Irmãos
rubro-negros,
hoje eu quero
fazer uma homenagem ao torcedor do Flamengo.
Na verdade, a
homenagem não é minha, mas de Mário Filho.
Mário Filho conheceu
o José Lopes e traçou-lhe um retrato fiel.
Com vocês, José
Lopes, com tintas escritas por Mário Filho.
“A barraca do
Flamengo pode ser vista todos os dias – menos às segundas-feiras – hoje aqui,
amanhã ali, nas feiras livres. Às terças-feiras vai para a Praça Vieira Souto,
em Ipanema; às quartas-feiras vai para a Praça Serzedelo Corrêa, em Copacabana,
às quintas para a Penha, às sextas para a Praça José de Alencar, aos sábados
volta para Copacabana – Rua Leopoldo Miguez – e aos domingos está lá no Engenho
de Dentro.
Chama atenção
logo. Tem uma placa, larga; em cada ponta, uma flâmula do Flamengo. Lê-se de
longe: Barraca do Flamengo. E vê-se um escudo bem no centro; é o escudo do
campeão de terra e mar. Não precisava escudo nem flâmula, nem o nome, gritante,
de Barraca do Flamengo. Quem não sabe
que aquela barraca, toda pintada de vermelho e preto, é a Barraca do Flamengo?
O dono, o José Lopes, acha, porém, que, quanto mais Flamengo, melhor.
O José Lopes é gordo, alegre, tem a cara redonda como um queijo de Minas. Há, no balcão, pilhas de queijos de Minas, de latas de manteiga. A barraca é de laticínios. Mais adiante, pode-se ver outra barraca; a da negra Teresa (que vende sabão), com um escudo do Flamengo no pano.
O José Lopes é gordo, alegre, tem a cara redonda como um queijo de Minas. Há, no balcão, pilhas de queijos de Minas, de latas de manteiga. A barraca é de laticínios. Mais adiante, pode-se ver outra barraca; a da negra Teresa (que vende sabão), com um escudo do Flamengo no pano.
Um dia mexeram
com a negra. Ela comprou vinte e cinco cruzeiros de fogos e soltou foguetes em
plena feira. O fiscal da Prefeitura não gostou – era de outro clube – multou a
negra Teresa e cassou-lhe a licença da barraca. O José Lopes pagou a multa da
negra Teresa – ela tinha mandado pintar o escudo Flamengo no pano da barraca a
conselho dele – e agarrou-se com todos os flamengos de prestígio que andavam
por aí.
Um deles se chamava Renato Meira Lima (rubro-negro fanático, freqüentador
do Café Rio Branco, antigo reduto flamengo no Centro do Rio de Janeiro, na
esquina das Ruas São José e Rodrigo Silva); era simplesmente diretor de
fiscalização da Prefeitura.
E a negra Teresa pôde carregar de novo as barras
de sabão para a feira, arrumá-las no balcão e nas prateleiras da barraca de
pano, com um escudo do Flamengo.
O José Lopes
esperou pela primeira vitória rubro-negra. Na terça-feira – não pôde ser antes,
pois nas segundas não há feira – apareceu com um embrulho enorme de fogos. E
toca a soltar foguetes. Os foguetes subiam, rasgando o ar. Lá em cima
explodiam. Só não soltou bombas para não assustar a freguesia. A Praça Vieira
Souto, cheia de gente – senhoras acompanhadas pelas empregadas, que carregavam
os cestos das compras. São João ainda estava longe, mas o Flamengo tinha
vencido. E o fiscal não apareceu para multar o José Lopes, para cassar-lhe a
licença da barraca.
A negra Teresa
deixou um moleque tomando conta das barras de sabão e foi ajudar o José Lopes a
soltar os foguetes. Antes que o foguete explodisse lá , ela gritava: 'Flamengo!' E o José Lopes mais
alto ainda, repetia: 'Flamengo!' Assim não havia necessidade de ninguém
perguntar por que tanta alegria de festa de roça.
Os fregueses dos outros clubes paravam, caçoavam com o José Lopes – 'eu não devia comprar mais nada aqui.' Mas compravam, continuavam comprando. Os queijos de Minas da barraca do Flamengo são frescos, a manteiga é boa e depois o José Lopes não faz mal a ninguém.
...
Pelo contrário:
é um bom homem, de coração aberto. E avisa antes. A gente vem de longe e já
sabe que ele é Flamengo. Basta olhar para a barraca, quando ele está na feira;
para a roupa dele, quando ele se veste para vir à cidade, para ir a um jogo de
futebol.
Ainda não chegou
ao ponto de vestir uma roupa preta e encarnada. A gravata dele, porém, tem pelo
menos vinte escudos do Flamengo. Encontrou a gravata na Casa Lima Tôrres, ali
na Rua dos Andradas. Ia passando, uma coisa preta e vermelha fê-lo parar. Era
uma gravata. O José Lopes entrou, perguntou quantas gravatas iguais àquela a
Casa Lima Tôrres tinha. Ficou com todas. Muda de gravata todos os dias. Parece
que é a mesma, é uma igualzinha.
O lenço é como a
gravata, salpicado de escudos do Flamengo. Escudos do Flamengo, de um lado e
do outro, abotoam-lhe os punhos da camisa. O suspensório é preto e vermelho; o cinto,
preto, e vermelho. E na fivela, outro escudo do Flamengo salta aos olhos. Por
isso o José Lopes não abotoa o paletó, anda de paletó aberto, para que todo
mundo veja o cinto, a 'chatelaine' pendurada num pano preto e vermelho.
E quando alguém
se espanta – 'para que tanto escudo do Flamengo, tanto preto e vermelho?' –
José Lopes diz que aquilo não é nada. A casa dele, sim, tem paredes; nas paredes
ele pode pendurar o que quiser do Flamengo. Flâmulas, bandeiras, quadros de
times.
Como abre o
paletó para que todo mundo lhe veja o cinto com um escudo do Flamengo, a 'chatelaine' preta e vermelha, o José Lopes abre as janelas da casa dele. Quem passar pela
casa 13 da Rua Argolo, 19, olha, sem querer, para dentro. Ali mora um flamengo.
E não um flamengo igual aos aos outros, um flamengo como há poucos, como não há.
De fora, vê-se muita coisa; de dentro, então, nem se fala.
O José Lopes faz
anos... os amigos dele têm de comprar um presente com as cores vermelha e
preta, com um escudo do Flamengo. São bonecos de massa, bonecas de pano, almofadas
com o escudo do Flamengo bordado, trabalhos de tricô – para enfeitar as
cadeiras, o sofá – em vermelho e preto. O presente pode não valer nada. Se tem
as cores do Flamengo, vale tudo para o José Lopes. Da felicidade dele está
nisso: em ser flamengo,mais flamengos do que os outros.
A mulher dele,
dona Matilde, para agradá-lo veste blusas com pintas vermelhas e pretas. 'Assim
dá gosto sair com você, minha filha'.
Até a
cachorrinha dele virou 'Flamengo'. 'Vem cá, Flamengo!' – chama José Lopes. A
cachorrinha vai, balançando o rabo.
Dona Matilde
levou a cachorra para ser vacinada. O posto era no campo do Vasco. Havia uma
porção de vascaínas; umas com os cachorros no colo, outras com os cachorros
presos por uma corrente. Dona Matilde chegou, perguntaram logo: 'Que cachorra é
essa?' 'É a Flamenga!' – dona Matilde respondeu em voz alta, para todo mundo
ouvir.
O veterinário
achou graça – talvez fosse Flamengo – e vacinou a cachorra e primeiro lugar,
para indignação das vascaínas, que tinham chegado antes e estavam esperando.
Uma delas não se conteve: 'Este raio do Flamengo anda sempre a atrapalhar o
Vasco'. Dona Matilde fingiu que não tinha ouvido; em casa contou ao marido. O
José Lopes trouxe a cachorra para o colo, brincou com ela. 'Agora sim, és do
Flamengo'.
...
O José Lopes não
é desses que, quando o Flamengo perde, deixam de botar o escudo no peito
durante alguns dias. O Flamengo perde, aí é que ele faz questão de se vestir de
Flamengo. E levanta a cabeça, e não foge com os olhos.
Em dia de jogo
vai para a sua cadeira, enfeitado com as cores do Flamengo. O Flamengo entra em
campo, ele bate palmas, o outro time entra em campo, ele cruza os braços. Não
mete os dois dedos na boca para assobiar, não faz uh! uh!
Também, quem
estiver perto dele tem que respeitar o Flamengo. Se não, ele briga. Um dia, em
São Januário, Leônidas ainda estava no Flamengo, um vascaíno gritou: 'Não me
furtes o relógio do mastro!'. O José Lopes foi para cima do vascaíno. E os
fuzileiros navais ajudaram o José Lopes. Torciam pelo Jocelino, que corria em
campo com a camisa rubro-negra e que era fuzileiro com eles.
Fundou um clube:
Apaixonados do Clube de Regatas do Flamengo. No Apaixonados só pode jogar quem for Flamengo de
coração. No Triângulo, outro clube que o José Lopes fundou, há lugar para
jogadores que torcem por outros clubes. A camisa do Triângulo, porém, como a do
Apaixonados, é igual à do Flamengo.
O José Lopes deu
uma sala da sua casa para a sede do Apaixonados. Vestiu os jogadores
direitinho, não fez economias. Todo jogador bonzinho não demora no Apaixonados.
O José Lopes vai falar com o Flávio (Costa, ex-jogador e técnico do Flamengo,
com Amado (ex-goleiro do Flamengo), combina tudo e, no dia do treino, aparece
com o jogador pelo braço.
O Apaixonados
foi fundado para isso: para dar jogadores ao Flamengo.
No dia em que um
Zizinho sair do Apaixonados para o Flamengo, o José Lopes será o homem mais
feliz do mundo."
Autor: Mário Filho, Histórias do Flamengo.
...
Abraços
e Saudações Rubro-Negras a todos.
Uma
vez Flamengo, sempre Flamengo.