domingo, 2 de fevereiro de 2014

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos,

Tentarei ser breve, porque o texto hoje é longo. O último “homenageado” da série é o aristocrata decadente Fluminense, cujo cabedal de “momentos históricos” compõe um material caudalosamente vasto. Difícil deixar de falar do inesquecível bi-rebaixamento à Série B (1996-97), ou da demonstração de força de sua torcida, que colocou DEZOITO (DE-ZOI-TO) pagantes num jogo contra o Bangu, em 1994. Ou das emocionantes batalhas contra o glorioso Lagartense-SE, em 1999. Ou talvez o mega-evento de dezembro de 1997, quando enfrentou o time de craques da MTV e seu rumoroso VJ Cazé Peçanha, ou quem sabe as partidas contra o Dom Pedro, time de bombeiros do Distrito Federal comandado pelo Cabo Tata (que nem sempre jogava completo, pois alguns jogadores estavam em missão apagando incêndios nas matas do cerrado). Impossível deixar de mencionar o Circo Garcia instalado nas Laranjeiras em 1983, as goleadas sofridas em casa para os esquadrões do América-RN e Sport nas campanhas dos rebaixamentos, as incontáveis viradas de mesa regadas a champanhe...

Ufa. Enfim, aí estão separadas cinco histórias, mais uma de bônus. Boa diversão.


5 – JUVENTUDE-MT 4-1 FLUMINENSE, COPA DO BRASIL 2001
Ser goleado pelo Juventude não é novidade para o Fluminense, basta se lembrar dos 6-0 que levou em 1999. Então, não se trata de um resultado tão anormal... ops, esse não é o de Caxias? Epa...
O Fluminense de Valdir Espinoza busca vencer por dois gols e afastar o jogo de volta, contra o Juventude de Primavera do Leste, Mato Grosso, sim sinhô. É surpreendido pelo jogo veloz do adversário, mas consegue “achar” um gol, marcado pelo lateral Paulo César, em jogada de Magno Alves. Mas o Juventude de Primavera não se abala e começa a pressionar, comandado pelo cerebral meia Fernandinho Vila Nova, que abastece os atacantes Badico e Xará com precisos lançamentos. O empate não demora e sai nos pés do lateral Dudé, que cruza na cabeça de Jair, sem chances para o goleiro Diogo. E três minutos depois, o segundo, muito parecido, dessa vez marcado pelo próprio Dudé.
A virada desnorteia o Fluminense, que passa a atacar desordenadamente, mas Yan, Magno Alves e Agnaldo esbarram na segurança da defesa formada pelos zagueiros Baggio, Alex Bach e Penacho. Esperto, o treinador matogrossense coloca o veloz Moreno em campo, para aproveitar os contragolpes nos espaços deixados pelos tricolores. E a tática dá resultado. Jair recebe uma bola esticada e aciona Moreno, que só rola para o gol. 3-1. E um minuto depois, já aos 43', novamente Moreno recebe livre, arruma e emenda sem defesa para Diogo. Final, Juventude de Primavera 4-1 Fluminense. Alguns desavisados chegam a imaginar que não haverá segundo jogo, por causa da diferença de gols.

4 – FLUMINENSE 0-0 PAULISTA, COPA DO BRASIL 2005
Há limites para a crueldade do destino?
Nenhuma torcida comemorou mais o Maracanazzo de 2004 do que a tricolor (que desfilou, cantou musiquinha, enfim). Talvez nem mesmo a do Santo André. E agora, um ano depois, o Fluminense está na final da Copa do Brasil, enfrentando igualmente uma equipe do interior de São Paulo, no caso o brioso Paulista, de Jundiaí, onde jogam o festejado meia Márcio Mossoró e o volante Cristian (que mais tarde fará sucesso em Flamengo e Corinthians).
A final é em São Januário. O Fluminense de Fabiano Eller, Diego Souza e Juan, que perdeu a primeira partida (0-2), precisa de três gols, ou ao menos dois para levar aos pênaltis. Mas não consegue marcar nenhum. Desperdiça sucessivas e cristalinas chances de gol, numa sucessão que vai torturando e angustiando o torcedor que enche o estádio e celebra ídolos como Assis (que está nas tribunas), esperando uma festa que nunca virá. A esperança vai lentamente dando lugar ao desespero, acompanhando o implacável ritmo de um relógio que parece cavalgar alucinado. É uma atuação de gala de Tuta, que desperdiça ao menos três oportunidades claríssimas (uma delas em uma constrangedora furada) e de Leandro, que no final da partida perde um gol tendo apenas o goleiro à frente. Nem mesmo a entrada do garoto Toró chega a reverter o quadro. 0-0. O Paulista é o Campeão da Copa do Brasil de 2005, se impondo ao Fluminense dentro do Rio de Janeiro. A torcida tricolor prova rigorosamente o mesmo remédio que a fez se deleitar no ano anterior. Para completar o requinte e a sofisticação do martírio tricolor, seu treinador é Abel Braga, o mesmo derrotado em 2004.

3 – VILLA NOVA-MG 2-0 FLUMINENSE, BRASILEIRO SÉRIE C 1999
Um misto de esperança e confiança parece envolver as Laranjeiras às vésperas da estreia na Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro. Afinal, o clube consegue reunir empresas e profissionais dispostos a trabalhar em uma “mobilização” para devolver o Fluminense “ao seu lugar” de “grande”. É o caso do treinador Carlos Alberto Parreira e de jogadores como o superestimado zagueiro Alexandre Lopes, que alega rejeitar propostas da Europa para “cumprir a missão” de tirar o time da lama.
A estreia é no estádio Castor Cifuentes (o Penidão), em Nova Lima-MG, contra o tradicional Villa Nova local. E desde o início já se mostra visível e nítida a diferença de qualidade técnica e tática das duas equipes. O Villa Nova se mostra amplamente superior. E não encontra nenhuma dificuldade para marcar dois gols em 30 minutos, através de André e Dé. Os gols descontrolam o Fluminense, que perde o lateral Paulo Roberto, expulso. Sem forças, Parreira recua o time, receando a provável goleada, e o Villa roda a bola gastando o tempo. Mas, a partir da metade da segunda etapa, o Leão de Nova Lima volta a acelerar o ritmo e pressiona. Após uma bola na trave, a torcida do Fluminense (que está em bom número no estádio, tendo montado várias caravanas), entende ser o suficiente. Invade o campo, senta a porrada em alguns jogadores, atira pedras e garrafas no gramado, e aos 38' o árbitro decide encerrar o jogo, por falta de segurança. Final, Villa Nova-MG 2-0 Fluminense, aos gritos de “timinho, timinho”, e “ão ão ão, quarta divisão”. Mas pelo menos não foi de goleada.

2 – FLUMINENSE 2-3 ABC, BRASILEIRO SÉRIE B 1998
Após dois anos e uma virada de mesa, eis que enfim o bi-rebaixado Fluminense é apresentado à Série B. Sem perder a pose, sua diretoria promete um time capaz de devolver as glórias do passado, e nesse embalo é montado um elenco com os experientes Ronaldo (goleiro ex-Corinthians) e Nonato (lateral ex-Cruzeiro), além de jogadores como Gil Baiano, Marco Brito, Roni e Bruno Carvalho. Aproxima-se da “Geração Assis”, que passa a divulgar mensagens de apoio e força, contrata o ex-jogador Delei para a função de treinador e convence o aposentado Branco a retornar aos gramados. Consegue na CBF tirar o jogo de estreia, contra o ABC, das Laranjeiras, transferindo-o para o Maracanã, “para assustar o adversário”. Resolve-se promover a partida, com os ingressos a preços promocionais. O jogo é marcado para uma manhã de domingo. E a resposta da torcida é imediata. Os 20 mil ingressos são esgotados, e pelo menos o dobro de pessoas pressiona a entrada, o que faz com que os portões sejam arrombados. A diretoria procura motivar os jogadores, quitando parte dos quatro meses de salários que estão atrasados. Tudo aponta para uma grande festa e uma bonita celebração entre o time e sua torcida.
Mas falta combinar com o ABC.
O modesto time de Natal já mostra os dentes aos três minutos, quando Marcelinho dribla Jorge Luís e cruza na cabeça de Ivan, ABC 1-0. (Verdadeiramente) assustado, o Fluminense tenta atacar de forma desordenada, mas as furadas e caneladas tiram um pouco do poderio da equipe. O time carioca não passa do meio-campo, e só consegue arrematar ao gol adversário aos 30'. Mas, pouco depois, o meia Luís Fernando chuta, a bola desvia em alguém e engana Ronaldo. ABC 2-0. É o bastante para que boa parte dos 40 mil torcedores resolvam deixar o Maracanã e ainda aproveitar a praia, no que são seguidos pelo próprio presidente tricolor, que na véspera afirmara ser essa estreia “o primeiro passo rumo a Tóquio.”
O ponta Serrinha, arma secreta lançada no segundo tempo, dá ao Fluminense um choque de realidade. Atarracado, humilha o lateral tricolor com dribles desmoralizantes e inferniza a defesa adversária. Tanto faz que, aos 29', recebe bola na área, ajeita e fuzila. ABC 3-0. Inteiramente aturdida com o chocolate, a torcida tricolor se enfurece e urra “mercenários”, “terceira divisão”, entre outras gentilezas. A derrota não é mais contundente porque o ABC ainda desperdiça um pênalti. No fim, o time potiguar se empolga, tenta jogar de balãozinho e acaba castigado com dois gols (um deles em um pênalti inexistente), mas sustenta a vitória sem problemas, para desespero dos últimos abnegados que deixam o estádio aos prantos e gritos. Um repórter se aproxima de uma torcedora e tenta uma entrevista, negada “Olhe pra meu estado. Agora, escreva o que quiser.”
A primeira medida do Fluminense após a derrota é tentar tirar o jogo seguinte, contra o Juventus-SP, da Rua Javari. Não consegue. E apanha de novo, seguindo o trajeto que irá conduzi-lo não a Tóquio, mas à Série C.

1 – FLUMINENSE 1-2 SERRA-ES, Brasileiro Série C 1999
Válida pelo Quadrangular Final da Série C, a partida contra o Serra é encarada como uma guerra pelo Fluminense de Parreira. “Não podemos pensar em outro resultado, a não ser a vitória”. Já se chega à terceira rodada (de seis), e o quadro ainda está embolado, todos os times com chances de subir. O Maracanã recebe 15 mil desconfiados torcedores. O Fluminense anuncia ter fechado a contratação do atacante Joelson, principal nome do Serra, numa óbvia tática de guerrilha. Não adianta muito, porque aos 31' o próprio Joelson, num tiro cruzado, abre o marcador. A essa altura, o Serra já merece mesmo a vitória, pois domina amplamente a partida. O Fluminense reage, e ainda no primeiro tempo empata, com Yan cobrando um pênalti (maroto), renovando as esperanças de seu torcedor.
Mas na segunda etapa o tricolor volta disposto a impor seu melhor futebol. O tricolor capixaba, naturalmente. Dominando inteiramente a partida, o Serra começa a empilhar oportunidades, fazendo do goleiro Diogo o melhor nome em campo até então. Nem mesmo a entrada de Roger no lugar de Arinelson modifica o quadro e, aos 21', o volante Agnaldo manda de longe e Diogo aceita um frangaço. Serra 2-1. O gol devasta o já escasso equilíbrio carioca, Roger é expulso e o Serra apenas espera o tempo passar, colocando o adversário na roda. No final, Parreira se rende: “O Serra foi superior e nos envolveu. Mereceu o resultado.” A vitória do Serra coloca o time capixaba na liderança do quadrangular e o Fluminense dividindo o segundo lugar com o São Raimundo, estando seriamente ameaçado de não subir, até porque fará fora de casa dois dos três jogos restantes. Mas o STJD, sempre solícito, tira pontos de Serra e São Raimundo (escalação irregular de jogadores), facilitando consideravelmente o acesso do clube à Série B (quer dizer, ahn, bem, deveria ser a B, né?)


BÔNUS – O CAMPEONATO CARIOCA DE 1921
O ano de 1921 marca uma nova fase no futebol carioca, pois o campeonato é reestruturado, com o objetivo de reduzir o número de equipes e jogos, evitando o término tardio e as temidas partidas disputadas no sufocante calor do verão. Assim, com sete times (ao invés dos dez anteriores), a competição não mais se arrasta até dezembro, encerrando-se em setembro. No entanto, apenas um aspecto não muda, a hegemonia do Flamengo, que com vários jogadores de alto nível conquista o bicampeonato, após uma grande final contra o América (2-1).
No entanto, ao final das doze rodadas, uma surpresa. O Fluminense, que vive um momento turbulento, termina na sétima e ÚLTIMA colocação, com apenas 8 pontos, a três do São Cristóvão, em uma campanha onde viveu momentos não muito edificantes, como a goleada sofrida para o Andaraí em pleno campo das Laranjeiras. Repetindo, para deixar claro. O Fluminense é o ÚLTIMO. Lanterna. É o campeonato principal, sem asterisco, sem cisões. Há segunda divisão. E é previsto rebaixamento.
Mas tudo na vida se resolve. Um artifício camarada do regulamento prevê uma insólita e inédita repescagem contra o campeão da Segunda Divisão, para definir quem efetivamente fica na elite do futebol carioca. Assim, o Fluminense sobrevive ao derrotar o Vila Isabel FC (não confundir com a escola de samba) por 3-1, em um jogo tumultuado, e evita o rebaixamento.




Como se vê, a dívida vem de longe.