Tempo de
recomeço.

Mas isso
ficou para trás. Estamos em 1919, o momento é de olhar para a
frente. Voltar a viver.
O
Flamengo apresenta novidades para a temporada. O ponta-esquerda
Junqueira, que acaba de conquistar o Campeonato Paulista pelo CA
Paulistano, agora passa a residir na Capital Federal, onde irá
trabalhar em uma Agência Bancária. Com isso, transfere-se para o
rubro-negro, que mantém boas relações com o clube paulista. Além
de Junqueira, outra ótima notícia surge com a confirmação do
retorno, para o Brasil, do center-half (volante) Sidney Pullen, que,
com o fim da Primeira Guerra (onde lutara como soldado inglês), é
liberado para voltar às suas atividades regulares no país. O
Flamengo volta a contar com seu principal jogador, após um ano de
ausência.
É
verdade que há baixas, ambas no gol. O titular Hydarnés, que anos
antes causara furor ao trocar o Botafogo pelo Flamengo (movimento
raro nesses tempos de amadorismo), deixa o clube, pois irá trabalhar
em uma conceituada casa comercial de Porto Alegre. E o reserva
imediato Magalhães (que se tornará conhecido, anos mais tarde, por
compor o Hino Oficial do Flamengo) está internado, convalescendo de
grave infecção tetânica, e ficará fora de ação por alguns
meses. Mesmo assim, o sentimento é de confiança e otimismo para o
ano que se inicia.

E é em
festa que o carioca vai acompanhar, com a motivação nas alturas, o
início do Campeonato Carioca, já em JUNHO. A rodada de abertura
assinala o confronto entre Botafogo x Flamengo, em General Severiano.

O
retrospecto recente traz resultados agudos. Um empate, uma vitória
por 3-0 do Botafogo em plena Rua Paysandu e um sonoro 5-1 do Flamengo
em um amistoso no campo do Carioca FC, na Gávea, que os alvinegros
ainda não esqueceram.
O
Flamengo traz mais uma novidade. O right-forward (equivalente ao
camisa 8) Candiota faz sua estreia em jogos oficiais, sendo mais um
reforço do rubro-negro para o Campeonato.

O jogo,
em si, a rigor, dura 40 minutos.
Na
primeira etapa ainda há luta. O Flamengo joga melhor e toma a
iniciativa, mas o Botafogo ainda consegue resistir e fustigar em
contragolpes. O ponta-direita Álvaro Galvão Bueno faz bela jogada
e, após bate-rebate, abre o placar para o rubro-negro. Pouco depois,
o Botafogo empata, num gol do atacante Menezes. Seguem-se várias
chances criadas lado a lado (o alvinegro chega a acertar a trave
flamenga) e o jogo se torna emocionante, tirando o fôlego do
público.

E termina
o primeiro tempo. E, na prática, termina o jogo. Agora vai
começar o massacre.
O
Botafogo, no desespero e no afã de reconquistar a igualdade, avança
em demasia suas linhas. E luta. E briga ao limite de suas forças. E
cansa. Exangues, seus jogadores não conseguem mais acompanhar o
ritmo ora cadenciado, ora alucinado, imposto pela técnica superior
do onze flamengo.
E os gols
começam a acontecer.
A zaga
flamenga dá um chutão pro contragolpe. Carneiro ganha na corrida
mas o goleiro Abreu se antecipa e sai do gol, agarrando a bola. Mas
tropeça e, numa falha sensacional, solta a pelota novamente nos pés
de Carneiro, que só empurra pro gol vazio. Flamengo 3-1.
Novo
chutão da zaga, agora para Galvão Bueno, que arranca pela direita e
cruza para o left-forward (Camisa 10) Dias, que não perdoa.
Flamengo 4-1.
O
Flamengo relaxa e permite ao adversário trocar passes e mesmo
arriscar chutes ao gol. Num desses arremates, o atacante alvinegro
Vadinho acerta o ângulo do goleiro Zé Pinha Laport, diminuindo o
marcador. O Flamengo agora vence por 4-2. A torcida no estádio
insufla os locais, em busca do improvável empate.
Vã e
efêmera ilusão. O Flamengo troca passes pela direita. A bola vai ao
encontro de Candiota, que se livra de um, de dois e manda uma varada
na gaveta. Flamengo 5-2.
O
Botafogo se recusa a recuar para evitar um desastre maior. E segue
sendo ferido. Mais um chutão da defesa flamenga encontra Carneiro
inteiramente livre no campo de ataque. O forward avança e alça a
bola na área, procurando Dias. Antevendo o lance, Abreu deixa o gol,
esperando que Dias domine a bola para dar o bote. Mas Dias, vendo o
goleiro no meio do caminho, acerta uma desmoralizante cabeçada por
cobertura, fazendo a bola entrar de mansinho no gol do infeliz
goleiro, que apenas assiste, inerte, impotente. Botafogo 2, Flamengo
6.
E nada
mais que seja digno de registro acontece dentro das quatro linhas.

Ao
contrário, o Botafogo cisma. Quer porque quer anular o jogo.
Alega que
o meia Candiota não cumprira o tempo requerido de 30 dias após a
inscrição, para adquirir condições de jogo. No entanto, o
Flamengo pontua ter realizado uma inscrição provisória, e que o
tempo teria passado a contar a partir desse prazo, seguindo a
orientação da LMDT (Federação). A posição rubro-negra é
robustecida com um documento formal, assinado por um representante
legal da LMDT, ratificando que Candiota reunia, sim, condições de
jogo, sendo válida a argumentação do clube. Ou seja, o Flamengo
colocou para jogar um atleta autorizado formalmente pela Federação.
Mas nada disso convence os dirigentes do Botafogo, que se articulam
para invalidar o documento da LMDT.

E a
proposta é aprovada, por seis votos a três. O jogo está anulado.

A manobra
do Botafogo se justifica. O Conselho, formado por dirigentes mais
tradicionais e ligados à letra fria de leis e regulamentos,
dificilmente seguiria de chofre a posição alvinegra. Era necessário
conseguir uma maioria na Assembléia Ordinária, algo bem mais viável
(o Botafogo é próximo a clubes mais modestos, como Villa Isabel,
Andarahy e São Cristóvão) para criar uma sensação de
legitimidade à sua demanda. O alvinegro conta com a receptividade
dos jornais para pressionar o Conselho a manter a decisão da
anulação.

Assim, o
Conselho se reúne para apreciar o recurso do Flamengo. E, por 7
votos a 1, devolve os pontos do jogo ao Flamengo. E o rubro-negro tem
confirmada sua vitória dentro de campo.
A decisão
é recebida com indiferença pelos jogadores. Afinal de contas, o
time segue em preparação para o difícil encontro com o América.
Que,
dentro de campo, promete ser feroz.