domingo, 15 de agosto de 2010

Entrevista com Patricia Amorim

By Marluci Martins.

Ser presidente do Flamengo pode ser prejudicial à saúde. Principalmente, quando desgraças de todos o tipos andam em fila, sem trégua. Patrícia Amorim, 41 anos, perdeu o sono, a fome e, até, o sossego no supermercado. Mas não perdeu a fé e a paciência. Seu sonho é do tamanho dos problemas que tem enfrentado desde que assumiu. A ex-nadadora quer formar um time com Julio Cesar, Juan, Ronaldinho Gaúcho e o questionado Felipe Melo.

Você ainda sabe nadar?
Patrícia: –(Risos) Nadar é como andar de bicicleta. A gente não esquece. Ainda nado bem, mas devagar, e só no verão. A época do sacrifício passou. Nem sei qual foi a última vez...

Como é uma mulher na presidência?
Vou no vestiário ver se tem sabonete na saboneteira. Quando eu estava em campanha e ia ao banheiro, via que o sabonete era diluído numa garrafa pet. Prometi que os banheiros seriam limpos e cheirosos. Eu tinha horror àquilo.

Sofre preconceito?
Rola preconceito. Para alguns, não posso dar certo por ser mulher. O universo do futebol é machista. Mas os jogadores são gentis. Não tenho postura de prepotência ou fanfarronice. Até para dar esporro eu sou gentil. Mas falo o que me incomoda. Fui preparada para a porrada. Cresci no esporte.

Tem empatia com algum jogador?
O Léo Moura. Não fiz nenhuma campanha para ele ser o capitão, tá? Ele compreende a relação com a instituição. Se peço para dar uma força ao basquete, ele vai lá. Gosto da mãe e da irmã dele. Aliás, outro dia a mãe dele me cobrou a contratação de um atacante (risos).

Os jogadores cobram?
O Bruno era o capitão. Tudo o que ele pediu pelos outros jogadores, eu cumpri. Prefiro me virar para resolver os problemas dos que estão aqui do que trazer alguém de fora.

É possível formar um grande time, pensando assim?
É. Vou conseguir.

Você ainda não conseguiu...
Quero o Ronaldinho Gaúcho. Para ter ele, o Julio Cesar, o Juan e o Felipe Melo, tenho que pagar. Estou falando de jogadores com quem conversei.

Conversou? Acha que realiza esse sonho em 2012, seu último ano no clube?
Não. Acho que no ano que vem. Mas o Flamengo precisa terminar 2010 bem. Se não, fica difícil. Preciso ter um projeto no qual as pessoas apostem.

Não é um sonho impossível você ter Julio Cesar, Juan, Felipe Melo e Ronaldinho Gaúcho?
Não é impossível. Estou arrumando a casa para esse momento. O simbolismo dos formados aqui é fundamental. Quero investir nas raízes.

Gosta do Felipe Melo? Ele foi execrado na Copa!
Não entendo tanto de futebol, não. Mas vamos lá... Gosto de quem gosta do Flamengo. Gosto de quem quer vir pra cá. Ele gosta. A gente nunca tinha se encontrado na vida. Eu estava de bermuda, em Orlando, indo a um restaurante brasileiro. Ele abriu o vidro do carro e gritou: “Oh, presidente!” Falei: “Quando você volta pra casa?” Ele disse: “Sou louco pra voltar. Aí, falei: “Estamos de portas abertas. Vamos conversar”.

Sondou o Julio Cesar?
Falei com o pai do Julio Cesar há umas duas semanas, aqui na Gávea. Ele está sempre aqui. Disse que agora não daria. Mas avisei que quero ter preferência. Quero conversar.

E o Juan?
Nosso vice jurídico, Rafael de Piro, jogou com o Juan na base do Flamengo. É o melhor amigo dele. Eles já conversaram. Juan disse que no ano que vem senta pra conversar.

E o Ronaldinho?
Falei uma vez com o Ronaldinho e outras três com o Assis, irmão dele. A relação é boa.

Esse time seria já para o primeiro semestre?
Ah, eu quero (risos). Eu queria dar esse presente de Natal para os torcedores, mas é lógico que depende do jogador. É claro que ele tem propostas. Outro dia, estava lendo que o Palmeiras quer o Ronaldinho. Fico preocupada. Eles podem fazer uma proposta melhor. Fico tentando manter a relação para saber se posso competir.

Como o Flamengo vai conseguir tantos reforços?
O desafio é equilibrar o orçamento e não perder a competitividade. Quando apresentar um aumento de receita, uma diminuição de despesa e resultado financeiro, vou me sentir à vontade para dizer que chegou a hora de fazer um investimento maior. Vou precisar de um orçamento maior para o futebol. O passivo a gente vai ter que enfrentar.

Desistiu de rescindir o contrato do Bruno?
Sigo o que a comissão jurídica determina. O encaminhamento inicial era a rescisão por justa causa e uma ação por perdas e danos. Só que desde 2005, não pagavam as luvas dele. Eu vinha pagando R$ 100 mil por mês a ele, de luvas, mas a dívida antiga está perto de R$ 1 milhão. Decidimos que, se for uma negociação interessante para o clube, a gente vai estudar a possibilidade de fazer a demissão sem justa causa. Seria um acordo. De salário, não há nenhuma dívida. Bruno recebeu salário de R$ 150 mil, em carteira, até julho.

Você tem notícias dele?
Nenhuma. Não me senti à vontade de perguntar aos jogadores se alguém tem alguma notícia. Todo mundo está tão apavorado... O Willians foi o que mais sentiu, pois era companheiro de quarto.

Conversou com ele?
Ele não dá abertura, não. Ainda não consegui chegar nele. É muito calado.

eus filhos usavam a camisa do Bruno?
Isso foi um horror. As camisas dos meus filhos estão sem uso. Não dá para usar mais. O Ricardo (9 anos), falou: “Você afastou o Bruno. Não vou mais torcer para o Flamengo”.

Você enfrenta cobranças até em casa?
Eles cobram. Não emito opinião em casa porque sei que o que eu falar vai parar na escola. No dia do jogo contra o Corinthians, meus filhos começaram a berrar: “Você é quem manda lá! Tem que reclamar com o Zico!” Fui chamada na escola do caçula (Leonardo, 3 anos), porque ele está ensinando o hino do Flamengo para os colegas. O pai de um amigo dele é tricolor doente e o filho chegou cantando o hino do Flamengo em casa.

Gosta de bad boys?
Hoje é complicado. Mas estou segura porque agora boto cláusulas no contrato que me permitem rescindir, se houver algum desgaste à instituição.

O jogador do Flamengo pode ir à festa na Chatuba?
Ah, não dá mais. Adriano começou a faltar a treinos, ter problemas com a noiva... Hoje, é muito difícil admitir esse tipo de postura aqui. O Flamengo está traumatizado. A gente não vai procurar esse tipo de perfil. Gordo, de cara feia, sem comemorar... Perdeu o sentido.

Fez inimigos como presidente do Flamengo? A relação com o Ricardo Teixeira ficou ruim?
Ah, ficou, né? Ele levou para o lado da amizade que tem com o Kléber (Leite). Desde janeiro, eu tinha compromisso com o Fábio Koff na eleição do Clube dos 13. O Kleber se lançou depois. Deve também estar chateado comigo, mas ele também teve o seu candidato a presidente do Flamengo. Não votou em mim. Só que eu não levo para o lado pessoal. São acordos que se faz. Sou firme. O que eu falo, vou fazer.

Passa pela cabeça o risco de Zico não funcionar?
Passa. Tenho que preservá-lo. Preciso estabelecer com ele uma relação de confiança. Não interfiro, mas tenho que defender a instituição. Há coisas que ele quer fazer, mas pelo estatuto não é possível. Essa autonomia não existe. Tenho que passar tudo pelo conselho fiscal e vice presidências.

Você consegue fazer cobranças ou críticas ao Zico?
Não foi preciso ainda. Mas com certeza vou conseguir. O que segurou o Flamengo nesse episódio do Bruno foi a chegada do Zico. A vinda dele segurou minha sanidade mental, meu equilíbrio.

Está arrependida ou pensa em reeleição?
Estou onde queria estar. É uma honra. Fui longe demais. Faltam dois anos e meio. Tenho autocrítica. Se estiver bem, vou querer continuar.

Como está a rotina?

Durmo mal. A vida mudou. É assustador. Emagreci.Não tenho fome. Tenho fome de gol (risos), e o gol não sai. Não posso caminhar na praia. Não faço mais compra no supermercado. Outro dia, um cara parou na minha frente e falou: “Patrícia, vai tomar no c..” Meu Deus, tenho que tomar muito cuidado. Tenho gastrite e umas enxaquecas horríveis.

Os meninos sofrem?
O mais velho teve queda nas notas da escola. O outro, de 9 anos, quando a gente estava na Disney, ia na Internet e voltava com novidades: “Mãe, você vai ter que depor!”

Qual é a sua religião?
Dizem que filha de judeu é judeu, e também casei com um. Então, sou judia. Quer saber de uma coisa? Gosto muito é do trabalho. Se eu for entregar tudo para a fé, fico destruída, pois estou aqui há sete meses e só aconteceu desgraça. Vou acreditar em quê? Sou cética para umas coisas. Só não digo que aconteceu de tudo aqui porque sei lá se vem coisa pior.