domingo, 13 de setembro de 2015

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

E chegamos ao G4, contra todos os prognósticos, como bem apraz ao Flamengo. A 14 rodadas do final, o rubro-negro entra em uma briga que se desenha renhida, coalhada de batalhas dentro e fora do campo. Que tenhamos força para vencer essa luta. Venceremos.
A torcida parece estar começando a comprar esse time. Está estendendo a mão, e os jogadores, dessa vez, parecem dispostos a segurá-la firmemente. E, quando essa aliança se consuma, se consolida, produz momentos inesquecíveis. Os pontos de coesão. As fagulhas. A ignição. O mágico instante em que time e torcida passam a acreditar solidamente na conquista, na glória, no êxito. A hora em que ser Flamengo passa a se tornar algo biológico, orgânico, amalgamado em nossas mais profundas entranhas. O time e seu torcedor se transfundem em uma só entidade.
Trago aqui hoje alguns desses momentos, passagens que se tornaram eternizadas ao longo da história. Que em 2015 possamos viver algo semelhante.

* * *

FLAMENGO 5-1 CORINTHIANS, Campeonato Brasileiro 1983, Terceira Fase
Com o Campeonato Brasileiro chegando à reta final, nada parece indicar que o Flamengo despontará como um dos candidatos ao título. O time parece imerso em uma letargia iniciada desde a eliminação na Libertadores do ano anterior, e nada parece reerguer a sua flama inicial. Os jogadores parecem gravitar inertes, desmotivados, sem vontade. Com efeito, a equipe ainda não conseguiu empolgar seu torcedor em NENHUMA partida da competição, salvo alguns lampejos de bom futebol no frustrante empate em 1-1 com o Palmeiras, no Maracanã, pela fase anterior. O desgastado Carpegiani, o inexperiente Carlinhos e o interino Cléber Camerino não conseguem fazer a equipe render sequer traço do que pode. Até que chega Carlos Alberto Torres, que só precisa de um treino e uma preleção para operar o verdadeiro milagre de tornar o time pilhado, motivado e com fome. A torcida parece pressentir, e 90 mil vão ao Maracanã. E o Flamengo simplesmente esmaga, atropela, passa por cima, não toma conhecimento do Corinthians de Sócrates, aplica históricos 5-1, goleada que não é ainda mais ampla porque o árbitro gaúcho Roque Gallas simplesmente se recusa a validar os dois gols legítimos que são marcados após o quinto tento. Essa é considerada uma das mais perfeitas atuações da Era Zico. O futebol jogado é de uma qualidade tão cintilante que mesmo o reticente Márcio Guedes, empedernido botafoguense que comenta o jogo, solta-se das amarras e brada ao microfone: “pintou o campeão”. E está certo. A goleada marca o início de uma arrancada retumbante, revestida de outras atuações (quase) tão perfeitas, especialmente no Maracanã, que rebentarão na conquista do tricampeonato brasileiro.

FLAMENGO 2-0 PALMEIRAS, Campeonato Brasileiro 1987, Primeira Fase, Segundo Turno
O estrelado time do Flamengo não está pronto. Longe disso. Até exibe certos momentos de bom futebol, especialmente pelos pés do esfuziante Renato Gaúcho e do cerebral Andrade, mas a sensação é que falta algo. O time se recupera da medíocre campanha do primeiro turno, mas ainda é instável, irregular, chega à quarta rodada com 1 vitória, 1 empate e 1 derrota. A partida contra o Palmeiras é tida como importante, pois o alviverde aparece como concorrente direto a uma vaga para as Semifinais. Zico retorna, e com isso Carlinhos dispõe, enfim, de todos os seus titulares. O Flamengo demora a entrar no jogo, o início é algo claudicante. Mas, quando encaixa, a equipe desliza em campo e não toma conhecimento do adversário. Em um festival de jogadas de efeito, lances desconcertantes e o trio Renato-Zico-Bebeto se mostrando simplesmente imarcável, o Flamengo faz 2-0 e transforma o goleiro palmeirense em uma das grandes figuras do espetáculo. O público, ainda razoável (32 mil, até bom, em se tratando de uma tarde de sábado), sai extasiado do Maracanã, e os comentaristas que acompanharam a partida demonstram estar impressionados com a atuação. O Flamengo, a partir dessa vitória, arrancará de forma fulminante e emocionante para o tetra brasileiro. E passará meses até que volte a ser derrotado, já sem o Galinho na equipe.

FLAMENGO 4-3 FLUMINENSE, Campeonato Estadual 2004, Taça Guanabara
É apenas o quarto jogo da temporada, o terceiro oficial. O time, barato ao extremo e ainda em formação, vem de um frustrante empate no Maracanã contra o Friburguense, partida em que o lateral Roger foi ostensivamente vaiado. O jogo seguinte é contra o caríssimo Fluminense que monta uma “seleção” com jogadores como Romário, Edmundo, Petkovic, Léo Moura, Ramón, entre outros. O tricolor, melhor na partida, abre 3-1, em atuação de gala de Romário, com direito a olé, mesmo no início da segunda etapa. Mas o Baixinho sente lesão e sai. Logo depois, Felipe diminui. É a senha. A massa flamenga desperta e assume a bronca. Vai virar o jogo na marra. O auto-suficiente adversário se encolhe, apavorado. E o Flamengo cresce como uma sombra onipresente que vai ocupando, amplificando-se, instalando-se por todo o campo. A torcida sabe, os jogadores sabem, o adversário sabe, a cidade, o país, o mundo sabe que o jogo vai virar. E se dá o que estava escrito, pelos pés do outrora massacrado Roger que, com dois gols, consuma o desfecho de um dos mais espetaculares clássicos Fla-Flu de toda a história. A Nação, ao som de “Poeira, levantou poeira”, ali, em plena terceira rodada, decreta que o Flamengo é o campeão. Nem que São Judas tenha que calçar chuteiras. O campeonato ainda durará mais dois meses, mas os jogos serão mera formalidade. O Flamengo é o campeão, título conquistado naquele Fla-Flu da Poeira.

FLAMENGO 1-0 SÃO PAULO, Campeonato Brasileiro 2007
A ameaça do rebaixamento ainda existe, mas vai se tornando cada vez menos palpável, o que não deixa de ser um alívio para uma torcida que andou realmente preocupada com a persistência da equipe nas últimas colocações (chegou a ser o lanterna) e, principalmente, com o indigente futebol praticado. Chegam reforços importantes (Ibson, Fábio Luciano, Cristian, Maxi), o treinador Joel Santana, heroi da fuga de 2005, está de volta, e, após algum sofrimento inicial, o Flamengo começa a exibir certo padrão de jogo, baseado na solidez do sistema defensivo e na velocidade dos insinuantes alas Leonardo Moura e Juan. O Flamengo começa a ostentar resultados positivos com frequência (1-0 Fluminense, 4-0 Juventude, 3-1 Cruzeiro, entre outros menos cotados), mas ainda falta a real demonstração de força. E ela virá na partida contra o São Paulo, líder disparado e virtual campeão, com uma defesa vazada apenas 7 vezes, que chega ao Rio com o status de equipe quase imbatível. E, exibindo uma determinação absurda, o Flamengo joga no seu limite extremo e simplesmente faz emperrar o celebrado esquema de Muricy Ramalho. Enlouquecida, a torcida (quase 70 mil) canta, pula, grita que “onde estiver, estarei”, protagoniza o grande momento esportivo do ano. E recebe seu prêmio quando, numa infiltração, Ibson marca o gol da vitória. No fim, a certeza de que o rebaixamento ficou para trás. E é hora de pensar em um objetivo mais audacioso. Sim, a Libertadores é logo ali.

FLAMENGO 2-1 SÃO PAULO, Campeonato Brasileiro 2009
O time melhorou. Isso é evidente. Quem viu as claudicantes atuações dos tempos do Cuca, ou mesmo do início do trabalho do Andrade, e agora vê a equipe passando o trator contra Santo André, Sport e Coritiba nota rapidamente a diferença, certamente ocasionada pela chegada de Álvaro e Maldonado, pela recuperação do habilidoso Zé Roberto e pela efetivação do veterano Petkovic no time titular. Mas ainda existe certa desconfiança. Alguns aduzem que “quando esse time enfrentar os cabeças irá chegar ao seu limite”. Chega a partida contra o São Paulo. Adriano está fora, na seleção. O esforçado Dênis Marques é seu substituto. Mas o Flamengo ignora a ausência de seu principal atacante e vai pra cima. Vai pra dentro. Cria pilhas de gols perdidos. Numa falha, o adversário sai na frente. O time não se abate, segue em cima. Segundo tempo. Quando enfim o rubro-negro parece ceder ao cansaço físico e mental (a bola simplesmente não entra), vem o pênalti. Petkovic cobra, Ceni se adianta e defende. Corajosamente, o auxiliar desafia o “favorito” dos bastidores e corretamente impugna o lance. “Pai, f-se o pênalti”. E Pet dessa vez não perde. A humilhante cavadinha enlouquece os 60 mil. Vai virar, tem que virar. Pet de novo. Açúcar. Faz, meu filho!. E Zé Roberto não vai decepcionar. 2-1. Iremos repetir 2007. Ou talvez não. Talvez venha algo ainda maior. Não tem mais volta.

FLAMENGO 4-0 BOTAFOGO, Copa do Brasil 2013, Quartas-de-Final
Tudo parecia ir bem após a heroica vitória contra o multi-favorito Cruzeiro, na fase anterior da Copa do Brasil. No entanto, a súbita debandada do treinador Mano Menezes provocou um perigoso momento de instabilidade, num período em que a posição na tabela do Brasileiro ainda apontava uma distância demasiadamente curta da Zona do Rebaixamento. O auxiliar Jaime de Almeida assume e consegue canalizar a estupefação com a saída do antigo comandante e a revolta com as críticas da imprensa e torcida (“é o pior time da história”) para dentro de campo, convertendo a indignação em competitividade. E, por alguns meses, o Flamengo se torna uma equipe insinuante, aplicada, organizada e qualificada, praticando um futebol de primeira linha. As vitórias aparecem, e o perigo do descenso vai sendo rapidamente afastado. Chega o jogo decisivo da Copa do Brasil contra o Botafogo. Agressivo, ofensivo, disposto a matar o confronto no tempo normal, o Flamengo engole o vacilante adversário. O ponta Paulinho emula Garrincha e protagoniza a mais brilhante atuação individual da história do Novo Maracanã. As chances vão sendo criadas e o goleador Hernane, em noite de gala, vai simplesmente empurrando pro gol as bolas que lhe aparecem. A goleada é tão tranquila que ainda sobra tempo para uma homenagem ao aniversariante Léo Moura, que ganha um pênalti de presente para celebrar junto aos eufóricos 60 mil. Os 4-0 transmitem confiança ao Flamengo. A taça está logo ali. E alívio ao Botafogo, não foi de seis. Mas chegou perto disso.