domingo, 20 de dezembro de 2015

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Este é meu último texto de 2015, uma vez que embarcarei rumo à fruição de ociosas e merecidas férias.

Isto posto, resolvi dedicar essas derradeiras linhas para tentar tecer algumas considerações sobre a pavorosa, melancólica e lastimável temporada que assolou mentes e corações rubro-negros, solapando de forma inapelável nosso estado de espírito (para atenuar, ilustro o post com alguns parcos bons momentos vividos no ano).

Sim, porque em 2015 o rubro-negro conviveu de forma constrangedoramente íntima com o instituto da derrota.

É verdade que já tivemos outros times frouxos em nossa história recente. Um bom exemplo é o que disputou o Brasileiro de 1996, comandado pela viril figura do repatriado Bebeto (que, aliás, largou o time no meio da competição). Uma equipe que assinalou a proeza de sofrer QUATRO derrotas contundentes em seguida (três delas por goleada), feito jamais doravante igualado. Um time técnico, mas com queixo de vidro, cuja grande façanha foi jogar descontraidamente a partida em que, derrotado pelo Bahia, ajudou a rebaixar o Fluminense.

Também é fato que já padecemos de anos com derrotas sistemáticas para rivais. A quina vascaína de 1988 e a série de reveses para o Fluminense de Joel e Renato Gaúcho em 1995 indicam que o fenômeno, embora raro, ocasionalmente pode acontecer, sendo normalmente sucedido por uma série de surras rubro-negras em sequência, à guisa de retorno à ordem natural das coisas.

Já houve igualmente equipes frias, sem vibração, com jogadores sem a mais remota identificação com as cores rubro-negras. Caso do time do primeiro semestre de 1990, onde desfilavam craques como Edu Marangon, André Cruz e Josimar, um time gelado e incapaz de criar um vínculo com a torcida, e que, não por acaso, terminou o Estadual na quarta posição, perdendo quatro dos seis clássicos disputados (sem vencer nenhum deles).

Problemas de relacionamento, o tal “elenco rachado”, também são relativamente recorrentes na nossa história (a rigor, na de qualquer clube), e não é difícil identificar exemplos de desavenças vividas em 1995 (Edmundo-Sávio), 2001 (Petkovic-Edílson) ou, mais recentemente, 2014 (Léo Moura-Wallace).

Por fim, não é difícil identificar equipes em que grassou a mais completa falta de profissionalismo, com jogadores descompromissados, dados a festas, bebidas e outros tipos de preocupação, casos clássicos dos times do Brasileiro de 2000 e do início de 2010, só para mencionar os mais célebres, cuja explanação de detalhes julgo ser dispensável, dado o domínio público dos mesmos.

O que tornou essa temporada “especial” não foi termos a incidência dos problemas acima narrados. Foi a sua ocorrência SIMULTÂNEA, algo, aí sim, talvez sem precedentes na nossa história recente. Um time frouxo, dado a apanhar de rivais, frio, rachado e formando bondes de cachaça, tudo isso ao mesmo tempo. Que não padeceu com as querelas da briga pelo rebaixamento em função da boa qualidade de alguns jogadores e da organização mínima estrutural (time recebendo em dia, treinando em local isolado entre outros fatores, ou seja, dispondo do mínimo necessário).

Penso que os elementos que propiciaram a formação de quadro tão catastrófico, como a omissão da administração, que relegou a terceiro plano a gestão do futebol, seja no aspecto financeiro (priorizou o saneamento das contas), seja no aspecto político (nenhum membro quis assumir DE FATO a pasta, que acabou nas mãos do já testado e reprovado Gerson Biscotto por força de arranjos eleitorais), seja no aspecto técnico (havia a crença, a meu ver equivocada, de que a figura do VP estatutário poderia ser mitigada, o que fez com que o futebol acabasse indesejavelmente terceirizado) já foram suficientemente debatidos, discutidos e atacados durante o árduo, penoso e por vezes tedioso processo eleitoral que recentemente se encerrou. Ficou claro, nítido, patente, cristalino que, mesmo num contexto de trabalho a longo prazo sem a exigência de resultados expressivos imediatos, houve uma série bastante ampla de erros que redundaram neste terrível 2015 onde, ironicamente, o Flamengo dispunha do melhor elenco no papel nesses três anos de administração azul.

Normalmente um desastre como o que assolou o futebol da Gávea nesse período costuma remeter a algumas conclusões interessantes, desde que haja vontade efetiva de aprender com elas.

Então, olhando para a frente, temos:

A primeira dessas conclusões é a cristalização da queda do mito da infalibilidade. Em que pese o brilhante, magnífico trabalho de recuperação institucional levado a cabo nos anos 2012-15 (que inclusive ensejou a reeleição da atual administração, a despeito dos problemas com o futebol), não estamos diante de príncipes carecas encantados vestidos em casacas de cetim azul montados em cavalos brancos, carregando tábuas de mármore onde estão inscritos os ensinamentos da verdade plena. Erra-se sim. Erra-se muito. Erra-se gostoso. Erra-se forte e pesado nessa administração, como em qualquer outra. Destarte, equivocou-se na concepção e na execução do plano para o futebol, como acima mencionado.

Outra conclusão que parece estar se solidificando é o abandono da crença do “sebastianismo”, da figura salvadora, do “supercraque” que irá conduzir o time aos píncaros da glória. Flamengo trouxe o melhor atacante de 2013 (Marcelo Cirino), ganhando uma disputa forte com equipes paulistas. Pouco mais tarde, chegou Guerrero, ídolo do “timaum”, autor de gols importantes, artilheiro da Copa América, um dos principais atacantes em atividade na América do Sul. E ambos, até aqui, fracassaram enfaticamente, apesar de um excelente início. Como soçobraram outros jogadores de boa qualidade, que aqui simplesmente não renderam, ou o fizeram abaixo do que são capazes.

O que se consubstancia em material para a terceira conclusão. De que adianta chegarem nomes de ponta, jogadores realmente bons, se não existem as condições para que rendam? Se são alojados em containers improvisados, tratados com equipamentos obsoletos, submetidos a cargas de treinamento ultrapassadas? Se são entregues à preparação com profissionais qualificados, mas que não conseguem entregar resultados e não são cobrados por isso, seja lá por qual motivo for?

E, por último, a conclusão derradeira, traduz-se na certeza de que se pode trazer o jogador de alto nível, pode-se recrutar os profissionais mais capacitados, pode-se equipar o clube com o que há de mais moderno em fisiologia do desporto. Mas, contudo, entretanto, todavia, nada disso girará de maneira harmônica sem o bastão da COBRANÇA. Do ACOMPANHAMENTO contínuo. Do olho do DONO. Da máxima monitorar, executar, cobrar, premiar/punir. E isso não pode, não deve, sob nenhuma hipótese, ser delegado ou terceirizado. Isso é prerrogativa do CLUBE. De quem GOVERNA. De quem CONTRATA. Não dos contratados.

Aparentemente, despertou-se para essa realidade. O clube acordou e parece estar iniciando um trabalho dentro do Departamento de Futebol com um novo olhar. Injetando dinheiro. Renovando e fixando uma equipe de trabalho, calçada em contratos longos. Importando expertise de alta performance. Insurgindo-se de forma definitiva contra a letargia na conclusão do decantado Centro de Treinamentos. Buscando um treinador com currículo e personalidade, abandonando a aposta em “jovens técnicos promissores” ou churrasqueiros.

Entretanto, o volume de recursos posto à disposição para reforçar o elenco ainda é modesto, embora tenha sido duplicado. Com isso, o pacote de reforços ainda se baseia, em sua maioria, em jogadores de baixo ou nenhum custo e pouca experiência em equipes de ponta, o que coloca em dúvida a sua capacidade de vingarem em um clube do porte do Flamengo. Trata-se de uma lacuna em que urge o saneamento em um futuro próximo, especialmente a partir do momento em que as divisões de base se mostrarem capazes de se revestirem em centros de fornecimento de atletas para o elenco profissional, o que hoje não acontece de forma consistente.

Enfim.

Sim, há um trabalho a longo prazo. Sim, está chegando o momento de colher resultados. Não, a torcida não dispõe mais de paciência. Acabou a carência, o prazo. Temos um clube relativamente organizado. É o momento de investir, construir, buscar efetivamente criar as condições para tornarmos a ter um Flamengo vencedor, campeão, protagonista.

A hora é agora.

Queremos um time vencedor, campeão. Capaz de brigar, lutar, mastigar o último tufo de grama em busca do triunfo, do êxito. Se fenecer, que o faça atirando, as mãos fechadas em torno do pescoço do rival. Que nunca desista, nunca. Que, acima de tudo, jamais aceite a perspectiva da derrota, do revés.

No momento em que percebermos isso sendo levado para o campo, voltaremos a dar as mãos. A jogar juntos. A empurrar. A ser o diferencial de sempre.

Porque essa é nossa índole. Isso é o que nos faz flamengos.


Os Alfarrábios do Melo retornam em 10 de janeiro. Deixo aqui meu desejo de Boas Festas a todos, e que efetivamente tenhamos um 2016 radicalmente distinto da realidade descrita nas linhas acima.