sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A Camisa que Joga Sozinha






Irmãos rubro-negros,


Nosso querido e amado Clube de Regatas do Flamengo comemorará 120 anos de vida no próximo domingo, dia 15 de novembro (lembrando que o Mengo foi fundado em 17 de novembro de 1895, porém os associados resolveram alterar a data para o dia 15 de novembro, a fim de coincidir com o feriado de proclamação da República).

Pois eu gostaria, muito humildemente, de prestar uma sincera homenagem ao Flamengo.

Nesses tempos conturbados dentro e fora de campo, não pretendo falar de eleição, atletas irresponsáveis, campanhas medíocres, vexames inaceitáveis e sofrimento.

O momento é de relembrar os bons momentos, de acarinhar o nosso maltratado coração, de inflar o nosso orgulho.

Quero compartilhar com os amigos uma história que remonta aos primórdios do clube, precisamente ao ano de 1927, ocasião em que o Flamengo realizou uma das mais belas façanhas de sua vida.

Uma história que retrata com extrema fidelidade a mística da sagrada camisa vermelha e preta.

Quem conta essa epopeia de amor, raça, devoção e fé são dois grandes autores: Edigar de Alencar e Mario Filho.

Irmãos, com vocês, a Mística da Camisa que Joga Sozinha.

...

“O capítulo dos tempos heróicos não ficaria completo sem especial referência a uma passagem épica da vida do Flamengo.


Já integrando a AMEA, em 1927, o clube rubro-negro foi suspenso pela entidade máxima  por um ano, porque prometera ceder seu campo (na Rua Paissandu) ao Clube Atlético Paulistano (que estava proibido, pela liga de São Paulo, por se rebelar contra o ‘amadorismo marrom’, de disputar amistosos anteriormente agendados com clubes argentinos), e, advertido para que não o fizesse, honrou seu compromisso, permitindo que em Paissandu o grande clube paulista realizasse um encontro com um grêmio argentino.

A punição foi uma bomba a sacudir os meios esportivos e a grande torcida rubro-negra.

Alguns jogadores, não querendo permanecer fora das lides futebolísticas por tão largo período, aceitaram convites de outros clubes para defender suas cores.

Dispersaram-se.

Quando se aproximava o início do campeonato da cidade, nova onda se espraiou por todo o Rio. O Flamengo fora do campeonato regional seria uma coisa estapafúrdia.

Os rumores cresceram a tal ponto que a entidade metropolitana resolver recuar, quase às vésperas da abertura do torneio.

Então o Flamengo teve a suspensão cancelada.

Mas os seus quadros estavam desfalcados. Alguns dos seus defensores poderiam voltar às suas hostes, pois o velho espírito rubro-negro assim determinaria. Entretanto, outros já se haviam engajado. E entre os primeiros, quase todos estariam fora de forma.

Foi um alvoroço.

O clube conclamou seus integrantes de ontem. Uma clarinada se fez reboar no campo da Rua Paissandu, chegando até aos subúrbios.

Jogadores ‘aposentados’ de outros clubes, amigos do Flamengo, se ofereceram a auxiliá-lo na difícil emergência.

E apareceram Pastor, Frederico e outros do Bangu, como voluntários, para a batalha que dentro em breve se travaria.

Píndaro, o Píndaro de todas as horas, notadamente das mais angustiantes, sem pôr o pé numa bola havia muito tempo, foi dos primeiros que se apresentaram, mais uma vez, para honrar o pavilhão rubro-negro.

E apareceram Seabra, Vadinho e outros mais, ao lado de alguns novatos, vaidosos da sua convocação.

O campeonato de 1927 começou com o Flamengo todo desconjuntado, mas transpirando energia, sangrando coragem e disposição.

E as vitórias, duríssimas, sofridas, foram chegando.

O time quase improvisado fazia milagres. Os conjuntos bem estruturados das outras agremiações iam caindo, um a um.

Veio o jogo com o Vasco, cuja equipe era, provavelmente, a mais homogênea do campeonato, o que dispunha de melhor plantel, com Russinho pontificando no comando de uma vanguarda arrasadora.

A defesa do Flamengo resistia. Amado (goleiro) pegava tudo, como um alucinado. Hermínio, Hélcio, Benevenuto, Flávio Costa, o Alicate, caíam em campo esgotados, uns com câimbras, outros com estafa, aparvalhados, boca aberta, como que ensandecidos. Os atacantes desciam para ajudar a defesa e acabavam no ‘prego’.

O Vasco desesperava. Jogou todo o segundo tempo no campo do Flamengo, bombardeando o  gol que dava para o Palácio Guanabara.

O Flamengo deu três escapadas, três gols. Todos os três de Vadinho, de fora da área, com aquele chute que Deus lhe deu.

Uma partida inesquecível.

Moderato, no returno, foi vítima de uma crise de apêndice supurado, tendo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica de emergência. Ainda cintado (nessa época uma operação de apêndice inspirava muitos cuidados), participou da última partida do campeonato.

Nesse 1927 heróico o Flamengo conquistaria, mais uma vez, a última do regime amadorista, o título de campeão da cidade.

Foi a jornada mais impressionante de todas as campanhas do mais-querido, cujo esquadrão, sujeito a retoques constantes, acabava os jogos totalmente aniquilado pelo brutal esforço. Esfalfados, arquejantes, os jogadores mal podiam festejar a vitória conquistada a poder de tremenda e irredutível força de vontade.

O campeonato de 1927 é uma das páginas mais belas da belíssima história do Clube de Regatas do Flamengo.”

Edigar de Alencar.

...




“Foi o campeonato de 27. O Flamengo tinha perdido Penaforte, o companheiro de Hélcio. Penaforte ia se casar, pediu a mobília de quarto ao Flamengo, o Flamengo não deu, o América deu, Penaforte foi para o América.

Talvez, por isso, o Flamengo festejou mais o título.

Era o campeonato da força de vontade.

Enquanto isso, os torcedores dos outros clubes debochavam do título do Flamengo, que aquele não era título que se usasse.

Tinha havido um jogo com o Vasco, o Vasco sem sair da porta do gol do Flamengo, Amado pegando tudo.

O Flamengo deu quatro ataques, três a zero porque o gol mais bonito foi anulado.

O Vasco não se conformou: time era o do Vasco, Flamengo não tinha time.

E o Flamengo, então, concordou que não tinha time, embora tivesse Amado no gol, Hélcio de beque e Fragoso e Vadinho lá na frente para fazer os gols.

O Flamengo, era o que dizia grave e enfaticamente o pessoal do Rio Branco (antigo café situado no Centro do Rio de Janeiro, na esquina das Ruas São José e Rodrigo Silva. Hoje no local existe uma ótica), não precisava de time para conquistar um campeonato. Bastava-lhe a camisa. Onze paus de vassoura com camisas do Flamengo seriam irresistíveis.

Assim, o Flamengo arranjou mais uma legenda: A DO CLUBE DA CAMISA. Ou a do clube da bandeira.

O que Obdúlio Varela fez aqui, em 50, com a gente, puxando com dois dedos a malha da camisa uruguaia, es la celeste, o Flamengo fez com os outros clubes, camisa era a rubro-negra, a camisa que vencia sozinha. Os outros clubes tinham de rebolar para vencer, o Flamengo vencia com a camisa.

Já se chamava o Flamengo de campeão de terra-e-mar. Começou a chamá-lo de clube da força de vontade. Eram legendas.

E o Flamengo não tinha só legenda, tinha slogan: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.

Coisa do Júlio Silva que, todos os anos, saía nas batalhas de confete e no carnaval com o Bloco do Eu Sozinho. Não dizia nada, não sorria, cara amarrada feito Buster Keaton, não apressava o passo, carregando uma tabuleta onde se lia: Bloco do Eu Sozinho.

Era gente assim que estava fazendo o Flamengo, talvez sem dar por isso.”

Mario Filho.



...

Abraços a todos e Saudações Rubro-Negras.


Uma vez Flamengo, sempre Flamengo.