domingo, 5 de julho de 2015

Alfarrábios do Melo

A melancolia da solidão.

Encolhido em seu canto, olhar desconfiado, expressão taciturna, o treinador evita manifestações mais eloqüentes. Sabe que o momento pede silêncio, cautela. E, principalmente, destreza para entender o xadrez das peças que orbitam frenéticas ao redor de seu pescoço.

O Flamengo está em situação difícil no Brasileiro, beirando o dramático. Em queda livre, sofreu quatro derrotas nas últimas cinco partidas disputadas, algumas delas por goleada. Jogando um futebol abaixo do medíocre, o time tem sido estrepitosamente vaiado quando atua em casa e humilhado quando joga como visitante. Outrora ocupando as primeiras colocações, o time patina na 14ª posição, a cinco pontos dos quatro últimos colocados. Assanhados, os jornais cravam que a briga pelo rebaixamento “chegou para ficar”.

Com sensibilidade, o treinador percebe que os tapinhas e as palavras de incentivo, fartas há poucas semanas atrás, quando o time engatou duas boas vitórias sob seu comando inicial, estão sumindo. Os treinamentos, antes concorridos, são acompanhados por um ou outro dirigente, ou mesmo tocados a ninguém. Os veículos da velha e da nova mídia começam a contestar de forma mais contundente seu trabalho, quando não o fazem abertamente. “Tem que trocar o estagiário”.

Dentro do clube, as pressões já começam a se tornar vívidas, intensas. O treinador sabe que ainda é bancado pelo VP de futebol e tem o apoio dos líderes do elenco, embora também desconfie que alguns jogadores não respeitem seu estilo conciliador e de diálogo, e o tolerem apenas por medo da vinda de um técnico mais linha-dura (que aliás já é especulado pelos corredores). Porém, com a experiência de quem milita no meio desde garoto, sabe que mesmo esses aliados lhe virarão a cara caso os resultados sigam ruins. Porque quem contrata, quem demite, quem escala, quem avalia, quem governa o futebol é o resultado. O resto caminha ao sabor das simpatias e antipatias diversas.

Curioso isso. Chamam-lhe de banana, de sem pulso. Acusam os líderes do elenco de armar o time e definir a tática. Ironicamente, o treinador já viveu o outro lado, era tido como o técnico “de fato” na campanha da conquista de um Brasileiro, quando mantinha longas conversas com o treineiro da época, o também iniciante Violino. O futebol, sempre nos proporcionando as mesmas situações com outros personagens.

Os problemas. Vários jogadores-chave andam lesionados, por não resistirem à sequência de jogos domingo-quarta-domingo. O principal jogador, a estrela do time, continua gordo e indomável, ausentando-se sistematicamente de treinos. E, para piorar, está suspenso. Vários jovens têm que ser lançados na fogueira e, além de já não serem nenhum primor técnico, ainda atuam de forma nervosa e estabanada. Não há um meia capaz de armar o time, a menos que se resolva apostar no veterano semi-aposentado que está no elenco apenas à guisa de um acordo financeiro. Após muita grita por reforços, enfim chegam à Gávea um zagueiro decadente e um volante bichado. No entanto, um dos atacantes mais efetivos, titular absoluto, está sendo negociado de volta para o Oriente Médio.

A gota d’água vem no desimportante jogo pelo torneio internacional, contra um rival estadual. A perda da vaga transforma uma partida de pouco interesse numa tragédia, um elemento amplificador de uma crise que já parece sem controle. Num surto de impulsividade e  esquecendo que o momento pede cautela, o treinador, contrariando a melancólica atuação rubro-negra, comete, quase exultante aos microfones, “achei o time”. Diretores pedem-lhe imediatamente o pescoço, o presidente pressiona, o vice pede calma. Mas há um ultimato. Sábado não se admitirá outro resultado, senão o triunfo. Outro desfecho, o treinador está fora.




A patética desclassificação numa das piores atuações do ano paradoxalmente tranqüiliza o treinador. As cartas estão postas à mesa. O treinador sabe exatamente do que precisa para manter-se no cargo. Sabe com quem, aparentemente, pode contar. Tem a exata noção de que já não é benquisto na função. Os lobbies em favor dos nomes à disposição no mercado começam a ebulir. Telefones tocam. Mensagens são trocadas freneticamente. É a hora de lançar-se em movimentos mais assertivos. Não há mais espaço para a contemporização.

Surpreendentemente, todos os lesionados voltam, estarão em campo. Os contratados se colocam imediatamente à disposição e também irão pro jogo, mesmo se for na reserva. O time treina com certa alegria na véspera do “jogo decisivo”, ou “jogo de seis pontos” na visão dos chacais da palavra impressa.

Vai começar a batalha. Dali, o treinador emergirá para a arrancada ou submergirá no limbo.


E arrastará o Flamengo junto.