Saudações flamengas a
todos,
O Flamengo está próximo
de completar 120 anos de vida. Com isso, essa semana dou início a uma série de
textos que remetem aos primórdios da nossa história. O primeiro deles irá
detalhar a primeira temporada da vida flamenga no futebol. Com efeito, o que se
tem em mente é que no longínquo 1912 o Flamengo jogou com uma camisa esquisita,
meteu uma goleada estrondosa na estréia, perdeu o Fla-Flu e não ganhou o
campeonato. Para saber um pouco mais sobre este campeonato, convido-os a ler as
linhas que se seguem. Para temperar, foram acrescentados alguns termos da época
(sem exageros). Então, boa leitura.
(nas próximas semanas,
retroagiremos ainda mais na história do clube)
* * *
1912. Vai começar a temporada. Após o confuso campeonato anterior (com abandonos e cisões), a Liga Metropolitana de Sports Athleticos aumenta o número de participantes para oito, abrindo assim quatro vagas. Duas delas são ocupadas por Bangu e São Cristóvão (vencedores da Segunda Divisão), e para as demais são convidados o SC Mangueira (equipe de uma fábrica de chapéus, sem relações carnavalescas) e o novo CR Flamengo, team que abrigou os rebeldes do Fluminense, campeão do ano anterior. O Fluminense, por sinal, que nutre excelente relação com o Flamengo (há intercâmbio de atletas e até dirigentes), cede seu campo para a utilização do rubro-negro, além de interceder pela participação do club, convencendo a LMSA que a presença do Flamengo irá elevar sobremaneira o nível da competição, fazendo-a preponderar sobre a Liga ora comandada pelo arqui-rival Botafogo.
MANGUEIRA 2-16 FLAMENGO

O restante da partida
resume-se a um match-training, dada a diferença técnica dos teams.
Ironicamente, o gol mais bonito é de Octavio, do Mangueira, em um shoot de
longe. Até hoje a maior controvérsia do cotejo é seu real placar. Os jornais da
época falam em 15, 16 e até 17 gols marcados (cinco deles de Gustavo, o
destaque). 16-2 é o placar considerado oficial pelo Flamengo.
FLAMENGO 6-3 AMÉRICA
19/05, Laranjeiras.
Primeira demonstração de força do Flamengo (que já havia vencido o rival em trainings).
O primeiro tempo ainda apresenta certo equilíbrio, terminando 3-2 para o
rubro-negro. Mas, no segundo half-time, o América não resiste à pressão do veloz
ataque flamengo, que constrói a vitória com naturalidade. Borgerth, Arnaldo e
Gustavo, duas vezes cada, dividem os gols.
FLAMENGO 1-2 PAYSANDU

BANGU 4-7 FLAMENGO

FLUMINENSE 3-2 FLAMENGO
07/07, Laranjeiras. O
Fluminense, que perdeu seus principais jogadores justamente para o rubro-negro,
faz campanha regular, ocupando posições intermediárias. Assim, o Flamengo é
tido como favorito pleno. Mas o adversário encara o match como um assunto de
honra, e exerce, desde o primeiro minuto, uma resistência que desnorteia e
enerva o eleven rubro-negro. O Flamengo, novamente desfalcado de Curiol, mantém
a escalação que não funcionou em Bangu. Ademais, segue repetindo o
posicionamento errado de sua defesa, que marca em linha. O duelo, de
assistência numerosa, inicia extremamente movimentado, e aos 5’ já está
empatado em 1-1, score que persiste até o intervalo. No segundo half-time, após
chances criadas pelos dois teams, que praticam um jogo duro e até violento, o
fullback reserva Cintra comete hands (mão na bola). Freekick (pênalti), que
Baena quase defende, mas não evita o segundo gol adversário. O Flamengo se
lança em uma luta quase suicida ao ataque, perde gols inacreditáveis (e quase
sofre outros tantos), até que a 5’ do final chega ao empate, em um tiro de
longe do fullback Píndaro. Enquanto os rubro-negros comemoram, o adversário se
lança à frente e, após uma série de peripécias, chega ao gol a poucos segundos
do apito final. Uma derrota inesperada, que terá conseqüências fatais no desfecho
da competição.
FLAMENGO 4-0 RIO
CRICKET (14/07, Laranjeiras), FLAMENGO 5-0 SÃO CRISTÓVÃO (28/07, Laranjeiras)
Para o restante do
campeonato, o Flamengo perde um importante jogador. Gustavo, seu principal forward
e goleador, embarca para a Europa, para concluir seus estudos de Engenharia
(retornará em 1917). Este fato, somado ao mau desempenho da defesa, enseja uma
completa reformulação na escalação da equipe. Com a volta de Curiol, o
criticado Cintra retorna ao segundo team, e a formação base fica assim
definida: Baena, Píndaro e Nery; Lawrence, Amarante e Gallo; Curiol, Arnaldo,
Gilberto, Bahiano e Alberto.
As alterações dão
certo, e o time já se mostra mais sólido e combativo nas partidas contra os
perigosos Rio Cricket e São Cristóvão, vencendo-os sem dificuldades por
placares elásticos (ressalvando-se que o time alvo atuou bastante desfalcado).
Mas a mudança para um jogo menos vistoso não agrada a crônica, que recheia de
críticas as atuações flamengas. Destaque para a saraivada de censuras ao
comportamento do inside-left forward (o ponta-de-lança, camisa 10) Bahiano, que
se esmera em dribles e firulas desnecessários, num comportamento considerado
“antidesportivo e desleal” pelos periódicos cariocas.
AMÉRICA 0-1 FLAMENGO

Os jornais, que já
andavam demonstrando certa preferência aos rubros antes do jogo, colocando-os
como favoritos, explodem em críticas. “A vitória foi decorrente exclusivamente
da sorte”, “o árbitro foi de uma parcialidade que tocou o cinismo”, “o juiz
parece ser parente de um dos jogadores do club vencedor”, “a nosso ver o jogo
terminou empatado”, “todos os nossos parabéns de hoje vão ao vencido”, entre
outras pérolas. A diretoria do América, esquecendo-se do “detalhe” de, como
mandante, ter indicado o árbitro do cotejo, envia um ofício ao São Cristóvão
solicitando que, quando da ocasião do próximo encontro entre os dois clubs em
campo americano, o team alvo envie outro captain, pois o Sr. Villas-Boas acaba
de ser proibido de colocar os pés no club tijucano. Sobra também para o fujão
Jonathan, que é sumariamente eliminado dos quadros sociais do América.
FLAMENGO 14-0 MANGUEIRA
08/09, Laranjeiras. Um
treinamento de luxo do Flamengo, que conta com uma equipe razoavelmente
modificada. Sete vira, 14 acaba, num jogo em que o fraquíssimo adversário
somente consegue transpor a linha central duas vezes em toda a partida.
Destaque para Arnaldo (5 gols) e para a curiosa alteração do Mangueira no
intervalo, que fez com que um jogador da linha assumisse a posição de
goal-keeper, indo o titular para o meio do campo (não eram permitidas
substituições, mas trocas de posição eram lícitas). O substituto, com belas
defesas, acaba sendo mais elogiado que o goleiro original.
FLAMENGO W-0 BANGU
22/09, Laranjeiras. O
Bangu, talvez temendo um destino parecido ao do Mangueira, não envia seu time
principal a campo. Uma vez que a preliminar, entre os segundos teams, termina
10-0 para o Flamengo, imagina-se que a simpática agremiação suburbana tenha
mesmo escapado de um revés histórico.
PAYSANDU 1-1 FLAMENGO

RIO CRICKET 1-1
FLAMENGO
20/10, Icaraí, Niterói-RJ. O Flamengo precisa vencer esta
partida e torcer para que o Paysandu perca para o Fluminense, o que manteria
aceso o sonho do milagre. Mas nada disso acontece. Já algo desmotivado, o
Flamengo não consegue se impor ao violento Rio Cricket, perde Borgerth contundido
e não sai de um empate. No fim, ainda perde Miguel e Baiano, terminando o jogo
com oito atletas. Enquanto isso, o Fluminense até apõe certa resistência no
início, mas é sobrepujado pela maior força coletiva do Paysandu, que chega aos
4-2 e assim se sagra o campeão carioca de 1912.
FLAMENGO 4-0 FLUMINENSE
27/10, Laranjeiras. Mesmo testando alguns reservas e se dando
“ao luxo” de atuar boa parte do tempo com um jogador a menos (um de seus jogadores
chegou atrasado para a partida), o Flamengo, ao contrário do jogo do primeiro
turno, atua de forma bem mais tranquila, concentrada e disciplinada, não
tomando conhecimento do adversário e chegando à goleada com facilidade. O
goleiro do Fluminense impede uma derrota ainda mais elástica. O Flamengo
seguirá goleando o adversário nos jogos e anos seguintes, mas a derrota na
primeira partida continuará sendo o jogo a ser lembrado por todos.
SÃO CRISTÓVÃO 0-3
FLAMENGO
01/11, Campos Sales. Sem
motivação maior do que cumprir uma formalidade, o Flamengo jogou apenas o
suficiente para construir um placar folgado contra o frágil adversário. Na
primeira etapa o jogo ainda se arrastou em um enfadonho 0-0, mas na volta do
intervalo o Flamengo acelerou o ritmo e chegou sem dificuldades ao placar,
confirmando assim a segunda colocação na temporada.
* * *
E assim termina o ano.
O Paysandu conquista o titulo de Campeão Carioca, somando 24 pontos, contra 22
do Flamengo. O team inglês, embora desprovido de luminares (exceto o
outstanding forward Sidney Pullen, jogador de grande categoria), destaca-se
pelo sólido conjunto e pela força de seu ataque. O Flamengo, mesmo coalhado de
talentos individuais (Baena, Borgerth, Arnaldo, Curiol, Píndaro, Nery, sem
falar em Gustavo, que jogou metade do campeonato), muitas vezes apresentou
falhas em seu jogo coletivo, somente encontrando o equilíbrio no returno,
quando acertou sua defesa (basta constatar os gols sofridos nas duas metades do
campeonato, 14 e 3). Ademais, em vários momentos a equipe apresentou-se com
certa leniência e excessiva irreverência, precisando “adoptar caracter mais
competitivo”, nas palavras de periódicos da época.
Mas, à guisa de
compensação, o Flamengo conquista o campeonato dos segundos teams (algo como os
aspirantes), numa arrancada sensacional, em que desconta uma diferença de
quatro pontos para o América, derrotando-o em match-desempate (4-2). É a
Caxambu Cup, o primeiro troféu da história do futebol flamengo, conquistado já
em seu primeiro ano de existência (o team principal ainda irá aguardar até
1914).
Este é o primeiro ano
da história do futebol do Flamengo. Da nossa história.
Para
maiores informações e detalhes, Livro “Uma Viagem a 1912”, de Marcelo Abinader,
ou os jornais da época