quarta-feira, 11 de maio de 2016

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Tem sido recorrente atribuir o insucesso da equipe no primeiro semestre à formação tática escolhida por Muricy Ramalho, o tal 4.1.4.1, ou 4.3.3, ou ainda esquema “dos pontas”. Em que pese reconhecer severas lacunas na execução desse esquema, e constatar momentos de grave desorganização, demonstrados em partidas como a desastrosa exibição em Fortaleza na semana passada, acredito ser mais ampla a questão.

Retomarei.

2007. Contratado para, em princípio, tirar o Flamengo de (mais uma) incômoda briga pelo rebaixamento, Joel Santana (tirado dois anos antes do ocaso da carreira pelo próprio Flamengo, a quem “agradeceu” aceitando uma gorda oferta de trabalho na segunda divisão do Japão, repetindo procedimento tornado praxe em sua trajetória) acenou com uma sistemática de jogo absolutamente simples.

Montou o time em cima dos seus pontos fortes. A robusta e respeitada liderança do zagueiro Fábio Luciano (jogador técnico e experiente, mas muito lento), o poder de apoio dos laterais Léo Moura e Juan (letais na frente mas frágeis marcadores) e o voluntarismo do volante Ibson (jogador dotado de intensa mobilidade). Estes, além do goleiro Bruno (muito bom tecnicamente mas irregular), formaram a espinha dorsal da equipe de Joel.

Para viabilizar uma formação onde coexistiam um zagueiro lento e outro inseguro (Angelim, há dois anos no clube, ainda não se firmara) e dois laterais vulneráveis na defesa, o Papai Joel acenou com uma variante do obsoleto esquema 3.5.2 (criado no início dos anos 80 e morto no final dos 90), adaptando a maneira de jogar já utilizada pelo seu antecessor, Ney Franco. O meio-campo construído com um cinturão de volantes combativos, recuando um deles para atuar como “falso zagueiro”, emulando ideia semelhante adotada por Luiz Felipe Scolari na Copa de 2002.

Nascia a Tropa de Elite.

O time-base, assim, formou-se com Bruno, Léo Moura, F.Luciano, R.Angelim, Juan - Rômulo (Jailton) – Cristian, Toró, Ibson – R.Augusto (Maxi), Souza

A forma de jogo da equipe era absolutamente previsível. Meio-campo bastante povoado, abrindo espaço nas laterais para as projeções, em diagonal ou pelos lados, dos dois laterais, que não raro apoiavam o ataque simultaneamente. A transição meio-ataque sendo executada por Ibson, e abundância de bolas alçadas para o grandalhão Souza.

Não era um esquema difícil de neutralizar. Usualmente o adversário recorria ao bloqueio das laterais ou à pressão na saída de bola, o que tornava a equipe propensa a sair jogando à base dos chutões, endereçados ao “pivô” Souza. Renato Augusto, jogador que gostava de atuar na intermediária contrária, era desperdiçado como “falso atacante”, posição em que não demonstrava mobilidade ou faro de gol suficientes. O time encontrava dificuldades diante de adversários que adiantavam a marcação, não conseguia atuar bem fora de casa (o desempenho fora do Rio foi pífio, com um aproveitamento de 33%, com direito a algumas derrotas contundentes).

Ademais, pode-se falar do nível dos jogadores. Apenas Bruno e Renato Augusto eram peças com potencial para se tornarem nomes de primeira linha (dos quais somente o segundo justificou a expectativa, e mesmo assim por um breve período). Havia bons nomes, como os laterais, Ibson, R.Angelim e o volante Cristian. A liderança de F.Luciano, a despeito de suas condições físicas. Parecia pouco para almejar posição de protagonismo.

Mas, como se sabe, aquela equipe realizou uma reação espetacular e chegou à Libertadores, terminando o Brasileiro na terceira colocação. Derrotou os cinco adversários mais bem colocados na tabela. Terminou o ano como a grande notícia, a novidade da temporada.

Se o esquema era ultrapassado, o time era previsível e os jogadores, em sua maioria, medianos/razoáveis, porque então o sucesso?

Porque havia alma.

O Flamengo de 2007 atuava com uma intensidade de arrancar o fôlego do mais indiferente espectador. Seus jogadores, sem exceção, porejavam vontade de vencer. Eram competitivos ao mais verborrágico extremo. Atacavam cada bola, cada lote do gramado. Dobravam, triplicavam a marcação sobre o adversário. Não tinham pudor em jogar feio quando necessário. Não tinham medo da vitória. Não aceitavam, não admitiam, não negociavam a alternativa de sair de campo sem o resultado. Obedeciam dentro de campo à célebre recomendação de seu treinador, em uma preleção exaltada, “eles não vão ganhar, eles não vão passar, eles não vão achar porra nenhuma aqui”.

Era um time que se alimentava de vitórias. A glória era seu combustível. Foi uma das mais perfeitas e bem acabadas traduções e expressões do espírito flamengo de toda a centenária história do clube.

E, com alma, com paixão, com flama, todo e qualquer obstáculo se torna relativizado.

(O Flamengo de 2007 foi o último grande trabalho de Joel Santana na carreira)

Retornamos.

Fala-se que o problema atual do Flamengo de Muricy é a falta de compactação. Fato evidenciado na miríade de quadrinhos e desenhinhos publicados a cada jogo, tornando desnecessário e inútil o contraponto.

Em termos de montagem, os elementos que potencializam a vulnerabilidade da equipe são a escalação de dois atacantes “de ofício” nas pontas, o que tende a dificultar a recomposição da linha de frente e a montagem de uma linha defensiva formada por jogadores excessivamente vulneráveis (Wallace é limitado tecnicamente, Juan é lento e Jorge não possui cacoete defensivo nem combatividade para o confronto direto). Ademais, um dos volantes de proteção, W.Arão, costuma avançar muito para servir de opção no ataque, o que também compromete a recomposição da linha de frente e sobrecarrega o trabalho de Cuellar. Como resultado, as duas linhas, que deveriam se aproximar e encaixotar os meias adversários, ficam espaçadas, formando um “H” que cria dois buracos laterais na intermediária defensiva, por onde têm saído a maioria dos gols sofridos pela equipe.

Muitas soluções têm sido propostas para sanar o problema (a contratação de um zagueiro mais sólido para atuar ao lado de Juan, a utilização de um volante mais combativo e o avanço de W.Arão, o uso do Ederson aberto como ponta pela esquerda, a utilização de Everton, mesmo o avanço do Jorge para a segunda linha, entre outras, ou mesmo a preferida do torcedor, o abandono do esquema em detrimento do 4.4.2, ou 4.3.1.2). No entanto, penso que, mesmo que algumas, ou todas essas ideias sejam levadas a termo, o risco de êxito ainda se reveste de expressividade, pois ainda restará pendente a presença do elemento maior, do principal. O componente que irá cimentar, prover liga, aglutinar, ocupar lacunas, fechar crateras.

A alma.

Quando uma equipe QUER, seus jogadores se movimentam, feéricos, elétricos. Atacam a bola. Chamam o jogo. Pedem. Gritam. Cobram. Quando os olhos se encharcam rubros, sanguíneos, a concentração aos detalhes, à delicada dinâmica de jogo, se acentuam. Extingue-se o “migué”, o “cerca-lourenço”, o “deixa que eu deixo”. O jogador, quando se eiva de vontade competitiva, entende que, no fundo, trata-se de deixar a existência em campo em busca da mais primitiva essência de um jogo de bola. A luta pela vitória. Sempre. Sem contextos ou rapapés. Trata-se de ganhar do outro time. Só isso.

Esta equipe do Flamengo, independente dos profissionais e dos recursos que lhe são postos à disposição, tem demonstrado, há cerca de um ano e meio, completa aversão aos elementos que definem a competitividade de uma equipe. É um agrupamento lasso, flácido, inerte. Anda em campo, é apático. Seja por desmotivação, como no tragicômico primeiro tempo do jogo em Fortaleza, seja por falta de brio, como na partida de Manaus, ainda a vinte minutos do fim. E sem fibra, sem denodo, sem élan, não vencerão sequer par ou ímpar. Quiçá jogos.

Há que se questionar os motivos. É difícil cravar categoricamente sem incorrer na pantanosa prática do “achismo”, mas um exercício lógico faz supor que: se muda treinador, muda jogador, muda estrutura, muda método de treinamento, muda preparação e não há resposta em campo, é porque ainda não se mudou o suficiente.

Que não se diagnostique, pela enésima vez, a figura do treinador como a fonte de todos os males.

CURTAS

EBM e CBF
Eis que, nos escombros do desastre de Fortaleza, EBM surge risonho ao lado do soturno Dunga e do controverso Gilmar Rinaldi, anunciando ao mundo que aceitou chefiar a Delegação da CBF que irá aos EUA disputar a Copa América.
Sou um adepto, quase um entusiasta, do pragmatismo político, desde que observados certos princípios. Não há, de início, qualquer problema em sentar e dialogar com qualquer um dos atores que compõem o cenário do futebol nacional. Aliás, penso que, mais que desejável, tal prática é obrigatória ao representante de uma instituição da envergadura do CR Flamengo. Não me agrada a postura de eterno confronto, altiva, quase adolescente, de se posicionar “contra tudo e contra todos”. O grande Márcio Braga, por exemplo, em seus embates, colheu de prático uma eliminação a mão armada da Libertadores-91 e a confusão, tornada eterna, acerca de 1987. Enquanto clamamos nossa “hombridade” e “não sentamos com X ou Y”, outros ganham campeonatos no apito e erguem taças, espinha ereta e cínico sorriso de canto de boca. Jogo bruto.
Donde, não me escandalizou ou me ruborizou a iniciativa do presidente. No entanto, mesmo assim vejo-a com reservas. Pois denotou falta de habilidade para costurar o fato. Atropelou-se o contexto externo (aliados da Primeira Liga falaram em “decepção”) e o interno (a base de apoio política demonstrou irritação). Não costuma ser prudente “passar o trator” na base de sustentação. Pode-se criar mágoas. Desconfianças.
Por fim, mais do que demonstrar apoio, o Flamengo, na pessoa de seu presidente, estará REPRESENTANDO a CBF. Ganha o Del Nero, felpuda raposa política, que cola sua imagem à de um dirigente tido como de vanguarda. Ganhará o Flamengo? O tempo dirá.

ZAGUEIRO
Sem subterfúgios aqui. O Flamengo tem ótimos nomes no ataque e no meio. Mas o miolo de zaga é indigente. Além de qualidade, agora é escassa a quantidade. Há três nomes confirmados no elenco para o Brasileiro, além do pavoroso César Martins, que “quebrará um galho” até junho. Dos três nomes, um demanda cuidados físicos para não estourar, o outro é limitado e vive péssima fase e o outro é jovem.
Mesmo assim, notícias dão conta que o clube segue cauteloso na busca por um zagueiro, com “muito cuidado” para escolher um nome, que não pode haver erros, enfim. Há que se perguntar se estão buscando o Scirea, o Mozer, o Baresi.
A negociação pelo tal Cléber (que dizem ser bom jogador) parece estar emperrando. Jorram aos borbotões exemplos de situações semelhantes que desaguaram em um previsível desfecho, qual seja, outro clube aparecendo com proposta melhor e levando o jogador (Elias, Henrique, Diaz etc, não cabendo aqui discutir qualidade do atleta). É bem possível que algo semelhante ocorra nesse caso. Não que seja o caso de chorar pitangas pelo rapaz. Mas de lamentar o tempo perdido. Porque, ao fritar das batatas, Wallace deverá, no mínimo e no barato, figurar como titular nos primeiros 19 jogos. Depois não se culpe o vento, o campo de jogo ou os mosquitos.
Porque a bola punirá.

AUDAX
Como previsto, o Audax virou a “sensação” da crônica paulista. O novo “atletico de madrid”. O “leicester” brasileiro. Terá esse amontoado de refugos que joga um futebol certinho e muito aplicado taticamente (olha aí a alma de novo) obtido o status de “fenômeno” por conta de seu futebol arrumadinho, ou porque ousou eliminar o medíocre Corinthians do supervalorizado Tite, cujo trabalho em 2016 é, na melhor das hipóteses, mediano?


Boa semana a todos,