domingo, 26 de abril de 2015

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Encerrado, na prática, o primeiro semestre para o Flamengo, penso ser a hora de se elaborar mais um daqueles balanços de temporada, pelo menos sob um prisma individual, ou seja, o meu.

Acredito que toda derrota e consequente objetivo não alcançado dá margem a abordagens mais críticas e negativas, o que penso ser absolutamente normal, afinal de contas estamos falando de futebol, onde impera a inexorável Lei do Resultado.

Mas, passada uma semana da atuação desastrosa da equipe nas semifinais do Estadual, desempenho que abriu a possibilidade de se consumar o verdadeiro assalto a mão desarmada que todo o Brasil presenciou, penso ser relevante ponderar algumas “cositas” sobre o que tem ocorrido no futebol flamengo até aqui.

AS ATUAÇÕES
O Flamengo começou o ano escalado com Paulo Victor, Léo Moura, Wallace, Samir e Pico; Caceres, Canteros e Arthur Maia; Nixon, Cirino e Gabriel. Ou seja, um meio-campo teoricamente leve, com dois volantes e um meia, mais povoado por dois “pontas” que tinham a obrigação de recompor, enquanto se revezavam com o Cirino, que atuava mais ou menos como um “falso nove” (o famigerado).

Com algumas poucas variações sobre esse tema (a principal delas a troca do Caceres por Márcio Araújo), o Flamengo, com essa escalação, conquistou o Torneio do Amazonas e iniciou a Taça Guanabara. O time não foi brilhante, enfrentou certa dificuldade ofensiva em função da falta de qualidade nas finalizações, alguns jogadores (como Nixon e Arthur Maia) apresentaram rendimento irregular, mas mostrou alguma organização e transmitiu ao torcedor a sensação de que havia a continuidade do trabalho iniciado ano passado.

Aí começaram os problemas. Exatamente no jogo contra o Madureira.

Nessa partida, Luxemburgo alterou a concepção do meio-campo. Sacou Nixon e escalou três volantes (Cáceres, Márcio Araújo e Canteros). Arthur Maia também foi barrado, dando lugar a Gabriel. O resultado não foi bom. A equipe começou bem, apresentando razoável movimentação e criando chances de gol, mas desabou após sofrer o gol do adversário (um sintoma que acompanharia a equipe no restante do campeonato e seria uma espécie de marca negativa) e simplesmente emperrou. A saída de Everton (lesionado) travou de vez o funcionamento do time, que somente não saiu derrotado por conta de um gol duvidoso num lance isolado.

A partir daí, o time passou a apresentar lampejos. O criticado esquema de três volantes colheu uma importante vitória em Pelotas, mas a seguir o time, após alguns bons minutos, foi totalmente envolvido pelo modesto Botafogo, levou duas bolas na trave e sofreu uma merecida derrota. Diante disso, nos jogos seguintes Luxemburgo cogitou tornar à formação do meio-campo com dois volantes.

No entanto, o afastamento de Cáceres, Samir, Arthur Maia, Nixon e Éverton tirou do treinador a possibilidade de tornar ao time original. Léo Moura se despediu (algo já previsto), dando lugar ao voluntarioso Pará. Jogadores como o errático Mugni, o irregular Luiz Antonio, o tosco Bressan e o veterano (ao menos nas condições físicas) Eduardo da Silva passaram a frequentar o time titular. De bom, o retorno do aguerrido atacante Paulinho, que fez bons jogos, marcou alguns gols e voltou ao Departamento Médico, de onde sabe-se lá quando irá sair.

Mas, de todas as alterações, a mais danosa, a mais perniciosa, a mais complicada foi a efetivação de Alecsandro no comando do ataque.

Nada contra o rapaz. Até acho interessante a forma como ele tenta demonstrar apego à equipe e reconheço que, vez ou outra, o atacante marca gols, alguns até importantes. Mas o vulgo “Alecgol” é daqueles centroavantes antigos, obsoletos. Não se movimenta, permanece a partida estático, no máximo recuando até a intermediária adversária. Isso engessa o sistema ofensivo. Trava. Torna a equipe previsível. Sem movimentação, os atacantes não dão ao meio-campo alternativas de jogo. E o time perde a fluidez. Com isso, passa a viver de chutões e bicudas.

Foi o que se viu nas duas partidas contra o Vasco. O interessante é que em Salgueiro, com uma formação próxima à que se iniciou o ano, o time voltou a praticar um futebol mais interessante e organizado e chegou com certa facilidade ao objetivo dos dois gols, em que pese a fragilidade do adversário.

CONDIÇÃO EMOCIONAL
Como pontuado acima, o time começou a demonstrar problemas de equilíbrio emocional quando derreteu após sofrer um gol inesperado do possante Madureira, num jogo que parecia controlado. Após o revés, a equipe simplesmente parou de jogar e deixou-se impor por um adversário de alguma qualidade, mas bem inferior tecnicamente. Foi a senha. Na última rodada, o Flamengo menosprezou o Nova Iguaçu, tentando cozinhar em banho-maria um jogo que nitidamente era o “jogo da vida” do adversário. Quando percebeu que o gol não sairia por decreto divino, perdeu-se. Nas semifinais, diante de um oponente mais rodado, o time, desde o primeiro jogo, mostrou sérios problemas para controlar os nervos. E desabou de vez após o pênalti.

O TREINADOR
Luxemburgo aparenta mostrar algumas concepções táticas interessantes para essa equipe. Talvez esteja, inclusive, buscando pinçar alguns elementos da forma de jogo da Alemanha que venceu a Copa, como a busca por volantes qualificados e versáteis (o que explica esse trabalho com o Mugni), a colocação de meias como “falsos-pontas”, a abolição do atacante fixo, enfim. No entanto, não foi capaz de lidar com os imprevistos, insistiu em demasia com determinadas soluções equivocadas e, principalmente, tornou-se foco de desestabilização ao, seja lá por qual motivo, manter acesa e alimentada a chama de sua eventual transferência para o São Paulo, o que irritou a torcida, desnorteou os jornalistas e provavelmente desconcentrou os jogadores. Nesse ponto, falhou também a diretoria ao não se impor, impedindo o treinador de sair se oferecendo em peregrinação pelas tevês do país.

AS LESÕES
Outro ponto crítico da temporada é a questão das lesões. Samir, Pico, Cáceres, Canteros, Éverton, Arthur Maia, Nixon e Paulinho estão ou estiveram às voltas com contusões que os tiraram de vários jogos, muitos deles decisivos. É muito. É excessivo. E, na maioria dos casos, estamos falando de titulares. A coisa se torna ainda mais intrigante e inaceitável quando se constata que no ano passado o Flamengo viveu algo semelhante no final do ano. É o tipo de coisa que requer reuniões de emergência, planos contingenciais e, se for o caso, troca de nomes. Porque, mesmo não entendendo de fisiologia do desporto, é possível supor que tem coisa errada aí.

ELENCO E PERSPECTIVAS
O time não é ruim. Mas não está à altura do Flamengo que queremos. É uma equipe que, vestida com a camisa de um Atlético-PR, um Grêmio ou um Cruzeiro, poderia chegar a uma colocação interessante, brigando por posições elevadas. Mas, no Flamengo, com as pressões e as repercussões inerentes ao clube, não vejo algo mais promissor do que a briga pelas oito primeiras posições. Há bons jogadores, mas são todos coadjuvantes. Não há alguém pra chamar o jogo, dar esporro, botar a bola debaixo do braço. O mais próximo que temos a isso é o Cáceres, mas ele vive lesionado, convocado e parece ter perdido de vez a posição de titular.

Daí eu enxergar com ceticismo as declarações do VP Rodrigo Tostes, que preconiza ser o ideal para o Flamengo trazer jovens de 19 a 24 anos, que podem ser trabalhados numa negociação. Mas, em outro ponto, ele aparentemente se contradiz, quando fala que o time precisa de jogador para chegar e ser titular, não para compor elenco. Oras, conta-se nos dedos os meninos de vinte e poucos anos que possuem baixo valor de mercado e estão em condições de “chegar chegando” no time.

Eu já acho que é a hora de preparar o salto. Trazer jogadores capazes de agregar experiência e competitividade. O Raul e o Carpegiani dos anos 70, o Fábio Luciano de 2007, alguém com esse perfil. Sempre gosto de mencionar o caso de Augusto Recife, volante meia-boca dos anos 2000. Ao lado do Maldonado, foi destaque e ganhou tudo no Cruzeiro. Ao lado do Da Silva, matou bola no pescoço e brigou pra não cair no Flamengo.

Paulo Victor, Pará, Wallace, Samir e Armero; Jonas, Felipe Melo e Canteros; Cirino, Robinho e Everton.

Dois nomes. Dois. Nem precisam ser exatamente esses. Mas é disso que falo. O salto.


Boa semana a todos.