
Não sei se ele próprio sente o peso titânico dessa tarefa: ser o Atlas vergado sob o peso da orbe rubro-negra, plena sonhos, frustrações, esperanças, receios, apatia e raiva. Pois a torcida do Flamengo, que ele num autêntico “respingo de genialidade” chamou de Magnética, malgrado seja – em seu colorido de euforia incontida – uma das mais vívidas e vibrantes manifestações da paixão humana é composta de gente de verdade. Gente que ri e que acredita, mas que também é insegura e amargurada. Essa Nação é feita de um sem-número de pessoas que, consideradas no plano individual, estão sempre prontas para desferir suas mortíferas e repetidas salvas de fogo de metralha contra qualquer um que tenha a ousadia de, por exemplo, dizer que houve algum lateral esquerdo do Flamengo que foi mais decisivo em uma final de Campeonato Brasileiro que o Piá; ou, trazendo o debate para o Século XXI, que o meio campo atual deve ser armado com Willians, Maldonado (mesmo lesionado), Botinelli, TN e R10, não importando se o encaixe não encontra correspondência no rol das formações táticas dos times dessa nossa desvanecida contemporaneidade.

Com efeito, eis que de repente, justo nesse cenário, por meio do Urublog, me peguei falando para milhares, quiçá milhões, de rubro-negros. Passei dois dias quase inteiros pressionando a tecla F5 para receber de imediato cada novo comentário. Não sem a grande expectativa do neófito escritor que se vê falando para as massas, me ufanei com cada elogio e considerei cada manifestação de rejeição. Contudo, menos de 30% dos torcedores se dignam a deixar um comentário para abordar algo relevante. Foi assim que pude ver ratificada a máxima contraditória: Se o Urublog é a voz e os olhos na Nação, os comentários são seus ouvidos moucos.
Se, por um lado, é ali que a doutrina rubro-negra ecoa (o rubro-negrismo racional do Muhlemberg) e reverberam as cores do Manto Sagrado, por outro, é bem próximo dali, logo abaixo, nos comentários, que rubro-negros e torcedores dos outros times (que segundo tese do Muhlemberg, vivem à órbita do Planeta Mengão) esvaem-se em debates totalmente vazios de conteúdo. Pouca gente se dá conta que os leitores do blog também lêem os comentários e, assim, transformam aquele espaço democrático e de inestimável potencial em uma babel em que palavras cortantes são gritadas ao nervoso som de um apertar da tecla CAPS LOCK.
Com relação ao post “A destruição do Tempo”, ainda sou grato a todos aqueles que fizeram questão de elogiar o texto e aqueloutros que o consideraram “o pior texto da história do Urublog”, conforme se manifestou um dos leitores. As leves associações com o judaísmo do texto, ainda que pela minoria, foram confundidas com comparações e desrespeito. Não me preocuparei em expor as diferenças semânticas entre essas duas palavras, mas quero deixar claro que sou um profundo admirador do povo judeu e de sua luta. Um povo que, acima e antes de tudo, se considera o povo escolhido, exatamente como o povo rubro-negro, ainda que por motivos diversos.
Ademais, ao falar de judaísmo, despertei a atenção de um torcedor do Flamengo que vive em Israel. Um autêntico judeu que teve a gentileza de me enviar uma mensagem de felicitações por e-mail. A mensagem do David me prova duas coisas: que, de fato, não desrespeitei sentimentos religiosos; e que ser Flamengo é uma expressão que não respeita qualquer limite conhecido, menos ainda o mero limite geográfico.
Percebam o quanto é difícil a vida de um Arthur Muhlenberg: enquanto o amigo David vive sua paixão pelo Flamengo, dando provas de seu rubro-negrismo racional, acompanhando o Mais Querido lá do oriente, nas proximidades do Domo da Rocha e do Muro das Lamentações, os Vendilhões do Templo daqui preferem (como de fato fizeram, quem quiser e tiver paciência que confira) disputar um Torneio Rio x São Paulo de deselegância, preconceito e malferimento à língua portuguesa. Lamentável.
É preciso deixar claro: não estou reclamando, nem me queixando de nada. Antes, trata-se de uma mera constatação. Todos nós somos livres para exercer nossas interpretações dos signos lançados no mundo. Em realidade, sponte propria, escrevi os textos e os enviei ao Arthur, a quem, acima de tudo, sou grato pela condescendência de publicá-los.
Falando no cara, agora posso dizer que sei o quão difícil é estar na pele do Muhlemberg, mas também descobri porque ele continua firme e resoluto a recitar o seu mantra: “que Deus proteja o Flamengo dos seus seguidores”. ´ É bem verdade que permanecer na vitrine pode atrair algumas pedradas, nesse caso não apenas dos infiéis, pois, infelizmente, a ignorância não é uma virtude exclusiva da arco-íris. Contudo, imagino que ele deve se divertir bastante falando de Flamengo para todos nós que tanto gostamos do Flamengo. Além disso, tenho a impressão que ele se diverte ainda mais provocando os infelizes torcedores de outras agremiações e estes, por sua vez, lhe correspondem em forte medida garantindo a, digamos, “audiência, e a popularidade do Urublog. Arthur Muhlemberg manda bem! Portanto e por todas as razões agitadas acima, respeito ainda mais o comandante do Urublog.

Autor: Carter Batista.