domingo, 1 de dezembro de 2013

Alfarrábios do Melo

2013, agosto.

O Flamengo vem de levar uma traulitada daquele árbitro careca lá em Salvador, que graciosamente devolveu a um Atlético-MG de ressaca, não interessa, a galinha pagou o pato. Mas essa ciranda de dar e receber vitórias contundentes assusta e preocupa, o time não engrena, metade de baixo da tabela, rebaixamento que é mais medo que risco, mas não. Ninguém está contente. Ok, primeiro ano, há certa paciência. E esperança, é o que nos resta.

Nisso, o sorteio.

Torcemos para um Salgueiro, um Luverdense. Só prosperaremos diante de times mais fracos, vaticinam. Qualquer time da Série A que cair pra gente no sorteio é favorito, cravam. Não, se quisermos ter um gostinho de sonho com essa Copa do Brasil, tem que vir um time desses de interior.

Caem as bolinhas.

Estupefação. Incredulidade. Inconformismo. Os luverdenses e chapetubas da vida vão sendo graciosamente encaminhados para Corinthians, Inter, pra qualquer um. Ao Flamengo aparece o Cruzeiro, o super Cruzeiro, o mágico Cruzeiro, o genial, espetacular, futebol arte, ataque devastador, o Cruzeiro líder do Brasileiro.

Gritos, xingamentos, cadeiras quebradas.

Praguejam, “se acontece o milagre de tirar o Cruzeiro, ainda vem o Seedorf ou o campeão da Libertadores, não vai ter jeito.”, “se é pra ser eliminado, melhor perder logo pro Cruzeiro do que pra um rival”, “bota logo os reservas na Copa do Brasil e foca na luta do rebaixamento”, “o mega-super ataque do Cruzeiro vai deitar na nossa zaga”, “o mito Dedé vai mastigar nosso ataque débil.”

E as lamúrias vão se empilhando, quase catárticas, expelindo três anos de humilhações, desilusões e desencanto. Discursos coalhados de palavras bonitas tentam exortar o momento difícil, a necessidade de paciência, de abdicar, num primeiro momento, da ancestral ânsia flamenga por conquistas.

“O Cruzeiro deu azar.”

Foi um pipoco. Um tapa na cara. Saiu assim, do nada.

A pequena frase, de uma inconsequência quase divinal, soou como um chamado. Uma lembrança do que fomos, somos e seremos. Um velado caráter de esporro, que nos chamou à luta. Chega de nhé. Flamengo, porra.

Sim, o Cruzeiro deu azar. Como qualquer um que esbarrasse com o Flamengo.

Respeitamos a todos, mas todos nos temem. Porque somos e nos sabemos superiores. Sabemos que um Flamengo forte, unido e mobilizado não é vencido. A questão é nos fecharmos. Quando isso acontece, adiós pros outros.

O clube está uma bagunça, o time não presta, fora fulano, fora beltrano, não contrataram ninguém, só veio porcaria de balaio, até quando isso de rebaixamento, treinador é trocado como roupa, os “líderes” foram enxotados, tá tudo errado, não adianta, assim não vai dar certo.

Mas o Cruzeiro deu azar.

E não vai demorar a perceber. Pinta o Mineirão de azul, traz sua gente barulhenta, começa sufocando, imprensando, impondo seu futebol declamado e aclamado, abre dois, podia ser quatro ou cinco. E o punhado flamengo, valente mas aparentemente impotente, vai tentando estocar. Numa dessas, gol. Gol em cima do tal Dedé, cliente antigo. Pronto. Não tem Mineirão, não há multidão azul. É um Flamengo cheio de garotos e reservas que aluga o meio, administra a bola, silencia e intimida o super-favorito. Podia ter empatado, mas não precisou. A coisa vai pro Maracanã. Ou seja...

Sim, o Cruzeiro rodará, pela palavra do profeta. Depois disso, as travessuras do destino acabarão proporcionando o ambiente ideal para que todos os elementos necessários se reúnam e daí se irrompa um Flamengo forte, protagonista, campeão. E aí os melhores times do país, ou ao menos os considerados como tal, irão, em filinha e bem disciplinados, receber do Mengão o seu toddynho na orelha. O Flamengo voltará a ser referência, assunto, fonte de admiração e fortes elogios. Os paus de vassoura de repente serão cobiçados, exaltados. Ressuscitarão. Porque flamengos.

Mas a marca maior de mais uma conquista desse Flamengo de raiz terá sido aquela prosaica frase, lá atrás, no meio do vento.

O Cruzeiro deu azar.