sábado, 19 de outubro de 2013

Alfarrábios do Melo

Saudações flamengas a todos.

Essa semana entro em clima de “buteco” e deixo onze passagens, “causos” e curiosidades de momentos diversos, assim atendendo a muitos pedidos que costumo recber. Ideal para conversa de bar. Boa diversão.

1 – A INVENCIBILIDADE
Após a inesperada derrota para o Botafogo-PB, em março de 1980, o Flamengo engatará uma série de 35 partidas invictas no Maracanã contra equipes de fora do Rio. A série somente será interrompida já em novembro de 1982, ou seja, 2 anos e 8 meses depois, com a derrota para o Peñarol-URU, pela Libertadores.
Se levarmos em conta os jogos inclusive contra equipes do Rio de Janeiro, o Flamengo terá permanecido absolutamente invicto no Maracanã entre março de 1980 e abril de 1981, cerca de um ano, um total de 38 partidas.


2 – CONTRA ZICO, NINGUÉM SE CRIA
Outro dado pouco explorado diz respeito à importância de Zico para o time do Flamengo. Com efeito, após a traumática derrota para o Palmeiras (1-4) em 1979, o Flamengo, com Zico em campo, NUNCA MAIS sofreu quatro gols em uma partida oficial e saiu derrotado. A única exceção é a derrota de 1989 para o Corinthians no Pacaembu (2-4), pela Copa do Brasil, mas esse resultado classificou o Flamengo e eliminou os paulistas, sendo, portanto, uma meia-derrota.

3 – RODÍZIO, SÓ EM CHURRASCARIA
Em 1981, Raul e Cantarele viviam se estranhando e trocando farpas em sua acirrada disputa pela posição de titular. A solução adotada pelo “novato” Carpegiani foi promover um rodízio entre ambos, a ser iniciado exatamente em sua partida de estreia, contra o Olimpia, no Maracanã. Mas Cantarele falhou no gol de empate dos paraguaios e saiu do estádio hostilizado. Na partida seguinte, Raul teve ótima atuação contra o Atlético-MG (2-2 no Maracanã) e, para os difíceis jogos no Paraguai, foi efetivado de vez na equipe. Perguntado sobre o que achava do rodízio de Carpegiani, o experiente goleiro emendou, “isso de rodízio só é bom em churrascaria”.

4 – A BARRAÇÃO DA DISCÓRDIA
Taça Guanabara de 1981. O Flamengo vai vencendo o Serrano de Petrópolis por 1-0, no Maracanã. A bola é tocada ao jovem zagueiro Mozer, que vai dar um balãozinho no atacante, perde a bola e por pouco o adversário não empata. O esquentado treinador Dino Sani não titubeia, substitui no ato Mozer por Rondinelli. Mozer sai chorando de campo e é orientado para não falar aos jornais. Todos os companheiros, especialmente Marinho, saem em defesa do zagueiro na imprensa. Dino Sani, que havia adotado um discurso duríssimo (“não aceito firula e brincadeira em campo”), abranda a conversa, mas mantém Mozer barrado para o jogo seguinte (Olimpia, Libertadores). Avisa que o titular é Rondinelli. No entanto, volta atrás e resolve barrar o “Deus da Raça”. E depois reverte a barração, isso em dois dias. Ninguém mais entende o treinador, nem se entende. O ambiente, às portas de um jogo decisivo, se torna muito tenso, e a diretoria resolve demitir o treinador, apesar do Flamengo ter acabado de conquistar a Taça Guanabara e estar na liderança de seu grupo na Libertadores, o que gerou um comentário ácido de Zico, “é, Dino, se te tiram quando você tá ganhando, nem quero estar na pele do nosso treinador quando a gente começar a perder...”

5 – SE PODE COMPLICAR, POR QUE SIMPLIFICAR?
Ao contrário dos tempos atuais, a forma de disputa da Taça Libertadores nos anos 80 era baseada em reuniões, conchavos, acordos e MUITA política (bem, a rigor, política existe até hoje). E não foi diferente em 1981. O Flamengo, por exemplo, aceitou decidir sua classificação na Primeira Fase em duas pedreiras no Paraguai com a condição de fazer a segunda partida contra o Atlético-MG no Maracanã.
Outra negociação rebuscada envolveu o mando de campo do jogo-extra. O Atlético-MG queria jogar em São Paulo, o Flamengo em Goiânia. Várias imposições e concessões foram postas à mesa, mas o Atlético-MG só aceitou fazer mesmo o jogo no Serra Dourada se o árbitro fosse José Roberto Wright. Ironicamente, o árbitro hoje odiado pelos mineiros foi por eles escolhido para a partida.

Por fim, a negociação das chaves da Segunda Fase. Por inacreditável que pareça, o Flamengo trabalhou muito forte para formar seu grupo com Nacional e Peñarol, os dois do Uruguai. O rubro-negro estava de olho nas rendas e nas distâncias de viagem mais curtas. O acordo esteve muito próximo de sair (havia a prerrogativa dos clubes escolherem suas chaves, se houvesse acordo), mas na véspera o Deportivo Cali e o Wilstermann, também de olho nas rendas do Flamengo de Zico, resolveram barrar o acerto e a definição das chaves ocorreu mesmo por sorteio. No entanto, em 1982 o Flamengo conseguiu seu objetivo, e formou sua chave com River Plate e Peñarol.

6 – A FALÁCIA DO TIME MISTO
Tornou-se um senso comum a história de que o Flamengo “planejou meticulosamente a temporada de 1981, ganhou a Taça Guanabara, jogou o Segundo Turno com um time misto e arrancou pro Terceiro Turno com seus titulares”. Lenda.
O Flamengo disputou e venceu a Taça Guanabara com seu time titular, verdade. Mas o Segundo Turno, que coincidiu com a Primeira Fase da Libertadores, também foi jogado com o time principal, sem priorizar qualquer competição. No entanto, com os sinais de desgaste surgindo (o time perdeu o turno para o Vasco), o Flamengo resolveu enfim pensar em colocar um time misto Mesmo assim, e mesmo com jogos no Caio Martins e Petrópolis, por exemplo, e jogando terça, sexta e domingo, o Flamengo só poupou seu time na quarta rodada, contra o Campo Grande. Colocou os reservas, que jogaram mal e venceram a partida a duras penas (2-1). Depois desse jogo, desistiu de vez da ideia. Ironicamente, os titulares foram novamente poupados num jogo de Libertadores (Wilstermann, no Maracanã, 4-1), que já não valia nada (Flamengo já estava na final). Ou seja, a tal “priorização” se resumiu a DOIS jogos.

7 – QUANTO FOI MESMO?
1989, Taça Guanabara, penúltima rodada. O Flamengo acaba de esmagar o modesto Nova Cidade por 8-1, na Gávea. Assombrados, os repórteres entram em campo para fazer as entrevistas de fim de jogo. Um jogador flamengo é abordado e começa “foi importante a determinação da equipe, que se manteve concentrada, e assim conseguimos esse placar de … ahn, quanto foi o jogo mesmo?”

8 – UM DIRIGENTE DE VISÃO
1992, corre o Campeonato Brasileiro. O Flamengo tem jogo importante contra o Corinthians, no Pacaembu. Um dos diretores vai aos jornais e resolve tecer suas considerações sobre o time, que não vem em boa fase. “O Júnior, por exemplo. Uma nulidade, um estorvo. Velho e lento, já deveria ter se aposentado. Vive de cobrar escanteios e faltas. Não agrega nada”. Ninguém entende, mas o dirigente continua, “falo isso desde o ano passado”. O presidente do Flamengo age rápido e afasta o diretor. Júnior, que não polemiza, “cada um acha o que quer”, gasta a bola em um chocolate contundente (3-1). No entanto, o agora ex-diretor segue falando um monte, organiza-se politicamente e se tornará presidente do Flamengo. Um dos piores, diga-se de passagem, algo não muito inesperado, dada a visão demonstrada.

9 – MAS QUEM GANHOU MESMO?
1993, termina o jogo. O Flamengo sai de campo coberto de caudalosas vaias, muxoxos, xingamentos e apupos. Os jogadores se cumprimentam, alguns sorriem diante da reação da torcida. Sim, porque, ao contrário do que parece, o rubro-negro acaba de vencer a partida. De OITO. As vaias são em reclamação ao fato do time ter reduzido o ritmo e não ter tentado fazer dez. Pior, reduziu tanto que o adversário, o modestíssimo Minerven, da Venezuela, conseguiu dois gols nos dois minutos finais. Aí, caiu mesmo na vaia, mesmo com os sonoros 8-2.

10 - “AQUI, NÃO!”
1994, Bebeto está em litígio com o La Coruña, que admite negociar o jogador. O Flamengo manda uma delegação à Espanha e inicia uma série de tratativas que vai evoluindo. Em dado momento, a volta de Bebeto à Gávea é tida como certa, e alguns jornais, apressados, chegam a noticiar o desfecho da transação (“Bebeto está de volta ao Flamengo”, sai em letras garrafais). No entanto, o Flamengo tem uma partida contra o Grêmio, no Maracanã. Mesmo com um time evidentemente limitado (Gilmar, Sávio e Nélio liderando um punhado de garotos, como Índio, Marçal, Hugo e quetais) e com o mau resultado (empate em 2-2), a torcida leva faixas e canta forte hostilizando o provável reforço: “Chorããããão, aqui nãããããão!”. Por “coincidência”, após o incidente as negociações emperram, Bebeto (que já havia jurado amor ao Flamengo) declara-se “encantado” com La Coruña e fala que “nunca pensou em sair” da Espanha. O negócio mela e o jogador permanece em seu clube por mais uma temporada.

11 – UMA INSÓLITA DECLARAÇÃO DE AMOR
1995, o atacante Jardel está no auge da carreira, campeão da Libertadores pelo Grêmio. Após uma partida pelo Brasileiro, em que marca dois gols no empate dos gaúchos contra o Flamengo, Jardel é abordado por um repórter, que quer falar de sua impressionante estatística de gols contra o rubro-negro. O repórter está em busca de alguma declaração jocosa ou irônica, o Flamengo (com seu “ataque dos sonhos”) vive péssimo momento e é alvo de chacotas diárias. Mas Jardel dá uma declaração desconcertante e amplamente inusitada. “Verdade, eu faço muitos gols contra eles. Eu me motivo muito e tenho grande prazer em fazer gols contra o Flamengo. Mas teria um prazer muito maior, eu me realizaria muito mais, se fizesse gols pelo Flamengo.”

Boa semana a todos.