz engessar o prolífico
Vasco de Romário, Geovani e Roberto. Com efeito, o Flamengo do
treinador emperra um ataque de 50 gols em 22 jogos, impondo-lhe o
cruel jejum de 270 minutos sem marcar. E levanta a taça.
"É evidente que treinador ganha jogo. A Comissão Técnica e eu que vencemos as Finais contra o Vasco. Em campo transformamos os jogadores em peças que neutralizaram as jogadas inimigas. Fizemos uma análise profunda do adversário, em seus aspectos físicos, técnicos, táticos e até emocionais. E o resultado refletiu."

E é
justamente nas Oitavas de Final do Brasileiro que o treinador começa
a cair.
O
Flamengo vai vencendo o Atlético-MG no Maracanã. Pela condição de
favorito do adversário, é uma vitória tida como fundamental, que
garante uma vantagem importante para o jogo de volta. E o Flamengo,
aplicado, vai fazendo bom jogo. Mas o treinador, talvez pensando em
ampliar a vantagem, resolve ousar. Troca o volante Júlio César,
cansado, pelo jovem atacante Paloma. O time perde o meio-campo. Passa
a ser pressionado. Cede o empate. E por pouco não sai de campo
derrotado.
Sob
pesadas críticas, o treinador, para o jogo de volta, novamente
inova. Agora quer reforçar o meio, formando um cinturão para
estancar o leve ataque adversário. Adianta Sócrates para a posição
de centroavante, usando Gilmar Popoca e Adílio na armação. No
restante do meio-campo, volantes e falsos pontas para “fechar o
corredor”. A formação, nunca antes utilizada, revela-se um
desastre. Sócrates, sem qualquer explosão para atuar como homem de
área, tem atuação apagada. E o time é sufocado durante os 90
minutos. Perde o jogo (1-0) e a vaga, e somente não sai de campo
goleado em função da excepcional atuação do goleiro Zé Carlos.
Ali é o
fim de linha para o treinador, bombardeado por virulentas críticas,
sem conseguir explicar como escalara uma equipe sem atacantes de
ofício num jogo em que precisava da vitória.

E o
treinador é demitido.
Assumirá
um profissional conhecido, que tentará implantar uma filosofia de
disciplina e linha-dura. Durará
pouco. O Flamengo tentará contratar um treinador consagrado, mas
acabará encontrando um caminho com um antigo auxiliar. Nome pouco ou
nada experiente no comando de equipes profissionais, mas com bons
trabalhos na base e profundamente identificado com o clube.
Será
mais um interino. Que virará treinador. “Entenderá o clube” e
vencerá. Até o encanto acabar.
E assim a
roda seguirá girando.