quarta-feira, 29 de junho de 2016

Alfarrábios do Melo

Um ano.

Vai fazer um ano que ele estreou. Uma noite de festa que já soa longínqua, distante, enevoada em meros e fugazes espasmos de reminiscência que hoje recendem a melancolia. Frustração. Decepção.

A torcida comemorou tanto quando ele chegou...

O anúncio de sua contratação, decorrente de uma operação tão ousada quanto inesperada, rebentou como uma bomba nos meios esportivos de todo o país. Jogador de ponta, vitorioso, currículo de campeão do mundo. Era o símbolo de um Flamengo grande, gigante, que voltava aos seus melhores dias de predador. Um Flamengo que tornaria a disputar, e a ganhar, competições nacionais, continentais, mundiais.

Essa era a ideia. Desde a apresentação.

A crônica esportiva, atônita, perdia-se em digressões aturdidas: “como vai pagar?”, “isso é loucura, não há dinheiro”. Outros ponderavam que um círculo virtuoso poderia ser gerado, pois craque traz gols, títulos, chama a torcida pro campo, faz o adepto comprar, consumir, ostentar sua paixão.

Um ano. Não houve conquistas, não houve títulos, não houve sucesso. E pouca gente comprou, consumiu, ostentou.

O goleador foi recebido com euforia. Desfrutou do carinho de um torcedor carente de ídolos. Ganhou musiquinha. Recebeu todas as demonstrações de afeto possíveis, quase de idolatria. Tudo parecia caminhar para uma sintonia fina, uma troca de energia que catapultaria o time ao êxito.

Mas não foi bem assim.

O time passou longe do protagonismo. No Estadual, sofreu com a irregularidade e a incapacidade de derrotar um rival e colocar fim a uma incômoda sequência de reveses contra o adversário que, com um punhado de jogadores rejeitados em outros centros, foi mais competitivo e ergueu a taça. No Brasileiro a coisa foi ainda pior, um elenco limitado, desunido, desmotivado e coalhado de problemas extracampo simplesmente não foi capaz de transpor as camadas intermediárias da tabela, lá chafurdando até o final da competição.

Houve o desempenho em clássicos. O torcedor é muito cioso de sua superioridade nos jogos contra os rivais regionais. No entanto, no último ano o Flamengo, nos dez embates com a presença da estrela em campo, conseguiu aproveitamento de apenas 30%, com o craque marcando em apenas três desses jogos. Muito pouco para quem erigiu reputação de “goleador de jogo grande”.

Analisando os números, no entanto, não há que se falar em desempenho “sofrível”. O goleador manteve a média de gols registrada na carreira, repetindo a performance auferida em outros clubes. Decidiu alguns jogos, viveu até bons momentos. Individualmente, de certa forma, contribuiu dentro do escopo que permeou sua carreira, embora o desempenho no Brasileiro tenha sido fraco até para seus padrões. Mas, coletivamente, não pareceu capaz de conduzir o Flamengo às conquistas e aos títulos que se julgava e se esperava lograr. Aterrada, uma Nação começou a perceber que seu heroi não reunia estofo para ser o comandante, o líder da travessia à glória.

Em que pese sua personalidade forte, dura, a estrela mostrou-se de caráter arredio, taciturno, excessivamente quieto. Em alguns momentos, mesmo certa melancolia e introspecção pareciam dar o tom. Os gols comemorados com discrição faziam supor infelicidade, incômodo. “Ele se cobra muito, está triste porque os resultados não estão vindo”, alguns apunham. E a Nação, antes de braços abertos, retraiu-se diante do craque em crise, estrela única em um plantel de coadjuvantes de nível menor.

O extracampo. O excesso de lesões, que o tirou de vários jogos importantes. As suspeitas de problemas de relacionamento com outros jogadores, os rumores de brigas com alguns companheiros. Mesmo boatos de boicote, como em uma derrota em que o time andou em campo pelo Brasileiro sem lhe passar a bola. A inquietação e o relacionamento conturbado com alguns dos muitos treinadores que passaram pelo comando técnico nesses doze meses. Enfim, a série de polêmicas envolvendo seu nome fazendo crer que talvez sua convivência no vestiário não fosse tão harmônica, enfim. Talvez pelo fato de auferir o maior salário do elenco e não estar entregando os títulos prometidos.

E as chacotas. O que fere e sangra a alma do torcedor flamengo é a bazófia. A humilhação. A vergonha. O rubro-negro acreditou em um time vencedor, recebeu de volta derrotas doloridas, contundentes. Alguns flamengos ilustres torcem a cara para o craque, “é o símbolo maior de um time sem identificação com nossas raízes”. Ironicamente, os dois melhores jogos recentes do Flamengo (uma virada histórica fora de casa e uma goleada em um clássico) aconteceram sem sua presença em campo. Dois jogos em que o time correu, brigou, buscou. Que foi, ainda que por escassos momentos, Flamengo.

Doze meses se passaram. Algo frustrada, a diretoria já não parece refratária à corredeira de sondagens que inunda os telefones da Gávea interessada nos gols da estrela. O próprio craque não parece indiferente à ideia de sair, embora dê sinais, em sua vida pessoal, de que pretende permanecer no Rio.

No entanto, as duas partes reconhecem que algo deu errado. Que algo está errado. E que é necessário aplicar vários elementos de correção, se se pretende prolongar a relação com o clube. Um novo período se inicia. Acredita-se melhor, embora haja consistentes razões para o ceticismo.

1996 está no início. E Romário, enfim, estreará de verdade.