terça-feira, 25 de agosto de 2015

O Flamengo Caribenho



"O Flamengo não fica no estádio quando o jogo acaba, sai, é a própria multidão que se perde em mil ruas, levando para cada canto a presença do Flamengo."

Não é comum encontrar em Porto Rico alguém que se interesse por futebol. Essa ilha retangular de 160 x 100 km, que passou das mãos de espanhóis para americanos na guerra hipano-americana no fim do século XIX, com pouco mais de 4 milhões de habitantes tem como esportes mais populares o beisebol, o basquete e o boxe. Portanto, qual não foi minha surpresa ao conhecer, na família de minha esposa, o primo Omar. Encantado com o Brasil, estudioso das nossas culturas, amante do nosso futebol. Capaz de escalar as principais seleções canarinhas do século XX, de conversar longamente sobre Zizinho, sobre Djalma Santos, sobre Didi. Sobre Sócrates, sobre Falcão, sobre Zico. 

Zico.

Flamengo.

Não foi difícil estabelecer o vínculo: "Olha Omar, esquece essa coisa de CBF, a verdadeira paixão nacional é o Flamengo, é a religião da qual Zico foi o Messias que nos levou à terra prometida."

Desde então passou a ler o que encontrava sobre o Flamengo. Se tornou um conhecedor de Leandro, de Júnior, de Adílio. E de Carlinhos, de Bria, de Dida. Doutrinou uma amiga boricua e com ela desenhou e produziu camisas com motivos Flamengos. Uma para ele, outra para ela, outra para algum amigo, raramente passam de 4 ou 5 unidades. Me presenteou algumas. E houve reciprocidade, claro: camisas e bandeiras daqui para lá também.


Uma das camisetas boladas pelo primo para divulgar o Fla em Porto Rico


Em abril de 2013 no esquenta para um jogo do Flamengo, eu minha esposa e ele devidamente uniformizados, solenemente criamos a Fla-Puerto Rico. Por enquanto ainda temos 4 membros: nós 3 mais a amiga das camisetas.


Lançamento da pedra fundamental da Fla-Puerto Rico


Ainda em 2013, sua primeira visita ao Brasil, chegada em Salvador, dia de Flamengo, assistimos na Fla-BA. Foi seu primeiro contato com a grandeza do Flamengo, recinto repleto de rubro-negros, e ele encantado. E o Flamengo tomando gol de goleiro no fim do jogo. Ninguém disse que era fácil. Vimos vários outros num período de algumas semanas já documentado no Buteco nesta coluna.


Em Salvador, na companhia da Fla-BA


Finalmente chegou o momento da realização de um sonho: ver o Flamengo no Maracanã. Não se atreveria a vir sozinho, mas no momento em que confirmei minha vinda ao Rio ele comprou passagem também. San Juan - Miami - Galeão. 12 horas depois estava caminhando pelas aprazíveis ruas do Flamengo em busca de um cafezinho. E daí para a Gávea, secretaria. Para resolver um empecilho: a falta de CPF.

A primeira informação necessária para se associar ao Flamengo é o CPF. Sem isso não há possibilidade de associação pela internet. Enviei email para a secretaria, e a resposta veio tristemente curta: não havia jeito mesmo. Aí entra o Luiz Filho, esse incansável batalhador, que reclama com sua amiga Luzia na secretaria, e ela responde que tem jeito sim, que ela resolve. Então após o cafezinho rumamos ao encontro de nossa guardiã na secretaria. Não foi fácil, todo o sistema gira em torno do CPF, é a chave única identificadora dos sócios. Mas a obstinação com que o tema foi tratado venceu todos os empecilhos, e o primo Omar é aparentemente o primeiro estrangeiro sem CPF a se associar como Contribuinte Off-Rio.


Momento da entrega da tão sonhada carteirinha: só sorrisos


De posse da tão sonhada carteirinha, a primeira providência foi sair para poder entrar pelas catracas da entrada principal, recebendo a mensagem de Bem-Vindo estampada na tela. Momento histórico, devidamente registrado.


"Bem-vindo, estranho, ao seu lar"


Claro que o domingo foi um pouco decepcionante no esquenta, pouca gente nas ruas, bares meio vazios (até o Chico's!!), tudo diferente do que sempre vi em minhas visitas ao Maracanã. Claro, como bem retratou o Melo em sua brilhante coluna dominical, não há quem não esmoreça com tanta demonstração de falta de sei-lá-o-que, falta de tudo, derrotas para Palmeiras e Vasco. Repeti algumas vezes que tivesse o Flamengo ganhado bem do Vasco o cenário de domingo seria outro completamente diferente. Mas o primo Omar estava feliz com o que tinha e via, e interagiu com quem encontrou, tirou fotos, se emocionou com a grandeza do pouco que havia.


Esquenta no Cantinho dos Amigos: dessa vez não teve ENBuF


Já dentro do Maracanã pode cantar tudo o que ensaiou nas semanas que antecederam a viagem: vamu Flamengo, vai pra cima deles Mengo, vai começar a festa, acabou o caô, e que torcida é essa, que faz o que fez nesse nosso templo, contra todas as expectativas?

Torcemos, sofremos, pulamos, gritamos, reclamamos, vibramos, fomos Flamengo! E o Flamengo foi um pouco de Flamengo na tarde de domingo.


O Maraca é nosso!!


O que mais podia nos reservar um dia tão cheio de diferentes emoções, além de um bom chopp com sanduíche de pernil no Lamas, local de tanta história e tantas histórias? Só se fosse em companhia do grande irmão rubro-negro Norske, para fechar com chave de ouro essa viagem inesquecível para o primo Omar.


A resenha se deu no tradicional Lamas, berço da criação do Flamengo.


"Quem vai à Gávea não sente a grandeza do Flamengo. E, muito menos, quem vai à praia e vê a sede, lá atrás, baixa, estreita, com um andar só. Sente-se a grandeza do Flamengo cá fora, nas ruas, nas paredes que viram placares de vitórias do Rubro-Negro. E nos estádios, do lado das arquibancadas, das gerais. A multidão grita Flamengo, e o grito da multidão da uma ideia do que é o Flamengo, uma medida de sua grandeza. O Flamengo não está na Gávea, na praia, no Morro da Viúva: está em toda parte. É grande por fora."

PS: As citações em negrito são do Mário Filho, em Histórias do Flamengo.

PS2: E em dado momento havia pelo menos 15 bambis comodamente acompanhando de pé uma jogada qualquer de falta ou lateral no ataque do São Paulo. De pé no ataquezinho do São Paulo, perceberam? Realmente a Leste virou casa da mãe Joana. Nada que um bom brado a plenos pulmões "Aí, bambizada, vamos sentar que isso aqui não é Morumbi não. Todo mundo sentado, porra!!" não resolvesse. Confesso que me surpreendeu. Todo mundo sentou sem nem olhar para trás. LME ficaria, novamente, orgulhoso!