Meu
pequeno vascaíno,
O que há?
Ainda tá assim?
Venha cá,
larga esse lenço. Já tem quatro dias, chega de lamúria. Senta ali,
vamos bater um papo, você já é um homenzinho. Isso, beleza. Limpa
essa cara.
O que
houve?
Flamengo?
Só ganha roubado? Vasco só perde no apito? Então, tá.
Tá na
hora de você ouvir umas coisas. Umas verdades.

Mas não
é do Flamengo que eu quero falar, embora seja seu assunto preferido.
Vocês,
vascaínos, adoram falar em ética e se vitimizarem. Não faz essa
cara que é verdade. Vivem se intitulando guardiões da moral e dos
bons costumes, sempre o coitadinho que precisa enfrentar esse mundo
mau.
Vou te
lembrar uma historinha. Você sabe o que aconteceu em 1974? Isso,
isso, campeão brasileiro, né? Que orgulho, que conquista
maiúscula...
Pois
naquele ano o campeonato foi decidido num quadrangular, lembra? E que
o Vasco tinha a pior campanha dos quatro. E que por isso tinha que
fazer seus três jogos fora de casa. Mas estranhamente acabou fazendo
dois jogos no Maracanã. Por conta disso, chegou ao fim empatado com
o Cruzeiro (que era o melhor time do campeonato, melhor campanha) em
pontos. E, por isso, deveria haver um jogo extra.
No Mineirão.
Mas o
Vasco conseguiu levar o jogo pro Maracanã, lembra? Alegou que
dirigentes do Cruzeiro invadiram o gramado (nem vou falar do pênalti
escandaloso que não marcaram contra o Vasco nesse jogo, o que gerou
a confusão) e por isso tinha que perder o mando de campo. E assim
foi feito, na canetada, sem nem passar pelo STJD.
E aí a
CBD do vascaíno Heleno Nunes marca o jogo para o Maracanã, com
arbitragem do carioca Armando Marques. O jogo é bom, disputado, o
Vasco marca dois gols em lances duvidosos, um anulado, o outro não,
e vai vencendo por 2-1. Aí, aos 42 do segundo tempo o Cruzeiro
empata, num gol de cabeça de Zé Carlos (mania que vocês têm de
perder taça no finalzinho). Gol limpinho, purinho, legítimo, do
bom. Só que o diligente e prestativo Armando Marques anula...
E o Vasco
ganha o título. Olha o que sai nos jornais da época:
“O
Campeonato Nacional terminou, não vai deixar saudades, o Vasco é o
campeão e isso é o que vai ficar registrado. Daqui a alguns anos,
ninguém mais irá se lembrar de tudo o que se fez para ele chegar a
esse título. A história do futebol tem poucos registros de jogadas
de bastidores. Essa bola que não para de correr não dá tempo para
pensar no passado. Viva o futebol.” (Folha de São Paulo).
E então,
vamos falar de “ética” e “lisura”? De “Vasco sempre
perseguido”?
Mas você
falava do regulamento, que o art 59 do regulamento previa a inversão
do mando, que regulamentos precisam ser cumpridos à risca e tal.
De fato,
esse argumento do regulamento talvez resolva parte do seu problema em 1974. Mas já
que é pra falar de regulamento. O regulamento da Copa João
Havelange, em 2000. Lembra? Lá dizia que, caso uma partida fosse
interrompida ou encerrada, se o clube mandante desse causa à
anomalia, perderia os pontos do jogo.
Isso
aconteceu logo na Final, olha que chato. Vasco x São Caetano,
alambrado arrebenta por irresponsabilidade do mandante, que permitiu
a superlotação (estima-se cerca de 50 mil num estádio que cabiam 40 mil). Pelo
regulamento, o São Caetano deveria ganhar os pontos do jogo e ser o
campeão. Afinal, regulamentos devem ser cumpridos.

Agora
você me deixou confuso. É pra cumprir ou não é pra cumprir o
regulamento? Porque nos casos de 1974 e 2000 o único ponto que liga
as duas histórias de forma coerente é o fato de que o Vasco saiu
beneficiado em ambos os casos.
“Vasco,
sempre prejudicado”.
“Sempre
ganhamos no campo”. De fato, o Vasco é um clube que jamais
recorreu a manobras espúrias de bastidores, sempre seguiu
religiosamente as regras do jogo, nunca tentou levar qualquer tipo de
vantagem indevida... Sei.

“Contra
tudo e contra todos”.

Não me
lembro do Vasco ter tentado anular o jogo que ganhou do poderoso ABC,
lá na Copa do Brasil que vocês conquistaram, em 2011. Time
perdendo, jogo complicado, eliminação batendo na porta. Aí o juiz
aparece com um pênalti camarada, daqueles que é difícil conter o
riso. Eu realmente não me recordo de ter ouvido alguém do Vasco
invocar ética, moral ou bons costumes. Só me lembro de tê-los
visto falar de classificação “heroica” e “dramática”.
Naturalmente.
Ou de
tentarem anular o jogo que ganharam do Bangu em 1998, gol do Mauro
Galvão impedido, o Rubens Lopes (na época presidente do Bangu)
querendo bater no juiz, o Eurico dizendo que “árbitros não são
infalíveis”, enfim.
Mas isso
de querer anular jogo não é novo. Lembra a Taça GB de 1982? Houve
um jogo-extra, Flamengo e Vasco. Partida absolutamente normal. Dura,
pegada, forte, de decisão. Mas normal e até tranquila, ninguém
expulso, nenhum lance polêmico, nada, nada. Nenhum motivo para um
ai. O jogo só teve um problema grave: o Flamengo ganhou. No
finalzinho (ô, mania!). Pronto, vascaínos, foi o argumento que
vocês queriam. Anula, anula! Anula que o Flamengo ganhou. O mote, a
revelação de que o árbitro José Roberto Wright apitou com um
microfone sob a camisa, o que o regulamento (olha o regulamento de
novo...) não permitia nem proibia. Mas tem que anular, tem que
anular, o Vasco perdeu. Vocês entraram no tribunal, só pra perder
de novo. De goleada.

Sempre
perseguido, pobre Vasco.

Sempre
coitadinho, pobre Vasco.
Enfim,
basta. Só tem mais uma coisa. O América já foi rival do Flamengo,
sabia? É, daqueles ferrenhos, de discutir em bar, de jogador ganhar
bicho extra, de disputar campeonato ponto a ponto. Entrou numa de
coitadismo. Olha onde estão hoje. Acha que o Vasco tá indo muito
diferente? 2008 pra cá vocês nos venceram TRÊS vezes. O Resende
DUAS, pra se ter uma ideia. Barcelona x Español. Abre o olho.
Há
alguma novidade no que foi dito aqui? Não sabia, não lembrava?
Memória seletiva? Naturalmente. Afinal de contas, essas histórias
não costumam ser requentadas em sites “anti-Vasco”, em dossiês
de youtube, em “manifestos”, “panfletos” e coisas do tipo.
Não se fica pisando ou repisando as passagens polêmicas da história
vascaína.
Não
porque elas não tenham existido.
Mas
porque isso não importa.
* Agradecimento ao colega Vinícius Norske pela foto da caravela, que ilustra mais um momento edificante da gloriosa história do CR Vasco da Gama, atual vice-campeão estadual.