Saudações
flamengas a todos,
Este é
meu último texto de 2015, uma vez que embarcarei rumo à fruição
de ociosas e merecidas férias.
Isto
posto, resolvi dedicar essas derradeiras linhas para tentar tecer
algumas considerações sobre a pavorosa, melancólica e lastimável
temporada que assolou mentes e corações rubro-negros, solapando de
forma inapelável nosso estado de espírito (para atenuar, ilustro o post com alguns parcos bons momentos vividos no ano).
Sim,
porque em 2015 o rubro-negro conviveu de forma constrangedoramente
íntima com o instituto da derrota.
É
verdade que já tivemos outros times frouxos em nossa história
recente. Um bom exemplo é o que disputou o Brasileiro de 1996,
comandado pela viril figura do repatriado Bebeto (que, aliás, largou
o time no meio da competição). Uma equipe que assinalou a proeza de
sofrer QUATRO derrotas contundentes em seguida (três delas por
goleada), feito jamais doravante igualado. Um time técnico, mas com
queixo de vidro, cuja grande façanha foi jogar descontraidamente a
partida em que, derrotado pelo Bahia, ajudou a rebaixar o Fluminense.
Também é
fato que já padecemos de anos com derrotas sistemáticas para
rivais. A quina vascaína de 1988 e a série de reveses para o
Fluminense de Joel e Renato Gaúcho em 1995 indicam que o fenômeno,
embora raro, ocasionalmente pode acontecer, sendo normalmente
sucedido por uma série de surras rubro-negras em sequência, à
guisa de retorno à ordem natural das coisas.
Já houve
igualmente equipes frias, sem vibração, com jogadores sem a mais
remota identificação com as cores rubro-negras. Caso do time do
primeiro semestre de 1990, onde desfilavam craques como Edu Marangon,
André Cruz e Josimar, um time gelado e incapaz de criar um vínculo
com a torcida, e que, não por acaso, terminou o Estadual na quarta
posição, perdendo quatro dos seis clássicos disputados (sem vencer
nenhum deles).
Problemas
de relacionamento, o tal “elenco rachado”, também são
relativamente recorrentes na nossa história (a rigor, na de qualquer
clube), e não é difícil identificar exemplos de desavenças
vividas em 1995 (Edmundo-Sávio), 2001 (Petkovic-Edílson) ou, mais
recentemente, 2014 (Léo Moura-Wallace).
Por fim,
não é difícil identificar equipes em que grassou a mais completa
falta de profissionalismo, com jogadores descompromissados, dados a
festas, bebidas e outros tipos de preocupação, casos clássicos dos
times do Brasileiro de 2000 e do início de 2010, só para mencionar
os mais célebres, cuja explanação de detalhes julgo ser
dispensável, dado o domínio público dos mesmos.
O que
tornou essa temporada “especial” não foi termos a incidência
dos problemas acima narrados. Foi a sua ocorrência SIMULTÂNEA,
algo, aí sim, talvez sem precedentes na nossa história recente. Um
time frouxo, dado a apanhar de rivais, frio, rachado e formando
bondes de cachaça, tudo isso ao mesmo tempo. Que não padeceu com as
querelas da briga pelo rebaixamento em função da boa qualidade de
alguns jogadores e da organização mínima estrutural (time
recebendo em dia, treinando em local isolado entre outros fatores, ou
seja, dispondo do mínimo necessário).
Penso que
os elementos que propiciaram a formação de quadro tão
catastrófico, como a omissão da administração, que relegou a
terceiro plano a gestão do futebol, seja no aspecto financeiro
(priorizou o saneamento das contas), seja no aspecto político
(nenhum membro quis assumir DE FATO a pasta, que acabou nas mãos do
já testado e reprovado Gerson Biscotto por força de arranjos
eleitorais), seja no aspecto técnico (havia a crença, a meu ver
equivocada, de que a figura do VP estatutário poderia ser mitigada,
o que fez com que o futebol acabasse indesejavelmente terceirizado)
já foram suficientemente debatidos, discutidos e atacados durante o
árduo, penoso e por vezes tedioso processo eleitoral que
recentemente se encerrou. Ficou claro, nítido, patente, cristalino
que, mesmo num contexto de trabalho a longo prazo sem a exigência de
resultados expressivos imediatos, houve uma série bastante ampla de
erros que redundaram neste terrível 2015 onde, ironicamente, o
Flamengo dispunha do melhor elenco no papel nesses três anos de
administração azul.
Normalmente
um desastre como o que assolou o futebol da Gávea nesse período
costuma remeter a algumas conclusões interessantes, desde que haja
vontade efetiva de aprender com elas.
Então,
olhando para a frente, temos:
A
primeira dessas conclusões é a cristalização da queda do mito da
infalibilidade. Em que pese o brilhante, magnífico trabalho de
recuperação institucional levado a cabo nos anos 2012-15 (que
inclusive ensejou a reeleição da atual administração, a despeito
dos problemas com o futebol), não estamos diante de príncipes
carecas encantados vestidos em casacas de cetim azul montados em
cavalos brancos, carregando tábuas de mármore onde estão inscritos
os ensinamentos da verdade plena. Erra-se sim. Erra-se muito. Erra-se
gostoso. Erra-se forte e pesado nessa administração, como em
qualquer outra. Destarte, equivocou-se na concepção e na execução
do plano para o futebol, como acima mencionado.
Outra
conclusão que parece estar se solidificando é o abandono da crença
do “sebastianismo”, da figura salvadora, do “supercraque” que
irá conduzir o time aos píncaros da glória. Flamengo trouxe o
melhor atacante de 2013 (Marcelo Cirino), ganhando uma disputa forte
com equipes paulistas. Pouco mais tarde, chegou Guerrero, ídolo do
“timaum”, autor de gols importantes, artilheiro da Copa América,
um dos principais atacantes em atividade na América do Sul. E ambos,
até aqui, fracassaram enfaticamente, apesar de um excelente início.
Como soçobraram outros jogadores de boa qualidade, que aqui
simplesmente não renderam, ou o fizeram abaixo do que são capazes.
O que se
consubstancia em material para a terceira conclusão. De que adianta
chegarem nomes de ponta, jogadores realmente bons, se não existem as
condições para que rendam? Se são alojados em containers
improvisados, tratados com equipamentos obsoletos, submetidos a
cargas de treinamento ultrapassadas? Se são entregues à preparação
com profissionais qualificados, mas que não conseguem entregar
resultados e não são cobrados por isso, seja lá por qual motivo
for?
E, por
último, a conclusão derradeira, traduz-se na certeza de que se pode
trazer o jogador de alto nível, pode-se recrutar os profissionais
mais capacitados, pode-se equipar o clube com o que há de mais
moderno em fisiologia do desporto. Mas, contudo, entretanto, todavia,
nada disso girará de maneira harmônica sem o bastão da COBRANÇA.
Do ACOMPANHAMENTO contínuo. Do olho do DONO. Da máxima monitorar,
executar, cobrar, premiar/punir. E isso não pode, não deve, sob
nenhuma hipótese, ser delegado ou terceirizado. Isso é prerrogativa
do CLUBE. De quem GOVERNA. De quem CONTRATA. Não dos contratados.
Aparentemente,
despertou-se para essa realidade. O clube acordou e parece estar
iniciando um trabalho dentro do Departamento de Futebol com um novo
olhar. Injetando dinheiro. Renovando e fixando uma equipe de
trabalho, calçada em contratos longos. Importando expertise de alta
performance. Insurgindo-se de forma definitiva contra a letargia na
conclusão do decantado Centro de Treinamentos. Buscando um treinador
com currículo e personalidade, abandonando a aposta em “jovens
técnicos promissores” ou churrasqueiros.
Entretanto,
o volume de recursos posto à disposição para reforçar o elenco
ainda é modesto, embora tenha sido duplicado. Com isso, o pacote de
reforços ainda se baseia, em sua maioria, em jogadores de baixo ou
nenhum custo e pouca experiência em equipes de ponta, o que coloca
em dúvida a sua capacidade de vingarem em um clube do porte do
Flamengo. Trata-se de uma lacuna em que urge o saneamento em um
futuro próximo, especialmente a partir do momento em que as divisões
de base se mostrarem capazes de se revestirem em centros de
fornecimento de atletas para o elenco profissional, o que hoje não
acontece de forma consistente.
Enfim.
Sim, há
um trabalho a longo prazo. Sim, está chegando o momento de colher
resultados. Não, a torcida não dispõe mais de paciência. Acabou a
carência, o prazo. Temos um clube relativamente organizado. É o
momento de investir, construir, buscar efetivamente criar as
condições para tornarmos a ter um Flamengo vencedor, campeão,
protagonista.
A hora é
agora.
Queremos
um time vencedor, campeão. Capaz de brigar, lutar, mastigar o último
tufo de grama em busca do triunfo, do êxito. Se fenecer, que o faça
atirando, as mãos fechadas em torno do pescoço do rival. Que nunca
desista, nunca. Que, acima de tudo, jamais aceite a perspectiva da
derrota, do revés.
No
momento em que percebermos isso sendo levado para o campo, voltaremos
a dar as mãos. A jogar juntos. A empurrar. A ser o diferencial de
sempre.
Porque
essa é nossa índole. Isso é o que nos faz flamengos.
Os
Alfarrábios do Melo retornam em 10 de janeiro. Deixo aqui meu desejo
de Boas Festas a todos, e que efetivamente tenhamos um 2016
radicalmente distinto da realidade descrita nas linhas acima.