Irmãos
rubro-negros,
Nosso querido e
amado Clube de Regatas do Flamengo comemorará 120 anos de vida no próximo
domingo, dia 15 de novembro (lembrando que o Mengo foi fundado em 17 de
novembro de 1895, porém os associados resolveram alterar a data para o dia 15
de novembro, a fim de coincidir com o feriado de proclamação da República).
Pois eu
gostaria, muito humildemente, de prestar uma sincera homenagem ao Flamengo.
Nesses tempos
conturbados dentro e fora de campo, não pretendo falar de eleição, atletas
irresponsáveis, campanhas medíocres, vexames inaceitáveis e sofrimento.
O momento é de
relembrar os bons momentos, de acarinhar o nosso maltratado coração, de inflar
o nosso orgulho.
Quero compartilhar
com os amigos uma história que remonta aos primórdios do clube, precisamente ao
ano de 1927, ocasião em que o Flamengo realizou uma das mais belas façanhas de
sua vida.
Uma história que
retrata com extrema fidelidade a mística da sagrada camisa vermelha e preta.
Quem conta essa
epopeia de amor, raça, devoção e fé são dois grandes autores: Edigar de Alencar
e Mario Filho.
Irmãos, com
vocês, a Mística da Camisa que Joga Sozinha.
...
“O capítulo dos tempos heróicos não ficaria completo
sem especial referência a uma passagem épica da vida do Flamengo.
Já integrando a AMEA, em 1927, o clube rubro-negro foi suspenso pela entidade máxima por um ano, porque prometera ceder seu campo (na Rua Paissandu) ao Clube Atlético Paulistano (que estava proibido, pela liga de São Paulo, por se rebelar contra o ‘amadorismo marrom’, de disputar amistosos anteriormente agendados com clubes argentinos), e, advertido para que não o fizesse, honrou seu compromisso, permitindo que em Paissandu o grande clube paulista realizasse um encontro com um grêmio argentino.
A punição foi
uma bomba a sacudir os meios esportivos e a grande torcida rubro-negra.
Alguns jogadores,
não querendo permanecer fora das lides futebolísticas por tão largo período,
aceitaram convites de outros clubes para defender suas cores.
Dispersaram-se.
Quando se
aproximava o início do campeonato da cidade, nova onda se espraiou por todo o
Rio. O Flamengo fora do campeonato regional seria uma coisa estapafúrdia.
Os rumores
cresceram a tal ponto que a entidade metropolitana resolver recuar, quase às
vésperas da abertura do torneio.
Então o Flamengo
teve a suspensão cancelada.
Mas os seus
quadros estavam desfalcados. Alguns dos seus defensores poderiam voltar às suas
hostes, pois o velho espírito rubro-negro assim determinaria. Entretanto,
outros já se haviam engajado. E entre os primeiros, quase todos estariam fora
de forma.
Foi um alvoroço.
O clube
conclamou seus integrantes de ontem. Uma clarinada se fez reboar no campo da
Rua Paissandu, chegando até aos subúrbios.
Jogadores ‘aposentados’
de outros clubes, amigos do Flamengo, se ofereceram a auxiliá-lo na difícil
emergência.
E apareceram Pastor,
Frederico e outros do Bangu, como voluntários, para a batalha que dentro em
breve se travaria.
Píndaro, o
Píndaro de todas as horas, notadamente das mais angustiantes, sem pôr o pé numa
bola havia muito tempo, foi dos primeiros que se apresentaram, mais uma vez,
para honrar o pavilhão rubro-negro.
E apareceram
Seabra, Vadinho e outros mais, ao lado de alguns novatos, vaidosos da sua
convocação.
O campeonato de
1927 começou com o Flamengo todo desconjuntado, mas transpirando energia,
sangrando coragem e disposição.
E as vitórias,
duríssimas, sofridas, foram chegando.
O time quase
improvisado fazia milagres. Os conjuntos bem estruturados das outras
agremiações iam caindo, um a um.
Veio o jogo com
o Vasco, cuja equipe era, provavelmente, a mais homogênea do campeonato, o que dispunha
de melhor plantel, com Russinho pontificando no comando de uma vanguarda
arrasadora.
A defesa do
Flamengo resistia. Amado (goleiro) pegava tudo, como um alucinado. Hermínio,
Hélcio, Benevenuto, Flávio Costa, o Alicate, caíam em campo esgotados, uns com câimbras,
outros com estafa, aparvalhados, boca aberta, como que ensandecidos. Os atacantes
desciam para ajudar a defesa e acabavam no ‘prego’.
O Vasco desesperava. Jogou todo o segundo tempo no campo do Flamengo, bombardeando o gol que dava para o Palácio Guanabara.
O Vasco desesperava. Jogou todo o segundo tempo no campo do Flamengo, bombardeando o gol que dava para o Palácio Guanabara.
O Flamengo deu
três escapadas, três gols. Todos os três de Vadinho, de fora da área, com
aquele chute que Deus lhe deu.
Uma partida
inesquecível.
Moderato, no
returno, foi vítima de uma crise de apêndice supurado, tendo de submeter-se a
uma intervenção cirúrgica de emergência. Ainda cintado (nessa época uma
operação de apêndice inspirava muitos cuidados), participou da última partida
do campeonato.
Nesse 1927
heróico o Flamengo conquistaria, mais uma vez, a última do regime amadorista, o
título de campeão da cidade.
Foi a jornada
mais impressionante de todas as campanhas do mais-querido, cujo esquadrão,
sujeito a retoques constantes, acabava os jogos totalmente aniquilado pelo
brutal esforço. Esfalfados, arquejantes, os jogadores mal podiam festejar a
vitória conquistada a poder de tremenda e irredutível força de vontade.
O campeonato de
1927 é uma das páginas mais belas da belíssima história do Clube de Regatas do
Flamengo.”
Edigar de Alencar.
...
“Foi o campeonato de 27. O Flamengo tinha perdido Penaforte, o companheiro de Hélcio. Penaforte ia se casar, pediu a mobília de quarto ao Flamengo, o Flamengo não deu, o América deu, Penaforte foi para o América.
Talvez, por
isso, o Flamengo festejou mais o título.
Era o campeonato
da força de vontade.
Enquanto isso,
os torcedores dos outros clubes debochavam do título do Flamengo, que aquele
não era título que se usasse.
Tinha havido um
jogo com o Vasco, o Vasco sem sair da porta do gol do Flamengo, Amado pegando
tudo.
O Vasco não se
conformou: time era o do Vasco, Flamengo não tinha time.
E o Flamengo,
então, concordou que não tinha time, embora tivesse Amado no gol, Hélcio de
beque e Fragoso e Vadinho lá na frente para fazer os gols.
O Flamengo, era
o que dizia grave e enfaticamente o pessoal do Rio Branco (antigo café situado no Centro do Rio de Janeiro, na esquina
das Ruas São José e Rodrigo Silva. Hoje no local existe uma ótica), não
precisava de time para conquistar um campeonato. Bastava-lhe a camisa. Onze
paus de vassoura com camisas do Flamengo seriam irresistíveis.
O que Obdúlio
Varela fez aqui, em 50, com a gente, puxando com dois dedos a malha da camisa
uruguaia, es la celeste, o Flamengo
fez com os outros clubes, camisa era a rubro-negra, a camisa que vencia
sozinha. Os outros clubes tinham de rebolar para vencer, o Flamengo vencia com
a camisa.
Já se chamava o
Flamengo de campeão de terra-e-mar. Começou a chamá-lo de clube da força de
vontade. Eram legendas.
E o Flamengo não
tinha só legenda, tinha slogan: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
Coisa do Júlio
Silva que, todos os anos, saía nas batalhas de confete e no carnaval com o
Bloco do Eu Sozinho. Não dizia nada, não sorria, cara amarrada feito Buster
Keaton, não apressava o passo, carregando uma tabuleta onde se lia: Bloco do Eu
Sozinho.
Era gente assim
que estava fazendo o Flamengo, talvez sem dar por isso.”
...
Abraços a todos
e Saudações Rubro-Negras.
Uma vez
Flamengo, sempre Flamengo.