segunda-feira, 28 de março de 2016

A (s) Causa (s)

Salve, Buteco! Como tod@s vocês, estou exausto de tanta frustração. Tentamos ter toda boa vontade com uma Diretoria que já mudou (para o bem) o status quo do clube fora de campo, mas a cada dia que passa, por mais que tome medidas que aparentemente indiquem que farão a diferença, simplesmente não consegue produzir resultados dentro das quatro linhas. Eu costumo dizer que os problemas, e portanto suas causas, eram tantos que diagnosticá-los já é uma tarefa bastante complexa, que dirá solucioná-los. Também já escrevi, em textos e comentários, e torno a repetir que tinha e tenho uma expectativa contida, exatamente por esse motivo - aprender a gerenciar futebol no complexo clube de maior e mais impaciente torcida do mundo -, e por isso preparei-me para uma boa dose de frustração. Alguns confundem essa postura com "otimismo", o que ao menos na minha visão é algo bem diferente. A questão é que, diferentemente de outras vezes, agora realmente começo a temer por mais três anos de seguidas frustrações no futebol e confesso que, pelo nível do elenco e de composição da dívida do clube, já não era para estarmos passando por isso. Tod@s sabemos que, em situações tais, tradicionalmente a responsabilidade é jogada no colo do treinador. Não cometerei o desatino e a ousadia de afirmar que Muricy Ramalho não errou e nem que seja, hoje, a melhor opção disponível no mercado, mas com toda a sinceridade tenho a pretensão de demonstrar que a discussão precisa, para o bem do clube, ser bem mais profunda, independentemente de sua permanência ou não.

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Há quanto tempo Muricy Ramalho dirige o Flamengo? Quantos treinadores, nos últimos anos, com dois, três, quatro meses de cargo se viram em situação semelhante? Sem perspectiva, dando a impressão de estarem completamente perdidos, com a torcida enlouquecida já pedindo suas cabeças? Vejam a média de permanência de treinadores no clube. Alguém pode, sinceramente, dizer que o principal problema vem sendo cada um dos treinadores que assumiram o comando técnico do elenco profissional do Flamengo? O Flamengo se tornou, desde o final da década de 80, uma verdadeira máquina trituradora de treinadores. Honrosas exceções conseguiram permanecer mais de um semestre ou mais de um ano na direção técnica do futebol. Reconheço, porém, que, posta nesses termos (numéricos), a discussão se restringe a um patamar superficial, especialmente porque de alguns anos para cá o futebol sofreu uma considerável mudança em nível tático e não são todos os que conseguiram a ela se adaptar. 

No caso de Muricy Ramalho, parece-me óbvio que está sendo posto a prova. Por isso mesmo, acho que de uma maneira geral, até certo ponto maldosa, deram (inclusive jornalistas) uma conotação pejorativa ao "curso" ou "estágio" que fez no Barcelona, gesto de humildade de um profissional vitorioso que reconheceu publicamente a necessidade de se reciclar. Todavia, se o assunto for discutido seriamente, será fácil concluir que é impossível para qualquer clube latino-americano jogar no nível do clube catalão, seja por faltarem recursos para contratar jogadores daquele nível, seja por faltar até mesmo condições de recrutar e formar na base com a mesma qualidade. Como se não bastasse, outro fator extremamente relevante: a tal "cultura" do jogador europeu, mais ilustrado, profissional e consciente de suas obrigações táticas, enfim, tudo o que não temos nos jogadores brasileiros, em sua maioria preocupados em fazer dinheiro fácil e festejar, tanto que o mercado que os acolhe hoje é o chinês, inclusive o da segunda divisão...

Evidentemente, nada disso responde à pergunta que não quer calar: será Muricy capaz de se atualizar taticamente e sobreviver à nova onda do futebol mundial? O tempo dirá, com ele dentro ou fora do Flamengo, mas eu indago a vocês se é possível responder de forma justa a esse questionamento, ainda que no hoje acanhado universo do futebol brasileiro, em pouco mais de setenta dias no cargo, tendo a disposição boa parte do elenco de 2014/2015, disputando três competições (decisão da Diretoria) enquanto a maioria dos adversários disputa apenas uma e mandando os jogos em diversos estados de um país de dimensões continentais (outra decisão da Diretoria), diminuindo tempo e condições de treinamento?

Sim, em que pese todos esses fatores, Muricy errou; errou ao não utilizar todas as substituições em alguns jogos e provavelmente errou na decisão de escalar os titulares em algumas partidas contra equipes de menor investimento no Estadual, mas quem tem certeza de quais eram seus limites para tomar essa decisão diante da exigência contratual da Rede Globo? Quanto à falta de variação tática, efetivo problema da equipe, muitas vezes o técnico consegue acertar o time na conversa, mas não tenho dúvidas de que a maratona de jogos diminuiu o tempo para treinamentos. Além disso, se sequer foi possível acertar o esquema tático principal, que chegou a dar certo em algumas partidas importantes, já é momento de exigir variações? O 4-1-4-1 não é o esquema mais utilizado no momento? Ainda assim, é inegável que se trata de assunto de responsabilidade do treinador e no qual quatro partidas sem marcar gols representam um indiscutível e sério problema.

Mas vamos falar um pouco dos jogadores.

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O Atlético/PR vinha de crise e contratou Paulo Autuori. Atenção: Paulo Autuori. Acredito que, se @s amig@s pesquisarem em dicionários virtuais da língua portuguesa o significado da palavra ostracismo provavelmente encontrarão entre um dos resultados a expressão "Paulo Autuori". A torcida atirou pipoca nos jogadores, gesto que comumente alude a falta de ímpeto e coragem nas disputas futebolísticas. Curiosamente, acusação idêntica a que a a nossa torcida vem acusando boa parte desse elenco nos últimos anos. Se me permitem, faço uma breve pausa para voltar a 2013 e peço que se recordem da derrota para o mesmo Atlético/PR no Maracanã e à bola perdida por Adryan, bem como ao subsequente pedido de demissão de Mano Menezes. Com um pouquinho mais de esforço @s estimad@s amig@s do Buteco se recordarão de lastimáveis momentos sob o comando de Mano Menezes, como as derrotas de 0x3 para o Bahia na Fonte Nova e os 0x4 no Pacaembu contra o Corinthians.

Nem acho que, no todo, os resultados com Mano eram ruins, e seu trabalho tanto tinha uma base que Jayme bem o aproveitou, mas o ponto é que jogadores de futebol, de um modo geral e especialmente no Brasil, estão acostumados a "decidir" o futuro dos treinadores, porém no caso de Mano Menezes no Flamengo tomaram uma baita rasteira. Eu sei que é difícil para um torcedor do Flamengo se debruçar sobre o episódio e analisá-lo com frieza, de modo a captar toda a riqueza de detalhes que oferece, mas vale a pena observar que hoje o nosso capitão, o "rei do mimimi" nas entrevistas, Wallace, era exatamente o zagueiro do time que "se transformou" logo após o pedido de demissão do Mano e que nunca mais foi o mesmo em nível de dedicação e vibração depois do título da Copa do Brasil. Outro líder é o goleiro Paulo Victor, remanescente e reserva na "Era Bruno" e que cresceu em meio à "fina-flor da boleiragem" nos piores tempos recentes do Flamengo em nível de comportamento extracampo. E para não dizerem que não falei das flores, em jogo recente até o Márcio Araújo, que chegou depois mas explicitou o discurso do "cansaço", usou a braçadeira de capitão, mas espero que vocês compreendam que mesmo esse reflexivo colunista tem seus limites pessoais e por isso não mais me aprofundarei no assunto...

Para quem ainda não entendeu, o ponto é: quando os jogadores "querem", quando estão satisfeitos, unidos, jogam, e há tempos que a torcida tem sérias e fundadas dúvidas a respeito não apenas da qualidade, como da índole de parte do elenco do Flamengo, bem assim de sua capacidade de se comprometer em torno de algo mais altivo. E essa semana esse grupo e seus "líderes" certamente "decidirão" se querem continuar com Muricy Ramalho como treinador, pois a torcida não digere bem derrotas em clássicos e teremos, na sequência, Vasco da Gama e Botafogo pelo Estadual. Chama a atenção, primeiramente, o fato de que os jogadores não gostam de viagens; segundo, algumas das contratações, inclusive a que ainda não se concretizou, incomodarem exatamente esses líderes: Muralha, Cuéllar, zagueiro...

O treinador, seja ele quem for, precisa ser amparado.

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Não poderia finalizar esse texto sem deixar muito claro o que penso a respeito de treinadores brasileiros e estrangeiros em geral. No universo brasileiro, acredito que Tite e Cuca sejam os mais avançados em nível tático, mas ainda assim estão alguns patamares abaixo dos bons treinadores sul-americanos. Basta mencionar como exemplo que o curso de treinadores da AFA é reconhecido pela UEFA e que os treinadores argentinos e chilenos há tempos têm mercado nos maiores centros do futebol europeu. A cultura tática dos jogadores sul-americanos em geral, como por exemplo argentinos, chilenos e uruguaios, é historicamente mais avançada do que a dos brasileiros, que sempre prevaleceram por seu imenso talento individual. Todavia, com os nossos talentos hoje migrando cada vez mais cedo para o exterior e os profissionais sendo contratados pela segunda divisão do futebol chinês, o que sobra para os nossos defasados treinadores trabalharem é a raspa do tacho. Trabalhando com jogadores mais "cultos" taticamente, os treinadores sul-americanos sempre tiveram maior facilidade para desenvolver seus conhecimentos teóricos e aplicados.

Sampaoli, Bielsa, Sabella e outros, ao meu ver, são melhores em nível tático do que todos os treinadores brasileiros, inclusive os melhores que citei acima, brasileiros esses que, portanto, considero superiores no fundamento tático do que Muricy, que precisa provar efetivamente sua atualização. Hoje, Sampaoli está disponível, o que não deixa de ser uma baita "tentação". Vindo ou não, ou seja, independentemente de Muricy ficar, e antes de trazer qualquer treinador estrangeiro, as perguntas que cada torcedor deve fazer, assim como os dirigentes do Flamengo, ao meu ver são duas: a) o que teria ocorrido se Jorge Sampaoli ou outro treinador hermano tivesse sido submetido a todo esse complexo contexto de problemas que Muricy teve que enfrentar no início do ano, e até mesmo outros treinadores nos últimos anos? b) O que fazer para esse ciclo de problemas se encerrar?

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Enfim, esse texto não defende a permanência nem a saída de Muricy, treinador que respeito pela seriedade e firmeza de propósitos, além da transparência ao assumir o Flamengo; defende que o assunto seja tratado de forma séria e justa, sem condescendência, porém da mesma forma sem tratá-lo como bode expiatório. Defendo, enfim, que, qualquer que seja o treinador, receba um Departamento de Futebol em perfeitas condições para trabalhar, inclusive planejamento, o que parece mais uma vez não ter sido o caso.

Bom dia e SRN a tod@s.