domingo, 24 de agosto de 2014

Alfarrábios do Melo

Era uma vez um velho, que resolve vender seu burro e chama seu neto de dez anos para acompanhá-lo. Coloca o menino no lombo do animal e segue viagem.

Passando por um acampamento percebe que alguns comentam, “Que menino mal-educado e preguiçoso, em cima do burro enquanto o pobre velho precisa puxar as rédeas!”

O velho resolve então colocar o menino no chão e subir no jumento. E assim continuam sua jornada.

Chegam a um lago, onde algumas senhoras lavam roupa. Logo surgem os muxoxos, “Velho explorador, já abusa da criança desde cedo, fazendo o menino caminhar enquanto descansa sobre o burro!”

Resignado, o velho manda o menino subir, e agora vão os dois sobre o burro.

Agora estão diante de um povoado e a grita é geral, “assim vão arrebentar o pobre animal, veja como o bicho arfa. Facínoras!”

Já algo irritado, o velho resolve descer do jumento, e também puxa o garoto. Agora vão todos ao chão, o animal com as costas livres.

Aproximam-se da cidade de destino, passam por uma birosca, e uns desocupados não se furtam a comentar, às risadas: “Vejam que idiotas, vão se matando no sol tendo um burro que poderia tranquilamente levá-los!”

Enfim irritado, o velho olha pro menino, “vamos resolver logo nosso negócio, antes que a gente acabe tendo que levar o burro nas costas!”

* * *


Reclamamos, praguejamos, destilamos nosso inconformismo sobre absolutamente tudo relacionado ao Flamengo. Passamos a entender de mapas de calor, diagonais de cobertura, linhas de quatro, falso nove. Mostramos nossos avançados conhecimentos de fisiologia do desporto para espicaçar o trabalho do departamento médico e da preparação física da equipe. Antenados e modernos, recitamos Ferrán Soriano e discorremos sobre gestão em futebol, nos debruçamos, ar professoral, sobre balanços e orçamentos. Especialistas em psicologia de grupo, detectamos focos de instabilidade no vestiário e a formação de grupelhos fragmentados.

Do nosso teclado, decretamos: “A administração do futebol é um desastre, e desse ano o Flamengo não escapa.”

É bem verdade que o time que o Flamengo está entregando em campo está longe, muito longe, daquilo que imaginamos aceitável e compatível com a grandeza do clube (mesmo tendo em vista que Zico, Maestro Júnior, Zizinho, Dida e mesmo Pet não voltam mais). Também é verdade que há alguns anos o horizonte flamengo em competições como o Brasileiro e a Libertadores não se estende além de mera figuração.

Também é fato que houve, a rasos olhos, equívocos crassos, especialmente quanto ao excesso de delegação de poderes aos profissionais “de campo”, como a aposta insensata em jogadores jovens e sem currículo para substituir peças-chave do time no início do ano, ou o desperdício do intervalo da Copa do Mundo, retardando a inevitável reformulação no elenco, as atrapalhadas trocas de treinadores, a incrível indecisão no aproveitamento de outros atletas, entre outras coisas. Ou a absoluta falta de comunicação e a tendência ao isolamento, fazendo administradores assumirem ares de interventores, gerando antipatia, repulsa e certa receptividade ao discurso alucinado dos que não mais se servem do Flamengo, praguejam contra os “barões paulistas” que lhes negaram a “boquinha”. Ou a falta de malícia, de traquejo, de maldade de entender que o mundo da bola é muitas vezes fluido, manhoso e precisa de uma abordagem menos acadêmica e mais pragmática.

No entanto, rebaixamos o Flamengo duas vezes. Ano passado, recitamos à exaustão a cantilena de “pior time da história”. Chegamos a abrir OITO pontos da zona de rebaixamento, surrávamos sistematicamente todos os adversários no Maracanã, derrotamos praticamente todos os principais times do campeonato, conquistamos de forma irretorquível e irrepreensível a mais disputada Copa do Brasil da história. Mas seguíamos a ladainha, “o time é ruim, não presta e vai ser rebaixado”, e ao final (mutretas e tapetões à parte), restou a sensação de que, não fosse a Copa do Brasil, teríamos brigado pelo G4. Esse ano, com um elenco do mesmo nível (hão de me desculpar, o elenco de 2014 não é inferior ao de 2013, podemos cotejar nome a nome), e o mesmo início assustador, não nos furtamos a negar qualquer capacidade de reação e cravamos de forma inapelável o rebaixamento e a condenação de todos ao fogo do inferno. Cantamos, “isso de pagar dívida é tolice, não vamos pagar imposto, não vamos pagar nada, o que importa é se salvar. Vamos trazer Robinho, Nilmar, Cristiano Ronaldo, não importa que o salário atrase, tem que ter craque. Não interessa se um Ronaldinho Gaúcho vai se arrastar em campo, o que importa é que ele é do Mengão. Queremos ostentar, e nos estão negando isso. Eles querem é rebaixar o Flamengo. Tá tudo errado, nada presta, nada funciona. Tem que trocar tudo!”.

O Joel Santana assumiu em 2007 o Flamengo na Zona do Rebaixamento. na 16ª Rodada. O Andrade recebeu um time nas posições intermediárias em 2009 na 13ª Rodada. O Jayme de Almeida, ano passado, tornou-se treinador do rubro-negro na 23ª Rodada.

Pois bem. O Vanderlei Luxemburgo chegou na 12ª Rodada.

Era pra tanto?

Boa semana a todos.