domingo, 26 de janeiro de 2014

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.

Dentro do ciclo de “homenagens” aos nossos rivais regionais do Estadual, hoje é o dia de falar do Vasco.
Batizado em homenagem ao grande navegador Vasco da Gama, vice-rei das Índias Portuguesas, trata-se de um clube que erigiu sua rica história à sombra de seu rival maior, mais popular e mais expressivo, o Flamengo, o que deixou marcas profundas na forma de torcer do vascaíno.

Com efeito, um cruzmaltino típico acorda e confere as notícias. Do Flamengo. Depois, vê o que está acontecendo com sua equipe. Torce, sofre, acompanha e padece com a trajetória rubro-negra, mais do que com a sua própria. Geme de satisfação quando recebe nacos de atenção e é considerado o maior rival flamengo. Ultimamente, com a crise que lhe tem impedido de conquistar seus tradicionais vice-campeonatos, tem sofrido uma espécie de botafoguização, tornando-se algo fatalista e derrotista.

Enfim, estão separados a seguir cinco momentos bonitos de sua história recente. Bom divertimento.

5– ATLÉTICO.PR 7-2 VASCO, CAMPEONATO BRASILEIRO 2005
Um placar de treino para um jogo-treino, que acaba sendo ameno para o indigente Vasco de Wagner Diniz, Morais e Alex Dias. O Atlético mostra amplo domínio da partida em todos os 90 minutos, com direito a duas bolas na trave e uma incontável sucessão de gols perdidos. Com 20 minutos, os paranaenses já vencem por 3-0. Um vexame histórico e inesquecível, a maior goleada sofrida pelo Vasco desde 1917. O desmoralizante gol de letra de Lima é talvez o símbolo de uma noite em que, segundo o treinador Renato Gaúcho, “até grávida faria gol na gente.”

4 – VASCO 1-2 GAMA, COPA DO BRASIL 2007
O tal gol mil de Romário já vem se tornando uma inesperada, interminável e insuportável novela. “Já é hora desse gol sair, o time está sentindo”, diz o treinador Renato Gaúcho. Define-se que dessa partida contra o Gama não passa. Vaga teoricamente tranquila, pois o Vasco tem o empate (o primeiro jogo havia terminado em 2-2), adversário limitado, marca-se o jogo para o Maracanã. 35 mil torcedores pagam ingresso para testemunhar a enésima tentativa de se chegar ao feito histórico. E começam os trabalhos presenciando um frango antológico de seu goleiro Cássio, logo no início da partida. Assustado e nervoso, o Vasco se deixa dominar e vê o time brasiliense desperdiçar várias chances de gol, mas chega ao empate com um gol de Renato, de cabeça. A estrela maior, Romário, tem atuação discreta. Um bom passe para Morais perder uma oportunidade, um toque por cobertura que o goleiro defende e a já tradicional mão na parte posterior da coxa, que silencia o estádio. Mesmo manquitolando, Romário permanece em campo até o final, mas o estádio já percebe que não será mesmo o dia. No final, nem gol mil e nem mesmo a vaga, pois, já aos 45 minutos da etapa final, Marcelo Uberaba, numa cobrança primorosa de falta (que lembra Pet), coloca números finais ao jogo e despacha o cruzmaltino.

3 – NACIONAL-COL 1-0 VASCO, TAÇA LIBERTADORES 1990
Conquistar a Libertadores é uma obsessão para a “Selevasco” de Eurico. Mas o time (onde jogam Bebeto, Tita e Bismarck, entre outros) em nenhum momento se encontra na competição. Passa da Primeira Fase a duríssimas penas e elimina nos pênaltis o Colo-Colo nas Oitavas de Final. Pelo futebol mostrado, entra como azarão para enfrentar o forte Nacional de Medellín de Higuita e meia seleção colombiana. No Maracanã, não sai do 0-0 e na Colômbia o cruzmaltino até faz boa partida, mas não resiste aos colombianos, que vencem por 2-0 numa partida absolutamente tranquila (Acácio ainda defendeu um pênalti), onde os únicos incidentes foram duas expulsões, uma para cada lado. No entanto, de forma surpreendente e incompreensível, o Vasco recorre ao Tribunal da CSAF (antigo nome da Conmebol), visando à anulação da partida, tendo como base o relatório feito pelo árbitro Juan Cardellino, onde se insinua ter havido “coação ao árbitro”. O jogo é anulado e remarcado para o neutro Estadio Santa Laura, em Santiago, Chile. E, tal como na primeira partida, o Vasco apanha de novo, agora por 1-0. Desta vez, a superioridade do mordido Nacional é ainda mais flagrante e, salvo uma chance no início, o time brasileiro mal passa do meio, inteiramente colocado na roda, livre da goleada pelas defesas de um Acácio inspirado. Ao final da partida, os jogadores colombianos vão ao banco vascaíno e, com gestos, provocam ostensivamente os jogadores. Alguns oferecem bolas aos gritos de “toma la pelota”, uma forte bravata regional que vencedores costumam bradar a derrotados inconformados. A um humilhado, desmoralizado e desanimado Vasco, que é motivo de risadas em todo o continente, resta como motivação enfrentar o Flamengo pelo Brasileiro no domingo seguinte. “A vitória nos redimirá”, diz Zagalo. Mas o Flamengo vence por 1-0, gol do desconhecido Nélio (que revive a mística de Bujica), afundando o Vasco em crise e na décima partida sem vencer.

2 – BOTAFOGO 1-0 VASCO, CAMPEONATO ESTADUAL 1990
O Botafogo, por ter a melhor campanha no Estadual, aguarda o vencedor de Vasco e Fluminense para conhecer seu adversário na Final. O Vasco vence e a partida é marcada. Aí terminam os pontos concordantes. O que se segue é uma confusão da informações e opiniões. Para o Botafogo, uma vitória simples dá o título e o empate leva à prorrogação, posição que a maioria da imprensa também entende ser a correta. Mas o Vasco, amparado em uma chicana do regulamento e na eterna boa vontade do presidente da FERJ (Caixa d'Água), entende jogar pelo empate e, caso seja derrotado nos 90 minutos, ainda ser necessário jogar uma prorrogação para definir o campeão. A partida, de péssimo nível e acompanhada por apenas 45 mil torcedores, parece se arrastar para um entediante empate quando Carlos Alberto Dias, a dez minutos do final, marca o gol da vitória botafoguense. Enquanto os alvinegros comemoram, Eurico Miranda ordena que seu time permaneça em campo aguardando a prorrogação. O Botafogo dá volta olímpica e o Vasco segue esperando o reinício da partida. Quando se percebe que não irá ter mesmo jogo (o time do Botafogo já tomando banho no vestiário), Eurico manda seu time também dar uma volta olímpica, num dos momentos mais patéticos e constrangedores da história do Maracanã e, por que não, de todo o futebol brasileiro. Sem um troféu, arranja-se uma caravela de papelão (material apropriado) e, num estádio às escuras (os refletores já se apagam), o Vasco roda o gramado diante de uma meia-dúzia de abnegados que gritam “É campeão, é campeão”. A coisa vai para o Tribunal (o Fluminense tenta dividir o título entre os três finalistas) e somente meses depois o vice-campeonato vascaíno será efetivamente confirmado.

1 – VASCO 0-3 BARAÚNAS.RN, COPA DO BRASIL 2005
Quando aquele senhor simpático, bermuda e chinelos, desce as escadas dos ônibus que acaba de chegar a São Januário, os repórteres não dão muita atenção, imaginando se tratar de um médico, massagista ou mesmo dirigente. Quando se descobre ser Cícero Ramalho, o craque e ídolo do Baraúnas de Mossoró, não é possível conter algumas risadinhas abafadas. Hoje é o dia ideal para o Vasco sair da crise, imaginam. Com efeito, o empate em 2-2 no primeiro jogo, em que foi superior ao adversário, dá aos vascaínos a certeza de uma grande atuação no jogo de volta. Mesmo Romário, a princípio poupado para o Brasileiro, pede para atuar.
No entanto, ao trilar o apito, o Baraúnas (equipe da Série C do Brasileiro) assume o controle da partida, e Cícero Ramalho, mesmo com 40 anos e 11 kg acima do peso, deita e rola em cima da jovem e inexperiente zaga vascaína. Fechadinho atrás, o time potiguar aproveita os rombos deixados pela preguiçosa equipe carioca e começa a criar chances. Aos 26 minutos, o ponteiro Val faz um salseiro pela direita e cruza rasteiro. Cícero Ramalho entra na corrida e escora, abrindo o marcador. Ainda na primeira etapa, o Baraúnas desperdiça mais duas chances de ampliar, enquanto Alex Dias perde um gol inacreditável, sozinho diante do goleiro, na maior oportunidade do Vasco. O time potiguar roda a bola, sempre aos gritos de comando de Cícero Ramalho, senhor absoluto das ações. Nem mesmo quando o atacante sai de campo no intervalo (dores musculares) o Baraúnas diminui o ritmo. Aos 12 minutos da segunda etapa o meia Tony arrisca de longe e o goleiro Fabiano aceita. Antes que o Vasco esboce reação, o time de Mossoró continua atacando, e aos 22' o atacante Henrique chuta entre as pernas de Fabiano, dando o golpe de misericórdia, Baraúnas 3-0. O placar poderia ter sido mais elástico se os atacantes potiguares tivessem uma melhor pontaria, e se o Baraúnas não houvesse optado por, nos 15 minutos finais, aplicar um desmoralizante olé em um Vasco absolutamente entregue, aos gritos e aplausos irônicos de uma torcida revoltada. A derrota humilhante custa o emprego de Joel Santana, e é bem sintetizada por um incrédulo Romário: “não jogamos porra nenhuma”.

Enquanto isso, em Mossoró, carreatas comemoram o feito, celebrando "Cícero Romário", o novo heroi potiguar.

Boa semana a todos.