domingo, 2 de junho de 2013

Alfarrábios do Melo



Saudações flamengas a todos.

Escrevo esse texto antes de conhecer o resultado da partida de Joinville, o que não modifica o cenário que quero abordar.

Austeridade, elenco barato, aposta em jogadores jovens, sejam “da casa” ou de fora, busca por referências, rejeição a estrelas. É comum o Flamengo viver momentos permeados por essas premissas, esses motes. Separo aqui dois desses recortes, para reflexão.

1991
Uma nova administração assume o Flamengo, já sob o peso de dívidas que começam a assumir um volume expressivo e preocupante. Com discurso de austeridade, o clube monta seu elenco fugindo da política de contratação de medalhões e buscando foco no aproveitamento das categorias de base. Nesse contexto, é contratado o promissor treinador Vanderlei Luxemburgo, que acaba de se sagrar campeão paulista pelo desconhecido Bragantino e vê na Gávea um estágio ideal para se tornar um nome de primeira linha. Ademais, jogadores caros e/ou de rendimento duvidoso, como Bobô, Renato Gaúcho, Fernando, são negociados e a equipe passa a apostar nos jovens Marcelinho, Djalminha, Rogério, Júnior Baiano, Marquinhos, Paulo Nunes, Piá, Nélio e outros menos cotados que, sob a liderança de Zinho, Gaúcho e principalmente Júnior, terão o desafio de resgatar ao Flamengo o protagonismo recentemente perdido.

Mas o processo é lento e doloroso. Os jovens, que enfim recebem a chance de suas vidas, sentem a pressão e não conseguem render. Algumas contratações “boas e baratas”, como os meias Toninho e Paulo César, o lateral Dida (vindo emprestado do Palmeiras) e o zagueiro Adílson, não dão o retorno esperado. Para piorar, um dos pontos de equilíbrio do meio-campo, o volante Uidemar, sofre grave lesão e passará quase um semestre fora da equipe. O inicio é desastroso, com quatro derrotas em seis jogos, sendo duas goleadas contundentes (0-3 Atlético-PR e 1-5 Goiás). A crônica dedica-se a um massacre diário ao elenco de jogadores, cravando que 80% deles não reúne condições de atuar numa equipe como o Flamengo. O time é ridicularizado e objeto de chacota, fala-se abertamente em rebaixamento (zona frequentada por várias rodadas) e a torcida pressiona fortemente pela demissão do treinador, que não consegue encontrar um padrão de jogo nem tornar a equipe consistente, seja no ataque, seja em seu sistema defensivo.

Mas Luxemburgo não é demitido. Recebe mais um reforço, o zagueiro W.Gotardo, substitui o goleiro Zé Carlos por Gilmar e dá aos dois a missão de dividir a liderança do elenco com Júnior e Zinho. Identifica no jovem Charles (um dos reforços “bons e baratos”) potencial e o efetiva na equipe titular. Vai aos poucos começando a definir uma estrutura de time e, apesar dos resultados irregulares e da falta de títulos, termina o primeiro semestre com uma equipe estável e nitidamente em evolução.

Os resultados não tardarão. Mesmo com a tumultuada saída de Luxemburgo logo após a conquista de seu primeiro título (a esvaziada Copa Rio), o Flamengo, sem alterações maiores no elenco, segue evoluindo sob a batuta de Carlinhos, que faz algumas adaptações aqui e ali, mas mantém a filosofia original de trabalho. Aos poucos o time recupera a confiança e o trabalho redundará na conquista do Estadual e do penta Brasileiro no ano seguinte.

2004
Uma nova administração assume um Flamengo em estado de iminente insolvência. Não há dinheiro sequer para confrontar despesas administrativas básicas. O clube ainda se encontra sob o impacto da desastrosa Era ISL e do impeachment da diretoria anterior. Nesse contexto, a ordem é enxugar gastos e montar um elenco barato para a temporada. O ex-jogador Júnior é chamado para gerir o departamento de futebol e implantar uma filosofia de trabalho mais profissional. O elenco é montado tendo como referências Júlio César, Fábio Baiano, Jônatas, Fabiano Eller e Felipe, juntamente com os veteranos Júnior Baiano e Zinho, que terão a missão de comandar um elenco jovem, onde se destacam o lateral Rafael, o atacante Jean e os garotos Henrique, Ibson e Andrezinho. Parece pouco, mas os reforços contratados são apostas baratas, como o lateral Roger, os volantes Da Silva e Douglas Silva e outros menos cotados (Juliano, Flávio, Negreiros, Nielsen). No comando, o esforçado treinador Abel Braga. O caro e problemático Edilson é afastado e tem seu contrato rescindido após ato de indisciplina.

As coisas vão bem no primeiro semestre. Aproveitando o péssimo momento de Botafogo e Vasco, o Flamengo derrota sucessivamente o badalado time de estrelas do Fluminense e leva a Taça Guanabara, ratificando a conquista e vencendo o Estadual com duas vitórias sobre o surpreendente Vasco. Além disso, vai se classificando às fases seguintes da Copa do Brasil sem maiores sustos, contra os adversários mais fracos. Há uma sensação de evolução no futebol do time que, apesar de limitado, mostra-se aguerrido e aplicado taticamente.

Mas um erro de avaliação se mostrará fatal no segundo semestre. Confiando nos gols de Jean e ignorando o fato do irrequieto atacante não ser homem de referência, a diretoria aposta no jogador como o responsável pelos gols da equipe, fiando-se em seu excepcional desempenho nas finais do Estadual.

No entanto, Jean sente a pressão e não consegue exercer (como previsível) o papel. O Flamengo estreia bem no Brasileiro, com um animador 0-0 contra o Grêmio, no Olímpico. Mas outro 0-0, dessa vez contra a retrancada Ponte Preta em Volta Redonda, com Jean perdendo inúmeras chances de gol, acende um sinal de advertência que vai sendo protelado e adiado, enquanto o time segue progredindo na Copa do Brasil. Em um campeonato de maior nível, as limitações se mostram mais evidentes e a equipe, após péssimos resultados em sequência (inclusive goleadas), chega à zona do rebaixamento. A crise, tantas vezes anunciada, explode de vez com a perda da Copa do Brasil para o modesto Santo André, em pleno Maracanã.

Os efeitos são devastadores. Treinadores são repostos e carbonizados com inquietante velocidade, jogadores ganham e perdem prestígio a esmo, confundindo torcedores e jornalistas, a diretoria não consegue manter em dia os salários e focos de insatisfação irrompem entre os atletas, Júnior começa a sofrer boicote de parte da diretoria, que traz o mediano Dimba a peso de ouro para “salvar” um time irritado e desunido, e apenas a presença do interino treinador Andrade (o quarto da temporada), que consegue pacificar alguns focos de insatisfação, dá ao time um mínimo de estabilidade para que, a duras penas, o rebaixamento seja evitado.

A ideia não é imaginar a emulação dessas temporadas. Não haverá outro 1991 ou outro 2004. No entanto, os fatores estavam lá,

e cá estão novamente. Analisar os motivos que fizeram 1991 dar certo e 2004 afundar pode ajudar a ler e entender o momento atual.

Postura da diretoria, qualidade do elenco de jogadores, erros e acertos nas apostas para lideranças, mando de campo, reação aos resultados adversos, entre vários outros elementos. Cotejá-los entre essas duas temporadas e trazê-los para o momento atual é o que proponho discutir.

Boa semana a todos,

(PS - está nascendo Felipe, meu segundo herdeiro flamengo. Assim, deverei me afastar um pouco dos comentários e das discussões diárias. Mas tentarei manter o ritmo normal de postagens).