sexta-feira, 27 de março de 2015

Todo Amor ao Mengo





Irmãos rubro-negros,


hoje eu quero fazer uma homenagem ao torcedor do Flamengo. 

Na verdade, a homenagem não é minha, mas de Mário Filho.

Mário Filho conheceu o José Lopes e traçou-lhe um retrato fiel.

Com vocês, José Lopes, com tintas escritas por Mário Filho.

“A barraca do Flamengo pode ser vista todos os dias – menos às segundas-feiras – hoje aqui, amanhã ali, nas feiras livres. Às terças-feiras vai para a Praça Vieira Souto, em Ipanema; às quartas-feiras vai para a Praça Serzedelo Corrêa, em Copacabana, às quintas para a Penha, às sextas para a Praça José de Alencar, aos sábados volta para Copacabana – Rua Leopoldo Miguez – e aos domingos está lá no Engenho de Dentro.

Chama atenção logo. Tem uma placa, larga; em cada ponta, uma flâmula do Flamengo. Lê-se de longe: Barraca do Flamengo. E vê-se um escudo bem no centro; é o escudo do campeão de terra e mar. Não precisava escudo nem flâmula, nem o nome, gritante, de Barraca do Flamengo. Quem não sabe que aquela barraca, toda pintada de vermelho e preto, é a Barraca do Flamengo? O dono, o José Lopes, acha, porém, que, quanto mais Flamengo, melhor. 

O José Lopes é gordo, alegre, tem a cara redonda como um queijo de Minas. Há, no balcão, pilhas de queijos de Minas, de latas de manteiga. A barraca é de laticínios. Mais adiante, pode-se ver outra barraca; a da negra Teresa (que vende sabão), com um escudo do Flamengo no pano.

Um dia mexeram com a negra. Ela comprou vinte e cinco cruzeiros de fogos e soltou foguetes em plena feira. O fiscal da Prefeitura não gostou – era de outro clube – multou a negra Teresa e cassou-lhe a licença da barraca. O José Lopes pagou a multa da negra Teresa – ela tinha mandado pintar o escudo Flamengo no pano da barraca a conselho dele – e agarrou-se com todos os flamengos de prestígio que andavam por aí. 

Um deles se chamava Renato Meira Lima (rubro-negro fanático, freqüentador do Café Rio Branco, antigo reduto flamengo no Centro do Rio de Janeiro, na esquina das Ruas São José e Rodrigo Silva); era simplesmente diretor de fiscalização da Prefeitura.

E a negra Teresa pôde carregar de novo as barras de sabão para a feira, arrumá-las no balcão e nas prateleiras da barraca de pano, com um escudo do Flamengo.

O José Lopes esperou pela primeira vitória rubro-negra. Na terça-feira – não pôde ser antes, pois nas segundas não há feira – apareceu com um embrulho enorme de fogos. E toca a soltar foguetes. Os foguetes subiam, rasgando o ar. Lá em cima explodiam. Só não soltou bombas para não assustar a freguesia. A Praça Vieira Souto, cheia de gente – senhoras acompanhadas pelas empregadas, que carregavam os cestos das compras. São João ainda estava longe, mas o Flamengo tinha vencido. E o fiscal não apareceu para multar o José Lopes, para cassar-lhe a licença da barraca.

A negra Teresa deixou um moleque tomando conta das barras de sabão e foi ajudar o José Lopes a soltar os foguetes. Antes que o foguete explodisse lá  , ela gritava: 'Flamengo!' E o José Lopes mais alto ainda, repetia: 'Flamengo!' Assim não havia necessidade de ninguém perguntar por que tanta alegria de festa de roça.


Os fregueses dos outros clubes paravam, caçoavam com o José Lopes – 'eu não devia comprar mais nada aqui.' Mas compravam, continuavam comprando. Os queijos de Minas da barraca do Flamengo são frescos, a manteiga é boa e depois o José Lopes não faz mal a ninguém.

...


Pelo contrário: é um bom homem, de coração aberto. E avisa antes. A gente vem de longe e já sabe que ele é Flamengo. Basta olhar para a barraca, quando ele está na feira; para a roupa dele, quando ele se veste para vir à cidade, para ir a um jogo de futebol.

Ainda não chegou ao ponto de vestir uma roupa preta e encarnada. A gravata dele, porém, tem pelo menos vinte escudos do Flamengo. Encontrou a gravata na Casa Lima Tôrres, ali na Rua dos Andradas. Ia passando, uma coisa preta e vermelha fê-lo parar. Era uma gravata. O José Lopes entrou, perguntou quantas gravatas iguais àquela a Casa Lima Tôrres tinha. Ficou com todas. Muda de gravata todos os dias. Parece que é a mesma, é uma igualzinha.

O lenço é como a gravata, salpicado de escudos do Flamengo. Escudos do Flamengo, de um lado e do outro, abotoam-lhe os punhos da camisa. O suspensório é preto e vermelho; o cinto, preto, e vermelho. E na fivela, outro escudo do Flamengo salta aos olhos. Por isso o José Lopes não abotoa o paletó, anda de paletó aberto, para que todo mundo veja o cinto, a 'chatelaine' pendurada num pano preto e vermelho.

E quando alguém se espanta – 'para que tanto escudo do Flamengo, tanto preto e vermelho?' – José Lopes diz que aquilo não é nada. A casa dele, sim, tem paredes; nas paredes ele pode pendurar o que quiser do Flamengo. Flâmulas, bandeiras, quadros de times.

Como abre o paletó para que todo mundo lhe veja o cinto com um escudo do Flamengo, a 'chatelaine' preta e vermelha, o José Lopes abre as janelas da casa dele. Quem passar pela casa 13 da Rua Argolo, 19, olha, sem querer, para dentro. Ali mora um flamengo. E não um flamengo igual aos aos outros, um flamengo como há poucos, como não há. De fora, vê-se muita coisa; de dentro, então, nem se fala.

O José Lopes faz anos... os amigos dele têm de comprar um presente com as cores vermelha e preta, com um escudo do Flamengo. São bonecos de massa, bonecas de pano, almofadas com o escudo do Flamengo bordado, trabalhos de tricô – para enfeitar as cadeiras, o sofá – em vermelho e preto. O presente pode não valer nada. Se tem as cores do Flamengo, vale tudo para o José Lopes. Da felicidade dele está nisso: em ser flamengo,mais flamengos do que os outros.

A mulher dele, dona Matilde, para agradá-lo veste blusas com pintas vermelhas e pretas. 'Assim dá gosto sair com você, minha filha'.

Até a cachorrinha dele virou 'Flamengo'. 'Vem cá, Flamengo!' – chama José Lopes. A cachorrinha vai, balançando o rabo.

Dona Matilde levou a cachorra para ser vacinada. O posto era no campo do Vasco. Havia uma porção de vascaínas; umas com os cachorros no colo, outras com os cachorros presos por uma corrente. Dona Matilde chegou, perguntaram logo: 'Que cachorra é essa?' 'É a Flamenga!' – dona Matilde respondeu em voz alta, para todo mundo ouvir.

O veterinário achou graça – talvez fosse Flamengo – e vacinou a cachorra e primeiro lugar, para indignação das vascaínas, que tinham chegado antes e estavam esperando. Uma delas não se conteve: 'Este raio do Flamengo anda sempre a atrapalhar o Vasco'. Dona Matilde fingiu que não tinha ouvido; em casa contou ao marido. O José Lopes trouxe a cachorra para o colo, brincou com ela. 'Agora sim, és do Flamengo'.

...

O José Lopes não é desses que, quando o Flamengo perde, deixam de botar o escudo no peito durante alguns dias. O Flamengo perde, aí é que ele faz questão de se vestir de Flamengo. E levanta a cabeça, e não foge com os olhos.

Em dia de jogo vai para a sua cadeira, enfeitado com as cores do Flamengo. O Flamengo entra em campo, ele bate palmas, o outro time entra em campo, ele cruza os braços. Não mete os dois dedos na boca para assobiar, não faz uh! uh!

Também, quem estiver perto dele tem que respeitar o Flamengo. Se não, ele briga. Um dia, em São Januário, Leônidas ainda estava no Flamengo, um vascaíno gritou: 'Não me furtes o relógio do mastro!'. O José Lopes foi para cima do vascaíno. E os fuzileiros navais ajudaram o José Lopes. Torciam pelo Jocelino, que corria em campo com a camisa rubro-negra e que era fuzileiro com eles.

Fundou um clube: Apaixonados do Clube de Regatas do Flamengo. No  Apaixonados só pode jogar quem for Flamengo de coração. No Triângulo, outro clube que o José Lopes fundou, há lugar para jogadores que torcem por outros clubes. A camisa do Triângulo, porém, como a do Apaixonados, é igual à do Flamengo.

O José Lopes deu uma sala da sua casa para a sede do Apaixonados. Vestiu os jogadores direitinho, não fez economias. Todo jogador bonzinho não demora no Apaixonados. O José Lopes vai falar com o Flávio (Costa, ex-jogador e técnico do Flamengo, com Amado (ex-goleiro do Flamengo), combina tudo e, no dia do treino, aparece com o jogador pelo braço.

O Apaixonados foi fundado para isso: para dar jogadores ao Flamengo.

No dia em que um Zizinho sair do Apaixonados para o Flamengo, o José Lopes será o homem mais feliz do mundo."

Autor: Mário Filho, Histórias do Flamengo.

  

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Abraços e Saudações Rubro-Negras a todos.

Uma vez Flamengo, sempre Flamengo.