segunda-feira, 2 de maio de 2016

Comando

Salve, Buteco! Comando presidencial, comando em nível de direção, comando técnico, comando dentro de campo... Afinal de contas, como se fala tanto em falta de comando, será que ele inexiste mesmo em todas essas áreas no Flamengo? Começando pela figura do presidente, muito se tem falado a respeito da personalidade de Eduardo Bandeira de Mello e suposta falta de cobrança de sua parte em relação ao Departamento de Futebol. Não vejo problema algum com a personalidade do presidente, gentil, ponderado, calmo e reflexivo, o que o tornou respeitado no âmbito esportivo, mudando, junto com os demais diretores, a imagem negativa do clube. Desagrada-me quando Eduardo Bandeira de Mello se afasta desse perfil e, por exemplo, bate-boca com um torcedor, como ocorreu em Aracaju/SE. A maior parte das críticas é imprecisa, não raro feita de forma grosseira e deselegante, mas é necessário encontrar outros mecanismos para lidar com toda essa pressão, inclusive as malditas mensagens de WhatsApp.

Enfim, não vejo propriamente falta de autoridade ou poder disciplinador no Flamengo, nem da chamada "cobrança", palavra constantemente utilizada pela torcida nas redes sociais e aqui no Buteco Mais Querido do Brasil. Prefiro ter um presidente honesto, educado e equilibrado emocionalmente do que alguém com características opostas e verborrágico, como um certo rival do Rio de Janeiro. Creio que o problema seja bem diverso e, infelizmente, até mais sério, envolvendo em parte o fato da Diretoria não ter expertise na área (futebol profissional), uma boa dose indecisão, provavelmente causada pelas dificuldades de conciliar a gestão colegiada com as peculiaridades e dinâmica do mundo do futebol profissional, e também a inegável resistência em reconhecer os próprios erros cometidos no planejamento, inobstante serem novos no ramo, o que alguns chamariam de arrogância. Por enquanto não chegarei a tanto e prefiro chamar de teimosia.

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Mesmo os descrentes no "estágio" feito no Barcelona e na capacidade de Muricy Ramalho se adaptar aos tempos modernos do futebol não podem negar que é raro alguém com seu currículo reconhecer publicamente a necessidade de se "reciclar". Acreditar em Muricy e contratá-lo, como fez a Diretoria, não é necessariamente um problema se as condições de trabalho e o elenco posto a disposição do treinador forem adaptados a essas circunstâncias, quais sejam, de um alguém que tenta colocar em prática suas ideias pela primeira vez após reconhecer publicamente que precisava se atualizar. Observem que não falo de desconfiar do profissional que acabaram de contratar, mas de um mínimo de cautela diante do histórico recente (mais de duas décadas!) do clube, da gestão, do Departamento de Futebol, dos atletas que compõem o elenco e, claro, também do próprio treinador. Reconheço o enorme esforço que a Diretoria vem fazendo nesse sentido.

Entretanto, na prática, constamos uma evidente colisão entre o que Muricy avisou que colocaria em prática (um esquema de jogo ofensivo), o seu método de trabalho, baseado em muitos treinamentos e repetição, a sua aparente dificuldade em executar o que planejou e obstáculos involuntariamente colocados em seu caminho pela própria Diretoria, decorrentes dos seus evidentes erros de planejamento, como por exemplo não estabelecer prioridades claras quando o clube disputou três competições simultâneas e mandar partidas em diferentes estádios, cidades e estados, acarretando constantes e desgastantes deslocamentos que diminuíram em quantidade e qualidade os treinamentos, contexto que inclusive enfraqueceu o comando sobre o elenco, como se pôde notar a partir do bizarro conteúdo de algumas entrevistas concedidas por determinados atletas (Alan Patrick e Márcio Araújo são bons exemplos). 

Malgrado as circunstâncias desfavoráveis, Muricy tem seu grau de responsabilidade, que não é pequeno, na medida em que não conseguiu colocar em prática o que anunciou e nem muito menos provar que evoluiu como profissional da maneira que ele próprio pretendia, algo com o que a Diretoria deveria ter contado dentro de uma margem de risco, pois conversou com ao menos um profissional que se encontra indiscutivelmente em um patamar muito acima do ocupado pelo nosso atual treinador: Jorge Sampaoli, descartado pelo alto custo. Meu objetivo não é reviver o período eleitoral e nem discutir tanto a real possibilidade dessa contratação, tampouco se são ou foram justas as causas pelas quais Sampaoli não foi contratado, muito menos sugerir que agora o seja. O ponto é outro.

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Não se pode alegar surpresa. A Diretoria contratou um profissional que ambiciona se reerguer no mercado - e se ambiciona se reerguer obviamente não está no topo desse mercado - simultaneamente ao anúncio da implantação de uma filosofia de jogo moderna e ofensiva no time de futebol profissional. O problema é que entregou a esse profissional, que, repito, pela primeira vez tenta colocar em prática suas novas ideias após se atualizar (ou ao menos tentar se atualizar), a maior parte da defesa que sofreu extraordinários e vexatórios 53 (cinquenta e três) gols no Campeonato Brasileiro/2015 (números de rebaixado para a Série B).

Treinador pode fazer a diferença? Pode. Marco González foi eleito o melhor zagueiro das Américas pela Universidad de Chile sob o comando de Jorge Sampaoli. Alguém tem saudades do González? Mas o Muricy não é o Sampaoli e a Diretoria sabe ou deveria saber disso a partir do momento em que comparou os preços e descartou o argentino. Até Muricy sabe, tanto que foi sincero em sua confissão pública e em seu pedido de uma zaga nova, ousadamente não atendido, assim como em sua pretensão salarial bem mais modesta.

Esquemas táticos não se resumem a setor ofensivo, mas eu nunca vi esquema tático ofensivo funcionar sem recomposição defensiva muito eficiente ou, quando não é o caso, no mínimo com defensores de excepcional qualidade individual. No Flamengo de hoje vejo os ingredientes para uma tempestade perfeita: sistema defensivo exposto pela dificuldade em compactar as linhas durante os dois tempos em todos os jogos somada a um time titular formado por um goleiro fraco, apenas um lateral que sabe marcar e um único zagueiro de bom nível.

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Como se sairiam César Martins e Wallace sob o comando de Jorge Sampaoli? E como ele ou Tite, o favorito da imprensa brasileira, se sairiam dirigindo o Flamengo sob as mesmas circunstâncias que Muricy? O problema dos universos paralelos é que ele podem até existir (e podem mesmo, físicos alemães há que sustentam sua existência), mas desconhecemos o que ocorre por lá. Nossa realidade é o Muricy, com sua inegável seriedade e também com seus desafios pessoal e profissional, assim como (dizem) sua nada desprezível multa contratual. Já foi Ricardo Gomes, "O Breve", e seus 15 (quinze) jogos (um pela Sul-Americana e o restante pelo Brasileiro/2004), com 4 (quatro) vitórias (nenhuma contra time grande), 6 (seis) empates e 5 (cinco) derrotas, assim como Jorginho, "O Brevíssimo", com 14 (catorze) jogos (Estadual, Brasileiro e Copa do Brasil/2013), 7 (sete) vitórias (uma contra time grande), 4 (quatro) empates e 3 (três) derrotas para Audax/RJ, Ponte Preta e Náutico, as duas últimas pelo Brasileiro/2013 (no qual não venceu) e ambas com mando de campo cigano ou itinerante, um pequeno exemplo de como a expressão teimosia, utilizada no início do texto, não foi escolhida aleatoriamente.

Muricy Ramalho hoje tem 24 (vinte e quatro) jogos entre Primeira Liga, Copa do Brasil e Estadual, com 12 (doze) vitórias (duas sobre times grandes), 6 (seis) empates e 6 (seis) derrotas, além de 40 (quarenta) gols a favor e 19 (dezenove) contra, o que representa dois jogos a mais do que Mano Menezes, que comandou o Flamengo em 22 (vinte e dois) jogos, todos pelo Campeonato Brasileiro e pela Copa do Brasil de 2013, até pedir demissão, quando contava com 9 (nove) vitórias (seis sobre times grandes), 6 (seis) empates e 7 (sete derrotas), com 26 (vinte e seis) gols a favor e 27 (vinte e sete) contra. A comparação é interessante porque o trabalho de Mano, assim como o de Muricy atualmente, até então não exibia resultados positivos regulares, e a explosão do time logo na sequência sob o comando de Jayme de Almeida, treinador que revelou sua real e verdadeira dimensão no ano seguinte, mostrou que o trabalho de Mano tinha alguma consistência. Na minha avaliação pessoal dos treinadores brasileiros, considero que Mano está abaixo de Tite, mas bem acima da média e um pouco acima de Muricy. Entretanto, sobram em Muricy caráter, sinceridade e transparência, exibidos na recente declaração à imprensa de que está mais do que na hora de produzir resultados.

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E comando dentro de campo, será que existe? A faixa e o título de capitão em tese são apenas simbólicos e não impedem a existência de outras lideranças até mais importantes do que a do capitão. A questão é a qualidade dos líderes.

Tentando provar que não sou uma das pessoas ruins que Deus precisa perdoar (by Impera), acho que o Wallace não é tão mau jogador assim. Contudo, em mais um erro de planejamento, foi elevado a um patamar que está acima de sua real capacidade. Construíram um personagem que Wallace é incapaz de viver ou interpretar: o ídolo intelectual e líder do time profissional do clube de maior torcida do mundo, com contrato até 2018 (!). Wallace talvez pudesse ser um zagueiro útil e aceitável para compor elenco, mas duvido que existam condições para que retroceda a esse ponto dentro do Flamengo, deixando de lado o personagem que em coautoria com ele desastrosamente criaram.

Não deveríamos criticar Muricy por elogiar o Wallace. No lugar dele, qual seja, em um mato sem cachorro, eu também elogiaria, para tentar fortalecer psicologicamente o próprio Wallace ou empurrá-lo pra frente, se é que vocês me entendem... E faria o mesmo com todos aqueles dos quais dependesse ou que quisesse negociar.

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Para quem estava sem ideias, até que escrevi bastante. E quem tiver ânimo, mande a escalação para o jogo de quarta-feira contra o "Tricolor-de-Aço ou Leão-do-Pici" no Castelão, em Fortaleza/CE.

Bom dia e SRN a tod@s.