Eis que o destino quis, no fim de semana do 120º aniversário do Mais Querido, me colocar para escrever uma coluna justamente entre os dois maiores resgatadores da memória flamenga. Sei bem o meu lugar e não vou me meter em área que eu não domino.
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Estive nessa semana em uma apresentação do Plano de Governo da Chapa Azul e, quando se falava de futebol, um dos presentes questionou uma das metas que dizia respeito à utilização de atletas oriundos das divisões de base do Flamengo. A intenção era de que, em médio/longo prazo, pelo menos 30% da nossa equipe profissional fosse composta de jogadores da base e ele entendia que esse número era baixo. Sua proposta, já inclusive acatada, era pensar em 50% do elenco formado nas nossas categorias inferiores.
Coincidentemente, li também um estudo do CIES (Centre International D'Etude du Sport) sobre a presença de jogadores da base em equipes de 31 países europeus. O estudo completo pode ser acessado aqui mas tentarei analisar um pouco os números e trazer para a nossa realidade. Num mundo cada vez mais global, era de se esperar que a proporção esteja caindo. De 23,1% em 2009, hoje temos 19,7% dos jogadores formados na base do próprio clube. Claro que esse número é maior nos países do leste europeu, estando a Bielorrússia na frente, o único país com mais de um terço (34%) do total. Entre as cinco grandes ligas, a espanhola é a única que supera a barreira de 20%, muito puxado pelo Athletic Bilbao, que ainda se prende a regra de ter apenas jogadores bascos nas suas fileiras, e pelo Las Palmas. A base mais produtiva da Europa, ao contrário do que podíamos supor, não é a do Barcelona. Pelo menos em quantidade, o sérvio Partizan e o Ajax estão bem na frente dos espanhóis com, respectivamente, 78 e 75 jogadores formados contra 62 do Barça.
O que me faz pensar: será que essa meta de 50% do elenco formado na base é muito ousada? Eu, pelo menos, cresci ouvindo que "craque o Flamengo faz em casa". Do brilhante time campeão do mundo, oito dos onze titulares eram formados na Gávea. Depois disso, tivemos a ótima geração campeã da Copa São Paulo de 1990 (que, por sinal, só estourou mesmo fora do clube) e só. Um ou outro jogador esporádico se destacou, casos do Adriano, Júlio César, Juan e Renato Augusto. Nossa base foi colocada de lado, pouco se investiu mas parece, pelos bons resultados recentes dos times sub-15 pra baixo, que poderemos colher frutos em alguns anos. Além disso, o investimento em estrutura e pessoal deve ser forte. A conclusão do centro de treinamento tem que ser prioridade um e precisa ser acompanhada da capacitação dos profissionais.
Ruy Castro escreveu no seu livro "O Vermelho e o Negro" sobre o time campeão carioca de 78: "Ali estava o Flamengo do presente e do futuro: um time de meninos nascidos na Gávea, temperados por dois ou três veteranos de alhures, mas que sabiam encarnar a alma flamenga". Eu pouco me lembro daquele esquadrão, era um menino de quatro anos. Por isso sonho não em ver outro time parecido, mas em ver um clube estruturado para que equipes assim não sejam exceção, sejam regra.
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É comum entre os judeus desejarem um ao outro que vivam "até os 120". Isso é porque nos é contado que Moisés tinha 120 anos quando faleceu e sua vida foi considerada perfeita e completa. O Flamengo está chegando aos 120 mas sua vida está longe de estar completa. Desejo mais 120 e, que no ano de 2135, um descendente meu, rubro-negro até a alma, possa estar passando pro seu filho o mesmo amor pelo Mais Querido que eu estou passando para o meu.