quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Memórias de Um Jovem de 18 Anos

Era 13 de dezembro de 1987, aniversário de seis anos do título mundial de 1981. Data comemorativa, ao mesmo tempo nostálgica, era também destinada a marcar a conquista mais um título brasileiro, o quarto num espaço de oito anos. Aquela geração arrebatadora estava no fim, mas ainda iria conquistar mais dois títulos brasileiros, o primeiro deles naquele mesmo dia. E esse título significava deixar o Flamengo como o clube com mais títulos brasileiros, ultrapassando o próprio rival, o Internacional, o único que, como ele, então possuía três. Naquele tempo, em que a CBF não precisava reconhecer torneios do passado para fazer política, embora também fizesse muita política, só que de outra forma, o Palmeiras e o São Paulo tinham apenas dois títulos cada um, enquanto Vasco, Grêmio, Fluminense e Atlético/MG só tinham um; já o Corinthians, o Santos, o Cruzeiro e o Botafogo não tinham simplesmente nenhum.

O mundo era diferente. O Regime Militar agonizava, mas ainda existia; a Constituição Cidadã só seria promulgada no ano seguinte; os brasileiros padeciam com mais um desastroso plano econômico, o nada saudoso "Plano Bresser"; no exterior, a Guerra Fria vivia seus últimos anos antes da "Glasnost"; eram os tempos finais da União Soviética e da "Cortina-de-Ferro". Brasília ainda era a "Capital do Rock" e havia uma banda por metro quadrado na cidade. Eu mesmo tinha a minha. Bons tempos que não voltam. No futebol, enquanto Zico lutava contra as contusões e caminhava para o fim da carreira, Diego Maradona iniciava sua curva descendente após a magnífica Copa do Mundo de 1986, começando uma jornada obscura no mundo das drogas.


Em meio a uma crise administrativa e financeira sem precedentes, a CBF jogou a toalha e disse que não tinha condições de organizar o campeonato brasileiro daquele ano. Os clubes se reuniram em torno do presidente do São Paulo F.C. e o resto da história vocês sabem. Mas aquele campeonato curto, quase que composto apenas de times grandes, à exceção de Santa Cruz, Coritiba e Goiás, foi na verdade um dos melhores de todos os tempos e não poderia ter sido vencido por outro senão o maior e melhor de todos os tempos, o CR Flamengo.

Marcante para quem vivia e vive na Região Centro-Oeste foi a semifinal contra o Atlético/MG. Alguns torcedores do Flamengo que vivem no Rio costumam dizer aos que vivem fora que às vezes lhes falta a exata compreensão da rivalidade local e que isso explicaria não dar tanta importância ao Campeonato Estadual. Pois eu lhes respondo sempre que não sabem o que é viver em Brasília, cidade naturalmente cosmopolita e habitada por pessoas de todos os cantos do país, que gostam tanto de futebol quanto qualquer outro fã desse esporte em qualquer outro canto do mundo, sendo que, dentre essas pessoas de todo o país, há uma expressiva quantidade de cariocas, advinda da transferência da capital do Rio para cá, e, pelas condições geográficas, os mineiros, dentre os quais os hostis atleticanos, eternamente ressentidos por 1980 e 1981. Pensem ainda no que é conviver, no meio de tudo isso, com os paulistas... Mas deixa pra lá, senão acabo falando ainda dos gaúchos e sua mania de grandeza, pois estamos tratando é dos atleticanos, para mim, os torcedores mais chatos do Brasil, disparados. Bem, o que posso lhes dizer é que, com uma campanha melhor, jogando o fino, dirigidos pelo "Mestre" Telê Santana, senti-me vingado por toda a choradeira e aporrinhação de seis/sete anos, além de ter vencido o treinador do Palmeiras de 1979, aquele dos 1x4 no Maracanã. É bom demais ganhar do Atlético; mas talvez precise ser dessa região e dessa época para compreender esse sentimento em toda sua plenitude.




E o que dizer do gol do Renato? Bem, sobre o Renato eu tenho que abrir um parágrafo à parte. Era um ídolo. E não adianta virem falar de gol de barriga em 1995, do que ele falou enquanto treinador do Fluminense em 2008. Será que não dá pra entender que a coluna aborda o que ele era em 1987? Era ídolo! Í-do-lo. Eu separo as coisas e guardo grandes recordações daquela época e das atuações do Renato. E digo que aquele terceiro gol no Mineirão foi o gol do Flamengo que mais me fez vibrar até hoje na vida, ao lado do terceiro gol do Nunes em 1980. E digo mais: sorte do Flamengo que o Renato não jogou a Copa de 1986, porque, se tivesse jogado, o Brasil talvez tivesse sido campeão, ele tivesse ido jogar na Europa mais cedo, o Flamengo não teria tido condições de contratá-lo e com certeza não teria sido campeão em 1987.

Finalmente, o nosso ídolo maior: Zico. Foi seu último título pelo Flamengo. Ele declarou nos últimos dias que mal conseguia terminar o primeiro tempo dos jogos, pois, no dia seguinte ao da finalíssima, foi direto para a mesa de cirurgia operar o joelho. Um exemplo de abnegação, o nosso querido Galinho de Quintino foi o grande líder e inspirador daquele time. Teve grande importância, ao lado do Leandro e do Andrade, no surgimento dos então jovens Aílton, Zinho e Leonardo, além da afirmação do Bebeto no comando do ataque e nos últimos seis jogos, sem contar a bola redonda que jogou em algumas partidas, como contra o Santa Cruz no Maracanã e contra o Atlético/MG no Mineirão, no primeiro tempo.


A conquista seria sucedida depois por anos de insucessos, interrompidos por três conquistas marcantes - Copa do Brasil/1990, Estadual/1991 e Brasileiro/1992 -, as quais posteriormente foram sucedidas pela difícil década de 90. Foi então um marco importante, conquistado por heróis que, por sinal, tiveram carreiras bem sucedidas depois disso.


Por isso mesmo, como homenagem final, lembro que o elenco de 1987 foi base da seleção brasileira em Copas do Mundo que se seguiram: Zé Carlos (reserva na Copa/1990), Jorginho (titular na Copa/94), Aldair (titular na Copa/94), Leonardo (começou titular na Copa/94), Zinho (titular na Copa/1994), Renato Gaúcho (Copa/1990) e Bebeto (Copa/90, titular Copa/94 e titular Copa/98). O time tinha ainda Leandro (Copa/82), Edinho (Copas/78, 82 e 86) e Zico (Copas 78, 82 e 86).

Uma verdadeira seleção, portanto.


A Taça das Bolinhas


Cheguei a comentar aqui na terça-feira que um eventual sumiço da Taça das Bolinhas ajudaria a desfazer a injusta fama de "bons moços" que ostentam os dirigentes do São Paulo F.C., construída nas últimas décadas por profissionais como Telê Santana, Raí, Kaká e o próprio Rogério Ceni. Seria um ponto positivo, ressaltado pela circunstância de que o Flamengo seria o injustiçado e sairia de forma limpa de toda essa celeuma.

Após refletir, lembrar da importância histórica desse título e do importante aspecto de que foi o último título do Zico jogando pelo Flamengo, o último troféu por ele levantado como capitão do time, concluo que esse marco final da linda e vitoriosa trajetória do nosso ídolo maior no Flamengo merece um lugar de destaque na Sala de Troféus da Gávea. O título está devidamente homologado pela CBF. A taça precisa ser entregue pelos usurpadores.


Val Baiano


Não estranhem a menção numa coluna que homenageia uma geração com tantos craques de seleção e sua conquista de 1987. A homenagem, aqui, não é ao atleta, mas ao torcedor Val Baiano, que teve uma postura digna, vista em pouquíssimos atletas dispensados pelo clube. Sabemos que a esposa acabou de ter um bebê, que a época não era propícia para uma rescisão de contrato, mas o que lemos nos jornais são apenas declarações de gratidão e de amor de torcedor ao clube.


Que Deus ilumine o seu caminho e da sua família, Val Baiano. Você é um membro distinto da Nação Rubro-Negra.


Bom dia e SRN a todos.