Saudações flamengas a todos,
Essa semana não posso me furtar a soltar algumas linhas sobre o
famigerado “Caso Héverton”, que começa a desenvolver desdobramentos um pouco mais
sólidos na direção de uma conclusão que me soa óbvia desde a sua gênese.
Assim, de antemão retrato-me com os que ora padecem de certa
saturação acerca do tema, embora pontue que, a bem de um pretenso saneamento do
nosso futebol (sim, por vezes me traem devaneios otimistas), veja necessário um
completo exaurimento da questão.
Tornando ao raciocínio inicial, todo esse caso se mostrou
desnudado por uma clareza cristalina, límpida, sem qualquer laivo de mistério
ou ponto obscuro em sua essência nuclear, desde que inicialmente noticiado. A
história enevoada sob as entrelinhas dos periódicos que se dedicaram a narrar as
consequências da escalação, em tese, irregular de Héverton e André Santos,
contém elementos que, concatenados e justapostos em uma sequência lógica, fazem
bocejar aqueles que se dedicam a construir teorias extravagantes e enredos criativos.
Atores, personagens, principais interessados, todos compõem um enredo de
leitura simples, “conspiração” ginasial. Daí minha indignação à época.

Voltando ao Héverton.
Os primeiros sinais de fumaça datam de 25 de novembro, faltando
duas rodadas para o final. Uma atmosfera golpista começava a ser criada, através de uma movimentação
de gabinetes que esquadrinhava as vísceras (escalações, arrecadações,
inscrições) dos clubes “menos favorecidos”, a Portuguesa entre eles. Pouco
depois, um dos principais blogs que cobrem o Fluminense (clube principal
interessado na questão) exortava, quase ostensivamente, sua diretoria a “agir nos bastidores”, para que “a lógica prevalecesse” (mais
tarde, diante da repercussão negativa, alegariam ter sido “mal-interpretados”,
como é usual nesses casos).

Decorrido quase um ano, a história torna à tona.
E o que salta aos olhos é a esgarçada, despudorada tentativa de,
aos arreganhos, praticar um revisionismo que resvala para o grotesco,
espancando o livre curso dos fatos com uma lisa desfaçatez de corar meretrizes.
Tenta-se, a golpes de marreta, enfiar vítimas e réus na mesma sacola fétida,
recorrendo a “suposições” e engavetando convenientemente os fatos.
Ocorre que, ao contrário de 1987, o ano de 2013 foi ontem.

Daí, onze meses após, alguns torcedores, que brandem suas
canetas e transfundem seus teclados em estandartes para escarrar seu grotesco
clubismo, julgando-se protegidos sob o título de “jornalistas”, expelem em
jornais e telas suas “verdades”. “O Flamengo brigava contra o rebaixamento na
última rodada”, vomita um. “Os principais suspeitos do suborno são o Flamengo
e...”, insinua outro, sequer preocupado em ser sutil. Papeletas cinzentas com
teorias delirantes, outrora relegadas à pecha de “jornalismo-marrom”, são
içadas à categoria de evidências dogmáticas.
A verdade, amigos, é que vivemos um tempo em que boa parte da
imprensa não procura noticiar o que está acontecendo, mas o que gostaria que
estivesse acontecendo.
A frase “Flamengo rebaixado” e suas derivações possui forte
apelo sensorial, quase afrodisíaco. Muitos, ao lhe pousarem os olhos,
são tomados por fortes tremores e suores, gemem e arfam até entregarem-se
passivos aos seus pensamentos mais lúbricos, lambuzando-se na delícia das
fantasias alojadas em seu íntimo recôndito. Saciados após envolvidos por Sodoma
e Onã, recompõem-se. Doravante, pidonhos, quererão mais.
E, em nome de uma pretensa “liberdade de expressão”, a verdade
(ou sua busca) segue sendo o elemento mais negligenciado, editorias criam suas “histórias”
e as pavimentam com qualquer porcaria que lhes sirva de argumento. Os fatos?
Ora, os fatos? Se não corroboram a tese, azar o deles. E de Nelson Rodrigues.

Escreva esse parágrafo acima, exatamente com esses termos, e o
publique. A maioria esmagadora rirá de sua cara. Agora troque o termo “um clube”
por “Flamengo”. A mesma maioria meneará a cabeça, ares sábios: “é, faz sentido”.
Espero que essa investigação esteja de fato sendo conduzida com
a seriedade e a isenção que o assunto merece. Que pontos ainda obscuros, como a estranha contundência do procurador-vedete do STJD, a pantomima encenada nos “julgamentos”
e seus votos previamente prontos, redigidos e timbrados, a atuação do próprio
tribunal em todo o processo, as mal-explicadas relações entre CBF e seus
patrocinadores, entre outros, sejam devidamente esclarecidos, ou ao menos
discutidos. Que o Flamengo, mais que apoiar e avalizar o processo de acusação,
defenda-se atirando, não se permitindo macular por ilações emanadas por
personagens de íntima relação com o lodaçal do nosso futebol. E que, a exemplo
do Calciopoli-2006, punam-se com rigor clubes, dirigentes e patrocinadores,
banindo e rebaixando os responsáveis, mostrando à sociedade que manobras dessa
natureza não são mais toleradas.
O Fluminense foi rebaixado dentro de campo. Fora dele, já está
rebaixado desde 1996, quando adotou a virada de mesa como recurso
institucional.
Finalizo externando que guardo para mim a forte convicção de que
esse “Caso Héverton” contém muito mais elementos do que simplesmente a
escalação irregular de um jogador. Como são suposições, guardo-as para mim. Mas
pontuo que, em Engenharia, costuma-se dizer que um acidente é a junção de
vários elementos que convergem para um mesmo evento. E vários fatos se
encadearam, nas últimas rodadas, de forma notavelmente coincidente, construindo
a perfeita situação para o golpe.
E, como costumo dizer, tenho séria dificuldade em acreditar em
coincidências.
Boa semana a todos,
PS – Muitos “comemoraram” a vitória do Eurico na Fla-twitter e
afins. Eu não seria tão assertivo em decretar o fim do Vasco. Ao contrário,
acho que os vices, em curto prazo, tomarão de volta do Fluminense o posto de “vilão
nº 1”, voltando a ser os “rivais da hora”. Mas isso não é necessariamente ruim.
O Vasco é um clube, em termos de torcida, muito mais expressivo que o
Fluminense. O reaquecimento dessa rivalidade pode ser bom para o futebol
nacional, tão contaminado por uma “ditadura paulista” que lhe querem enfiar
goela abaixo.